Páginas

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A Mudança de Paradigma 2ª Parte: Que é o que se ensina na Galiza. O paradigma galeguista

Por José Manuel Barbosa 


Que é o que se ensina na Galiza?

A Galiza é politicamente um apêndice da Espanha, e isto é assim do ponto de vista legal-institucional como até o dia de hoje também é o País Basco ou a Catalunha. A Galiza também é um apêndice da Espanha no seguimento oficial da ideologia, muitas vezes, anti-galega, cousa que não acontece nos dous países antes nomeados que sabem defender os seus interesses políticos e económicos por acima do poder estatal. Assim, a Galiza reproduz o paradigma castelhanista tanto no ensino como maioritariamente na investigação, exceptuando honradíssimos casos como os de Camilo Nogueira, Anselmo López Carreira, João Bernárdez Vilar, José António López Teixeiro, André Pena Granha, Higino Martins Esteves, ou os históricos Ricardo Carvalho Calero e Ernesto Guerra da Cal, e ainda mais alguns que não nomeio por falta de espaço.



Nos estudos oficiais na Galiza ensina-se o seguinte:

·        A Cultura chamada Castreja e os Celtas têm pouco ou nada a ver, de forma que qualquer elemento civilizacional galaico se diz de origem mediterrânico. Na época romana a Gallaecia quase não existe. Tudo é latino do ponto de vista cultural e latim do ponto de vista linguístico. O elemento indígena não achega nada útil à formação da futura Galiza e Roma é quem a inventa. Antes de Roma não há nada. É o vazio.

·        Os suevos são um povo bárbaro, no senso pejorativo da palavra, que não deixa pegada nenhuma e o seu Reino é anedótico. Os suevos são bárbaros e os visigodos estão romanizados, o que significa que são mais civilizados. São estes últimos os que marcam a personalidade de toda a península incluída a Galiza. Não há elementos importantes e interessantes a salientar para a historiografia europeia no Reino Suevo, nunca Reino de Galiza ou Gallaeciense Regnum.



·        Os muçulmanos ocupam também a Galiza (porque ocupam “Hispania tota”) que já nesta altura se identificava territorialmente com a Galiza actual. Astúrias é um Reino que “reconquista” e “repovoa” Galiza (4) para a causa cristã e a importância do País do apóstolo São Tiago descoberto por um Rei asturiano é mínima. Galiza é um ninguém, não tendo qualquer protagonismo nem militar, nem social, nem económico, nem quaisquer outros. Nesta altura é Astúrias a importante que lhe passa a testemunha a Leão e esta finalmente a Castela. Durante toda a Idade Média a Galiza é um objecto passivo nos acontecimentos da parte cristã da península e passa a ser um “Reino” pontualmente duas ou três vezes por acidentes políticos que se reencaminham da mão de Reis com interesses leoneses ou castelhanos (que finalmente vinha a ser o mesmo). Ser Rei de Galiza (a Galiza entendida territorialmente como a de hoje, não como a real daquela altura) é como não ser nada e normalmente nem se nomeia na historiografia geral peninsular porque os Reis da Galiza são Reis muito pontualmente ou são segundões sem transcendência histórica. Tudo em função de Castela (ou Castela-Leão) (5)
·        A independência de Portugal conta-se como um acontecimento que tem “algo” a ver com a Galiza.
·        Algum Rei chamado o Sábio deu-se-lhe curiosamente por escrever em galego porque era esta uma língua muito linda e poética mas esse rei era castelhano e a língua por excelência de toda a historiografia oficial é a de Castela falada pelos personagens realmente importantes como o Cid,  ou o Rei do qual era bom vassalo como Afonso VI, também castelhano mas mal Senhor porque não defendia os interesses castelhanos.


·        Os séculos XIII e XIV são séculos de lutas dinásticas entre Reis e revoluções sociais, mas nada se diz do lugar que ocupa a Galiza em tudo isto, as autênticas motivações, interesses, apoios e projectos da Galiza nestes séculos. Também nada se diz do que Portugal faz a respeito de Galiza.
·        Os Reis chamados Católicos, Isabel e Fernando, foram os que “domaram e castraram” Galiza mas também são os que lhe dão gloria e unidade a Espanha. Há alguns que mesmo defendem na Galiza a conversão da Isabel I Trastâmara de Castela em beata como primeiro passo para a sua ascensão a Santa.

·        Nos chamados Séculos Obscuros (de final do S. XV até a chegada de Napoleão à península) só há história económica (6), a história política está reservada para a Coroa de Castela ou o Reino da Espanha que vinha ser o mesmo. Galiza era um país de camponeses e marinheiros sem qualquer poder político e por algum personagem mais conspícuo do que os outros porque serve à Coroa.

