Por José Manuel Barbosa
Há quase
quinhentos anos, Michelangelo Buonarroti completou com estéticos desenhos os
teitos da Capela Sixtina, para que todo o mundo pudesse contemplar a beleza e a
arte duma época que prometia ser interessante na história da humanidade. A
partir daquela data, milhares....talvez milhões de pessoas puderam desfrutar
com absoluto arroubo, tal magnificência e tal formosura saída da mente e da mão
dum simples ser humano.
Tanta gente,
tantos anos, tantas variações climáticas, tantas respirações dentro da capela,
fizeram com que o cromatismo original e a beleza primigénia dos frescos que
tanto escandalizaram os cristãos da época se fosse apagando pouco a pouco como
se for uma aparição fantasmagórica depois da qual deveríamos esfregar os nossos
olhos para comprovarmos se a visão foi real ou não.
Com muito bom
critério, há somente uns anos, o Bispo de Roma, decidiu recorrer a um grupo de
expertos restauradores de obras de arte para recuperarem a cor originária das
pinturas à vez de limparem as impurezas de quase cinco séculos de descuido.
Esta decisão provocou o posicionamento em favor ou em contra da recuperação dos
frescos da capela. Por um lado estavam os que defendiam a ideia de deixarem
como estava a Capela, com a consequente perda de nitidez e colorido de tão
grande obra, que talvez acabaria num futuro, mais próximo do que longínquo, com
a perda definitiva da criação do génio da Toscana. O argumento mais poderoso
que se expunha era que a tal obra não se lhe podia tocar porque seria uma
profanação do labor do mestre italiano. Seria melhor deixar que levemente e sem
sentirmo-lo se fosse apagando até se perder para sempre e que ficasse como uma
simples recordação duma época de harmonia estilística.
Por outra parte,
estava o outro grupo de pessoas que defendiam a possibilidade da perpetuação e
recuperação das pinturas por meio dum labor profissional, exato, experto,
técnico e sensível. Estes julgavam que tal monumento bem valia um banho de
carinho reparador e revigorizador qual se duma injeção de vitamina vital se
tratasse, para que pelo menos a Capela pudesse resistir outros quinhentos anos
de esplendor e que outros tantos milhões de seres humanos amantes da arte e da
beleza pudessem sentir vivo o seu espírito na contemplação dos escorços
buonarrotianos.
Também há mais
de mil anos, o povo galego fez, a partir da língua que os romanos trouxeram à
Galiza mesclado com as falas populares dum povo celta que aqui habitava desde
épocas ancestrais, um romanço formoso que servia não só para transmitir
pensamentos ou sentimentos mas como instrumento criador duma cultura, duma
forma de ser capaz de alimentar a alma de todos os seus utentes e igualmente
manter uma identidade sólida como o granito. Posteriormente e quinhentos anos
atrás, uns Reis cujos interesses eram os dum poder sediado no planalto
castelhano levaram a cabo a “doma do Reino de Galiza”, ou a tentativa de
castração nunca conseguida até agora, provocando nesta Capela Sixtina da nossa
identidade uma contaminação e uma esclerotização que faria perder o seu colorido originário que se ia apagando
lentamente, desviando-se durante vários séculos do seu caminho natural, seguido
em troca, de forma perfeita e com muito sucesso no Reino de Portugal.
Como aconteceu
nos frescos da bela Capela Sixtina, o nosso idioma na Galiza foi perdendo
viveza por falta de cultivo, foi deturpando-se subtilmente como se duma rosa
cortada da roseira mãe se tratasse, vendo-se privada do alimento que lhe
fornecia a chispa vital.
Hoje, na época em que a humanidade começa um nova e longa etapa de tomada de consciência de si própria, época em que a liberdade é um bem supremo ao lado do conhecimento científico, abrindo-se passagem por todo o orbe, momento em que a mente humana começa um importante período de expansão, época no que as palavras "humanidade", "irmandade" e "consciência" se estendem por todo o planeta, também na Nossa Terra é momento de tomada de posicionamentos: Por uma parte os que querem deixar as cousas tal qual estão, sem modificar o mais mínimo, aceitando a contaminação e a deturpação provocada por séculos de maltrato dirigido por uns interesses que nada têm autótones. Este posicionamento de aceitação da língua dos galegos sem mudanças, faz que caiamos no perigo da perda e da desaparição da língua, perdendo com isso todo o benefício que traz consigo ao pertencermos a uma civilização da qual somos Matriz, renunciando à apertura de caminhos para a prosperidade e a reafirmação da identidade.
