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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A recuperação do celtismo


Por José Manuel Barbosa

Conta uma velha lenda grega que o herói grego Hércules depois de lhe ter roubado os bois ao gigante Gerião, na atual Crunha, passou-se pelos montes Pirenéus onde vivia a ninfa Pyrene -quem lhe deu o nome ao Cordal-. Ela quis conquistar o coração do herói que acabou caindo nas suas redes e entre os dous surgiu um idílio do qual nasceu um neno chamado Keltos, de  quem deriva o nome dos Celtas (1)
 Esta formosa lenda faz nascer o povo celta nos montes que separam a Península Ibérica da Gália. Cousa curiosa, depois de estarmos acreditando durante décadas na procedência centro-europeia do povo do qual se originam os galegos e após realizarmos uma releitura do paradigma no que uma nova vaga de cientistas vem dar a razão a história de amor protagonizada pelos dous seres mitológicos helénicos.

Foi durante muitos anos que os cientistas apoiados em pressupostos aparentemente científicos fizeram dos celtas um misterioso povo teoricamente nascido longe dos lugares da Europa onde teoricamente mais e melhor  conservavam a sua idiossincrasia. Nações como a irlandesa, a escocesa, a galesa, a córnica, a manx, a bretã e mesmo a kalláika (neologismo que usamos para abranger todo o noroeste da península) conservam ainda o mais fundamental do ser céltico. Irlandeses, escoceses, galeses e bretães ainda falam uma língua que podemos denominar celta. Outros como córnicos e manx recuperam as suas falas perdidas lutando contra todos os obstáculos, após terem vivido séculos de avanço do inglês na Cornualha e a Ilha de Man. No caso da Galiza, as Astúrias (latu sensu) e Norte de Portugal foi perdida há tempo, ainda que estudiosos como o Professor Higino Martins diga que pelo menos tenha chegado como mínimo ao final do I milénio e talvez tenha subsistido em regiões montanhosas e afastadas da influência do romanço até quase o final da Idade Média.

Desde o Século XIX os historiadores e os arqueólogos têm defendido uma ideia favorecida na Europa por pensamentos pan-germanistas que defendiam a procedência centro-europeia dos celtas do mesmo jeito do que uma estética física muito afastada da realidade. Eram os míticos celtas louros, altos e germanizados provenientes tanto dos racialismos de entre guerras como dos tópicos hispânicos  de épocas franquistas que identificavam o típico espanhol como um ser de pequena estatura, pele mourisca, mal génio, machismo visceral e ódio a tudo o que cheirasse a Europa e a democracia.

Esse paradigma continuou subsistindo nas universidades até final do século XX e começos do XXI apesar de que os autores clássicos manifestaram nas fontes continuamente que os celtas eram um povo atlântico. Mas foi a partir de começos do XXI quando após um estudo encomendado pelo Governo Irlandês ao Trinity College se chegou à conclusão de que o povo de Lugh não tinha chegado da Suíça ou da Áustria. A nova matéria científica denominada “Dinâmica de Populações” baseada no seguimento dos restos genéticos deixados pelos grupos humanos nas suas migrações, desvendava-nos que os historiadores romanos tinham razão: Os celtas foram sempre um conjunto de povos de origem atlântico. Assim o manifestavam as suas marcas genéticas e assim no-lo confirma a existência de restos de todo tipo.
Se os arqueólogos novecentistas falavam de invasionismo, as provas não nos confirmam que nem nas Ilhas nem na parte ocidental do nosso continente houvesse tal. Pelo menos proveniente do centro da Europa. Os restos Latenianos e Hallsttaticos não marcavam a origem dos celtas pois antes dos mesmos já havia cultura céltica...Da mesma forma não é na Suíça nem na Áustria onde se conservam as línguas célticas. Existem restos toponímicos, teonímicos, léxicos..., isso sim, mas é no Norte da Lusitânia e na Gallaecia romanas onde achamos textos inscritos de época imperial que nos dão a conhecer o velho proto-celta do qual derivaram o resto das línguas gaélicas e britónicas. Se aliás consideramos que o mediterranismo imperante durante séculos considerava o “Mare Nostrum” (na realidade o “Mare Suum”..) como o centro da civilização, reconheceremos com um autêntico dogma na Europa, desde que Roma chegou ao Atlântico, que tantas gerações acreditassem que a Cultura Atlântica era periférica. Mas nada mais longe disso. A Cultura Atlântica foi uma cultura centrada em si própria com os seus centros e as suas periferias e o Atlântico um espaço no que se desenvolveu uma intensa vida cultural, artística, religiosa, mitológica, étnica e linguística durante o Bronze final e a Idade do Ferro.

Autores como Cunliffe, Bradley, Simon James, André Pena, Blanca Garcia-Fernández Albalat, Mario Alinei, Francesco Benozzo, Xavério Ballester... e mais outros que não nomeio por falta de espaço, ajudaram nos últimos anos a botar abaixo o construto pseudo-científico que afastava o velho País de origem dos povos celtas da sua ubiquação aceite pela comunidade científica, chegando mesmo a ser tabu o facto de relacionar as palavras “Celtas” e “Galiza” .
A Teoria da Continuidade Paleolítica está ajudando a desvendar esses erros dos indo-europeistas e celtólogos de séculos passados, de forma que começam a ser um importante número de historiadores e arqueólogos que acreditam nela. É importante e à vez curioso mas não estranho, que aqui na Galiza tenhamos algum dos precursores dessa teoria, ignorado ou desconhecido por quase todos porque a sua condição de galego não ajuda, já que historicamente o que digam os galegos no que diz respeito da História, e mais da própria História, é considerado de pouco valor ou simplesmente obviado. O Professor André Pena Granha falava de continuidade cultural, organizativa, religiosa, mitológica, etnográfica, económica e estética entre épocas pré-históricas e mesmo medievais lá pelos anos 90 quando Alinei e Benozzo ainda não tinham conformado coerentemente o novo Paradigma. Só é ler a sua obra de três volumes “Narón: Un Concello com História de seu”. Tiveram que chegar dous sábios italianos para dizer o mesmo que dizia um galego para que se lhe desse importância a algo que na Galiza estava sendo evidente em 1991. A velha Cailleach, a Mãe Terra é a Kalláikia e está nas zonas atlânticas da não menos velha Hespéria. Aí está o berço do povo celta, esse povo que foi definido por algum famoso autor como “alegres, poéticos, piedosos, crédulos, sagazes, patriotas, gregários, valentes, indisciplinados, indolentes, amáveis, avisados e teimudos”.


 


1) Bergna Juan B: Mitologia Universal I. Madrid. Ediciones Ibéricas. 1960

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito deste artigo, muitos parabéns!Toda a mentalidade em relação à Gallaecia está a mudar e estou satisfeito que tal aconteça. Somos o berço da cultura celta!
Sabe onde posso encontrar o vídeo? Gostaria imenso de o postar na minha página FB.
Com os melhores cumprimentos,
Sílvio Teixeira

Anónimo disse...

Excelente artigo, excelente blog, prof. Barbosa.

José Manuel Barbosa disse...

https://www.youtube.com/watch?v=5JhMFoBxunI

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