·        Durante os séculos XIX e XX Galiza só achegou escritores e galeguistas que não andavam metidos na política e por isso foram importantes. Todos eles sentiram-se muito espanhóis e o galeguismo é um pensamento mais do que nada cultural embora tivesse uma expressão regionalista que o espanholismo assume com normalidade. Mesmo o galeguismo nacionalista tinha disto último só o nome, porque todos os galeguistas defendiam a ideia de Espanha.


Qual é o paradigma galeguista?

Diz-se habitualmente que a história é contada sempre pelos vencedores. Neste caso, o paradigma galeguista é o que não triunfou e é por isso pelo que para além de não ser oficial, nem se ensina, nem se acredita nele. Mesmo as provas, as evidências, os documentos, os textos e as pessoas que os expõem tenham da sua parte toda a autoridade e a veracidade.

·         Antes de Roma o N.W. peninsular estava habitado por um povo proto-celta matriz dos celtas do mundo Atlântico. Assim é como no-lo demostram os estudos de várias universidades britânicas seguindo estudos genéticos e mesmo a moderna Teoria da Continuidade Paleolítica de Mário Alinei, Francesco Benozzo e ainda o anteriormente o Professor galego André Pena Granha que já expus esta teoria, pelo menos no que diz respeita ao Noroeste peninsular vários anos antes do que fosse exposto pelos professores italianos, mas como na Galiza tudo passa pela peneira castelhanista não houve forma de que transcendesse.


·         A língua dos chamados galaicos e lusitanos era a mesma e ocupava todo o Norte e o Oeste da península até o Tejo aproximadamente. Portanto, o parentesco galaico-lusitano era já anterior a Roma. Roma só dividiu pelo Douro com o fim de dividir para vencer. Prova importante para isto é que nas guerras lusitanas participassem tropas galaicas. Se os galaicos forem outro povo muito distante e alheio aos lusitanos essas guerras não seriam da sua incumbência e portanto não participariam.

·         Durante a ocupação romana, a Gallaecia foi uma das províncias do império mais sucedidas economicamente, culturalmente e do ponto de vista artístico sendo o elemento indígena fulcral. Figuras como Prisciliano, Egéria, Paulo Orósio, e Idácio Lémico foram prova da importância da Nossa Terra. A figura de Prisciliano poderia equiparar-se a outras paralelas dentro do mundo céltico e atlântico como São Patrício, São Davide ou Santo André. Aliás, Prisciliano, pode dar pistas a respeito do fenómeno Jacobeu já que há quem assegura que quem realmente está (ou estava) em Compostela não era São Tiago, mas Prisciliano. As provas não são determinantes, mas a lógica leva por esse caminho.

·         Os suevos, um povo germânico dos mais evoluídos e “romanizados”, constituíram na Gallaecia, a zona mais rica e desejável para eles da península, o primeiro Reino independente de Roma com um projeto militar e político de unificação peninsular com capital em Braga e com o apoio, colaboração e implicação dos galaicos que o sentiam como seu. A importância dos mesmos é grande: Com eles a Gallaecia constituiu-se no primeiro Reino medieval da Europa; foram os primeiros em emitirem moeda, o Sólidus suevo; os primeiros em legislar, administrar e construir um Estado; o primeiro Reino cristão após Roma; os criadores da mal chamada “letra visigótica” já que na realidade começou a existir na Gallaecia antes da chegada dos godos; os criadores da primeira arte pré-românica com elementos como o chamado arco de ferradura que na historiografia castelhanista diz-se visigodo; os primeiros em assumirem o cristianismo católico antes do que qualquer outro povo germânico, por isso a sua aceitação pelos galaicos. Na historiografia castelhanista diz-se que foram os visigodos os primeiros em aceitarem o catolicismo...


·         Durante a unificação suevo-visigótica a Galiza manteve a sua personalidade política e administrativa, cultural, social e económica, contrariamente à ideia castelhanista dum Reino unificado visigótico com capitalidade centralista em Toledo e primeira amostra de Estado Espanhol pan-peninsular. Os Reis tinham o título de “Reis de Espanha, Galiza e a Gália” entendendo que a Galiza e a Espanha eram realidades diferentes. A Gália num princípio ocupava a actual Ocitânia para posteriormente ficar só na Septimánia ou Narbonense.

