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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Universidade v/s Pluriversidade







Por Carolina Hortsmann


A palavra “Universidade” tem a ver com “Universalidade”, quer dizer, com a transmissão de todos os conhecimentos universais, com todo o saber conhecido.
Segundo o dicionário etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, “Universidade” vem de “universo” e isto significa “tudo, inteiro, geral, universal...”
Consta esta palavra de “Uni-“ de “Unus-a-um”, quer dizer, “unidade” mais “versum” que significa “virado de cara a ...”. Portanto “Universitas” ou “Universidade” viria significar “virado ou dirigido de cara a unidade” ou mais livremente “conhecimento dirigido para ser integrado num todo, num conjunto universal único”.

Infelizmente a ideia originária com a que se criaram as universidades na Idade Média na Europa está esquecida. Provavelmente já desde o começo. A ideia de transmissão dos conhecimentos universais fica só para determinados grupos que pelas suas condições socioeconómicas têm a capacidade de aceder aos registos informativos acumulados no transcurso da história e das culturas. Isto tem fins diretivos e dirigentes adequados a uns interesses muito concretos e particulares que nada têm a ver com a generosidade nem com o altruísmo mas com o egoísmo que só beneficia um limitado grupo de famílias que governam o mundo de forma aristocrática e endogámica. Estas não se importam pelo bem ou pelo mal do resto das pessoas que povoam o planeta as quais só são vistas como operárias que trabalham para manterem essa situação perpetuamente, desconhecedoras do funcionamento último do mundo no que vivemos, quer dizer, funcionamento dirigido a manter a situação de desigualdade e de privilégio das aristocracias sobre os grupos humanos de base.

Esses grupos aristocráticos com tanto poder nas suas mãos são os que determinam qual o conhecimento e a informação que podem chegar ao povo; jamais eles hão de transmitir uma formação que crie dirigências que possam concorrer com os seus interesses, nem que ponha em perigo a situação de privilégio das suas famílias, nem chaves que dêem poder ou capacidade de decisão. O obscurantismo por um lado e a apresentação da informação do que acontece no mundo por outra, são fornecidas com fins narcotizantes e limitadas pelos média. O objetivo é servir os  interesses das grandes famílias e manterem a situação benéfica para elas para além de perpetuarem a ignorância no conjunto da humanidade.

Nos últimos anos, a Universidade está a se especializar em transmitir matérias que servem para a formação de mão de obra útil e barata ao sistema. O conhecimento que se necessita para a planificação ampla e global dos destinos do planeta não está nessas universidades viradas para a gente do comum que procura o seu alimento em ocupações laborais que engancham com o “status quo”. Também, e do mesmo jeito, as pessoas conscientes, os génios e/ou grandes sábios que surgem, não nascem habitualmente por obediência a essa formação académica convencional ministrada para as massas despersonalizadas, mas por conhecimentos subversivos e quase clandestinos apanhados fora dos círculos universitários. No caso de essas pessoas destacadas serem formadas pelos sistemas universitários, o próprio sistema faz por integrá-los. E no caso de insistirem na sua oposição ao estabelecido é quando são desqualificados, atacados ou simplesmente desconsiderados chegando quer a uma situação de oposição ativa ou quer diluindo-se entre a população comum e ficando no esquecimento.

Contrariamente, são aqueles que nada têm a ver com a genialidade os que chefiam os projetos políticos impulsionados pelo poder. Este favorece o imobilismo e a manutenção da situação sem que nada mude. O interesse pelas mudanças e as quebras é nulo e a comodidade é o grande valor transmitindo uma ideia negativa de tudo o que signifique inovação...ainda que seja para bem de todos. A filosofia a estender na população é a concorrência pelo prestígio, o poder, o dinheiro ou o cultivo do ego com pequenas conquistas pessoais que servem para apresentar nos seus pequenos círculos sociais.
É fácil que um sistema assim inoculado desde as universidades gere personagens cómodas inteletualmente, superficiais e pouco profundas, mais interessadas no ócio egoísta do que no progresso da humanidade à qual não lhe vem objetivo nem finalidade última. São pessoas que pela sua falta de profundidade não são sensíveis com os problemas mundiais, nem se preocupam o mais mínimo por dar-lhes uma saída positiva. A formação fornecida por essas Universidades perpetua o sistema sem que lhe dê conhecimento ao cidadão do comum de como foi que outros sistemas passados acabaram, nem como surgiram outros novos. Esta ignorância inoculada desde o ensino primário e continuada até a formação superior, ajuda aos diferentes povos a cair repetitivamente nos mesmos erros históricos que derivam em conflitos onde o sofrimento e a penúria são normais. Assim é que quando a situação é insustentável surgem as mudanças paradigmáticas, justo porque as necessidades levam a isso. Nunca porque as pessoas dirijam sabiamente essa mudança com adaptações segundo as necessidades do momento e com previsão de futuro. Habitualmente aqueles que sofrem a precariedade só lutam para conseguirem um posto dentro da sociedade estabelecida, não para mudarem sistemas caducos mas por entrarem no já existente e participarem dele com todos os privilégios possíveis. Assim foram formados.