Pelo contrário,
os que julgamos que a nossa língua, ao igual do que a Capela Sixtina, deve
recuperar o seu colorido originário, o seu brilho, o seu esplendor e a sua
beleza, não compreendemos como se pode ser tão negativo e tão desleal com o
nosso pensamento desde posicionamentos institucionais, impedindo a chegada
do nosso discurso, impedindo a transmissão do conhecimento científico, da livre
circulação de ideias, do direito à discrepância...no mais puro estilo da Europa
medieval e teimando por levar à fogueira as bruxas que defendem não só uma
forma de perceber o que nós chamamos português da Galiza mas também as bruxas
que mesmo defendem o direito a que um povo como o nosso possa educar os seus
filhos numa língua que abre as portas de quase 300 milhões de seres humanos por
todo o mundo.
O nosso idioma
merece um repasse restaurador com mão amorosa para que possa sobreviver e
poder-se livrar dos grandes sáurios que levam o guiador da nossa Pátria para
que fiquem na obscura gaveta dos pesadelos.
Aqueles que
desde estamentos oficiais –e não só- apoiam que a língua continue como está,
apoiam um projeto dirigido desde Madrid que só procura a nossa eliminação como
povo. A Galiza não é querida por Madrid, não é amada, nem é aceitada. Faz parte
dum Estado que a possui como um marido maltratador ou como a pressa dum vampiro que quer sugar o seu sangue,
que quer se aproveitar dela sem dar nada de volta. Existe uma falta de respeito
constante e continuado na não aceitação da Galiza que chega ao ponto de
contagiar a muitos galegos com certa debilidade inteletual, criando neles uma síndroma que faz deles uns seres
desnaturalizados e enfermos que se odeiam a si próprios e os sinais
identitários que nos individualizam. Acreditamos que o nosso País não seria aceitado por Madrid ainda
se tornando castelhano... e inclusivamente haveria galegos que continuariam a
não querer ser galegos mas uma sorte de "madrilegos" mutantes. Chegamos a pensar
que ainda estando dentro da Espanha não se quer a prosperidade
de Galiza embora isso suponha prosperidade para Espanha. Madrid e com ele os
“madrilegos”, não estão interessados nem em fazer mais próspera e mais habitável
a sua Espanha porque não querem ver próspera e auto-identificada a Galiza que
poderia fornecer elementos de progresso e de crescimento -entre eles o da
língua- ao próprio Estado...O que quer Madrid e os “madrilegos” é uma Galiza submissa
ainda que com isso Espanha se tornar mais pobre.
Se a Espanha fosse positiva connosco, mesmo
poderíamos pensar numa Espanha plurinacional, como plurinacional é a
Suíça, por exemplo. Mas acreditar nisso é como acreditar na bondade do
diabo. Os galegos conscientes devemos contar com estratégias
inteligentes para impedir que se nos apague como povo. A língua neste
processo é um elemento identitário fundamental. A língua é a nossa
Capela Sixtina e não só do ponto de vista estético, mas igualmente do
ponto de vista geo-estratégico e económico. Ela dá-nos força e
empodera-nos. Da-nos raiz e arraigo com o qual não estaríamos nunca nem entangaranhados nem raquiticos mentais. Sem língua somos simplesmente uns ninguéns embora com
língua podemos inclusivamente dar-lhe a volta ao sistema de forças da
península. Se não nos querem, queiramo-nos nós e demostremos o que eles
perdem por não nos aceitarem como somos. A auto-estima é contagiosa se
com galegos tratamos e por se fosse pouco ela provoca respeito nos que
não são galegos e sentimentos contraditórios nos "madrilegos". É uma
energia poderosa que nos abre portas e nos posiciona ali onde nunca
devimos deixar de estar.
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