·         A entrada dos muçulmanos na península deve-se à chamada dos vitizanos galegos. O domínio muçulmano da Espanha excluía por definição a Galiza fazendo desnecessária qualquer intervenção militar por parte destes por contarem com o apoio dos seus aliados vitizanos que eram quem tinham o poder na Galiza. Posteriormente a Galiza manteve um vazio de poder no conjunto do País mas governado por régulos de entre os que haveria que salientar os das Primórias, nome que se lhe dava naquela altura às comarcas do actual oriente asturiano e que levaram a iniciativa na posterior unificação de toda a Galiza. Da territorialidade da Galiza suevo-visigótica, só a região conimbriguense fez parte da Spânia (ou Al-Ândalus) para posteriormente ser recuperada e volta a perder por várias vezes por e para a Galiza.
·         O nome do “Reino de Astúrias” ou “Reino de Leão” não é o que está recolhido nos documentos andalusis, carolíngios, papais, germânicos, anglo-saxónicos, bizantinos e escandinavos. O nome que figura neles é o de “Reino de Galiza” ou mais justamente em latim “Gallaeciense Regnum” (às vezes “Christianorum Regnum”). Dentro dos textos peninsulares, só uns poucos safaram da manipulação posterior do século XIII e posteriores. Os outros, redigidos muito posteriormente aos eventos que narram (7) não são fiáveis.

·         Os conceitos de “Reconquista” e “Repovoação” não são interpretados igualmente pela historiografia galega e a castelhana. Para a castelhana é a recuperação do território nacional perdido por conquista e invasão muçulmana, mas para a historiografia galega nunca existiu um programa consciente durante a Idade Média de ocupação da Espanha muçulmana, nem um processo cronológico continuado de conquista. Desde a reunificação da Galiza após a entrada muçulmana até o século XI não houve variações importantes de limites territoriais. Contrariamente houve variações desde a anexação de Toledo, momento desde o que começa realmente o avanço cristão desde o Norte. Por outra parte “Repovoar” é interpretado para o castelhanismo como “tornar a povoar o que antes estava vazio ou povoado com outras pessoas alheias dum ponto de visto étnico e que houve de expulsar para manter a uniformidade nacional”. No entanto, segundo a versão galega a palavra “Repovoar” vem do latim originário REPOPULARE que vem sendo tornar a organizar um território, não do ponto de vista demográfico mas do administrativo e do político.


·         Segundo o paradigma galego, o Reino de Galiza foi o protagonista da maior parte da Idade Média e o projecto de unificação peninsular. Castela surgiu quando esse projecto já estava encaminhado fazendo-se com ele e manipulando a historiografia. Para Castela, a Galiza simplesmente não existe, nem antes nem depois. Durante o Século XIII em adiante se vai levar a cabo por meio de determinadas pessoas com nomes e apelidos a eliminação do nome da Galiza dos documentos e o processo histórico leva a eventos que consolidam Castela como a construtora da actual Espanha (8). A separação de Portugal, a castelhanização de Leão e a união de Castela com Aragão fecham o processo.

·         Os chamados “Séculos Obscuros” enquadrados dentro da Idade Moderna para o nosso paradigma não são tão obscuros. Na Galiza houve vida política embora dependente e com vontade de recuperação em alguns casos. O maior e mais importante episódio desta época é o seu final, quer dizer, a guerra contra os franceses no que a Galiza de facto agiu com total independência, com o seu governo, o seu exército, a sua política fiscal e diplomática e de facto quem conseguiu com ajuda do exército aliado britânico a expulsão dos franceses da Espanha e a derrota de Napoleão. O nosso País foi o primeiro da Europa em ficar livre de franceses. Infelizmente a ideia de fidelidade a um Rei fez com que essa independência de facto fosse cedida a uma monarquia quem poucos anos depois (em 1833) eliminaria o “Reino da Galiza” da cartografia, da legalidade, da diplomática e da nomenclatura para criar quatro províncias sem mais conexão entre elas do que pudesse haver com outras do novo “Reino da Espanha”.


No que diz respeito da língua, o paradigma galeguista sempre defendeu a unidade linguística galego-portuguesa e a necessidade da unificação e confluência entre as falas galegas e as portuguesas. Há hoje um galeguismo que isso não aceita, mas é o “galeguismo” oficial e dependente chefiado pela mesma ideia que gere o paradigma castelhanista. A origem da nossa língua está naquele “Gallaeciense Regnum” medieval que se quer negar desde Castela e ainda naquele “Galaico” ou “Proto-Galaico” do século X do que nos falam Carvalho Calero ou Rodrigues Lapa está mesmo a origem do castelhano que não é mais do que uma variante oriental extrema do Asturo-leonês ou galaico-oriental em contacto com o substrato basconço. O galego-português é a variante que os nossos vultos denominam como galaico-ocidental. O famoso “Mio Cid” não está redigido originalmente em castelhano medieval porque este não existia, mas em navarro-aragonês como nos dizem mesmo prestigiosos autores espanhóis como Rafael Lapesa ou Alonso Zamora Vicente. As chamadas “glosas emilianenses” e “glosas silenses” origem do castelhano segundo nos contam na escola, no liceu e na universidade não estão em castelhano, mas em navarro-aragonês. O castelhano é uma língua que se elabora a partir das falas de contacto entre o galaico-oriental (ou astur-leonês), o basco e o navarro-aragonês que era uma fala emparentada com o gascão e o catalão. No tema da língua o supremacismo castelhano e castelhanista agiu do mesmo jeito: destruindo documentação, manipulando informação e reduzindo o protagonismo da Galiza e do galego(-português).



Artigo também publicado em Mundo Galiza


Referências:

  (4) Portanto os galegos de hoje não seriam mais do que descendentes de asturianos medievais.

 (5) No filme “El Cid” protagonizado por Charlton Heston o Fernando I e posteriormente Afonso VI são Reis de “Castela, Leão e Astúrias”. A palavra Galiza não aparece por nenhures e Leão e Astúrias que faziam parte do mesmo território político na altura são consideradas como dous Reinos diferentes. Nesse mesmo filme aparecem dous dos três filhos varões do Rei Fernando: Sancho e Afonso. O terceiro filho, Garcia, que levou em herança as actuais Galiza com Portugal mais as taifas de Badalhouce e Sevilha não apareceu em todo o filme nem se nomeou.

(6) De penúrias, fomes, e falências o qual leva aos galegos à incultura e à ignorância muito salientada pelos clássicos castelhanos desses séculos chamados de “Séculos de Ouro” em contraposição aos “Séculos Obscuros” galegos.
  
(7)  Segundo Anselmo López Carreira, autor do livro “O Reino Medieval de Galicia” editado por “A Nosa Terra” em 2005 diz-nos nas páginas 131-133 que autores como Barrau-Dihigo consideram fiáveis muito poucos documentos da época chamada asturiana (711-910). De 68 diplomas, só 19 são autênticos “ou le paraissent”, dos quais só 5 são originais, os outros 14 parecendo fiáveis chegaram até os nossos dias em cópias antigas ou modernas, portanto susceptíveis de serem alterados. O professor Floriano, sendo considerado menos crítico considera 5 documentos autênticos de 15 estudados desde 711 ate o ano 799; de 800 até 866 recolheu 69 dos quais só lhe pareceriam autênticos 44, de 867 até 910 estudou 120 dos quais só 92 seriam autênticos. Posteriormente o Professor Floriano num segundo estudo chega a considerar que só 7 originais nos chegam do período astur depois de afirmar que “no llegan a medio centenar los conservados”. Diz-nos também o Professor Carreira que dos investigados por ele e dos 313 documentos apanhados da Catedral de Compostela, só 12 se transmitiram independentemente dalgum cartulário e menos do 2% são originais. As crónicas não saem melhor qualificadas. O seu aproveitamento só é aceitável após uma grande poda. Inclusivamente as bases historiográficas nas que se baseia o castelhanismo como são as “Crónicas Asturianas” e  chamada “Crónica de Afonso III” questionam o denominado “Reino Astur” e o seu valor fica relativizado pela intencionalidade política com a que foram redigidas. O seu fim era legitimar a autoridade monárquica exercida desde Ovedo. Mesmo o episódio de Covadonga só se pode interpretar em chave mítica.

(8) O Bispo Pelayo de Ovedo, Rodrigo Ximénez de Rada e Lucas de Tui foram os que levaram a cabo durante o século XIII o movimento de eliminação da palavra “Galiza” dos documentos, refazendo-os, manipulando-os, destruindo-os, etc... A razão era o privilegiar Toledo como cidade principal tanto do ponto de vista religioso como político em detrimento de Compostela e ainda fortalecer o poder castelhano na península e debilitar o projecto nacional pan-peninsular galaico

2 comentários:

Anónimo disse...

estupendo traballo de investigazion, non digas moi alto isto que se enfadan os castellanos (espahnolistas)...jajjaa a cruz que temos cos historiadores castellanos, o peor disto e que contas histo e chamante separatista anti-espanhol por decira verdade¡¡

Silmadorous disse...

Gostei, desconhecia o dos vitizanos e os musulmans, obrigado. Máis coido que os casteláns nom teñen culpa nemgunha, e o constructo é espanholista (que a máis nom recolhe a cultura castelá se nom que a mestura com anacos diversos valenciáns, andaluces...)

Un saúdo

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.