As dirigências que governam os países determinam as políticas educativas. Estas ficam claramente viradas para a formação de pessoal vinculado ao pensamento oficial. Canaliza-se o descontento com alternativas que também não saem do sistema e que tiram a força de qualquer movimento de contestação real que queira verdadeiramente mudar as cousas. As alternativas reconhecidas pelo próprio sistema nunca vão modificar a filosofia de base do cidadão, baseada numa forma materialista de levar a vida que leva marcado a história do planeta desde a Revolução Industrial e o surgimento do capitalismo. Qualquer ação universitária de formação e investigação é destinada para beneficiar a ideologia em vigor, para manter o sistema internacional e para controlar a sociedade desde arriba de jeito que fique nas mãos egoístas de quem precisa de operários dependentes formados para essa forma de escravatura evoluída.

Em alguns países, os sistemas de ensino superior incluem os chamados “colleges”, centros técnicos aos que acedem aqueles alunos aos quais a Universidade rechaçou “indiretamente” (1) ou aqueles que vem saídas mais práticas para a sua formação e futuro laboral. Originariamente seriam de categoria Pós-Secundária mas não estariam incluídas numa formação superior de prestígio...ou assim era como inicialmente se originaram, mas os valores e as capacidades de muitos alunos dos “colleges” chegou a superar amplamente aos formados nas Universidades convencionais porque estas últimas não desenvolveram a inovação nem a criatividade. O exemplo está no criador do blackberry, formado num sistema de ensino tipo “college” ainda que formalmente e legalmente figure como Universidade de Waterloo (2) 

Há mais exemplos de tudo o que estamos a comentar, como por exemplo a ação dos alunos de Introdução à Economia da Universidade de Harvard que no passado mês de outubro de 2011 tomaram a decisão de se retirarem massivamente da cátedra da sua matéria como protesto pelo conteúdo e o enfoque desde o qual esta se ministrava. Eles criticaram “...a falta de conteúdo inteletual e a corrução moral e económica de grande parte do mundo académico, cúmplices  por ação ou omissão na atual crise económica”.

O protesto teve como objetivo direto o conhecido economista Gregory Mankiw, ex-assessor do ex-presidente George W. Bush e autor de um dos manuais de macroeconomia mais utilizados nas escolas de Economia dentro e fora dos EUA: "Principles of Economics". Numa carta dirigida ao seu professor optam por abandonarem as aulas em apoio ao movimento “Occupy Wall Street

Vem se vê que o mundo está revolto, que novos ventos se aproximam. Os valores e paradigmas que até agora eram válidos estão começando a ver-se obsoletos e ultrapassados. O sistema universitário formador dos dirigentes e dos operários não está sendo eficaz nem de utilidade porque forma com conhecimentos, matérias, práticas, valores, éticas e estéticas contrários ao bem do planeta e da humanidade. Há metodologias novas que até agora não eram consideradas mas por outra parte há matérias, conhecimentos, técnicas e inclusivamente métodos ancestrais que estão sendo recuperados. Está-se pondo em dúvida o chamado “método científico” tal qual se nos transmite e grandes massas da população mundial estão optando por metodologias igualmente científicas mas de mais longo alcance e de maior eficácia ainda que muito vilipendiadas pelo paradigma tradicional porque põe em questão as mesmas raízes do poder aristocrático atual.

O materialismo que formou milhões de dirigentes e operários durante mais de duzentos anos, gerador de sistemas políticos ultrapassados e obsoletos como o fascismo, o comunismo e o capitalismo está vendo-se substituído por um acordar global e coletivo da humanidade que tem como valores fundamentais a sustentabilidade, o ambientalismo, a ancestralidade em muitos casos e a própria humanidade como sujeito e objeto do progresso, tanto físico, como moral, ético ou espiritual. O cartesianismo morreu definitivamente tal como nos foi transmitido e os seus seguidores não têm saída filosófica nenhuma para um mundo como o que se nos aproxima. Só o acordar das consciências é a chave para o futuro do ser humano. Neste contexto e atendendo ao tema relacionado com a universidade, queremos dizer que defendemos a morte das universidades tal como no-las deram a conhecer e aplaudimos a ideia da “pluriversidade” entendida como um sistema de matérias e valores formativos e pedagógicos que atendem a imensa pluralidade de saberes, de conhecimentos, de metodologias destinados à formação dos indivíduos longe de poderes dominantes e aristocráticos, dirigidos a fazer da pessoa um todo plural e adaptativo, com conhecimentos modernos e ancestrais, naturais e artificiais, éticos, estéticos, materiais e espirituais. Esse sistema de valores necessita uma nova forma de percepção e de expressão. Não tanto desde uma praxe racionalmente pura quanto desde uma combinação de racionalidade e intuição, de prática lógica mas também analógica.



 



(1)   Oficialmente nenhuma Universidade vai reconhecer qualquer rechaço de qualquer aluno, mas essa rejeição é indireta e subtil, bem por razões económicas (quem não tem dinheiro não entra), bem por outras razões que só aparentemente não atentam contra a suposta igualdade legal sobre a que se couraça o sistema. 

(2) Há que clarificar que Mihail Lazaridis criador e empreendedor que inventou o blacberry estudou na Universidade de Waterloo (Canadá). Esta nasceu como “college” em 1955 e foi transformada em universidade em 1959 mas continuou a funcionar como “college” mesmo quando ele recebeu a sua formação. Só por razões administrativas e legais aparece como Universidade de Waterloo a identificação deste centro de estudo mas o sistema de ensino, os objetivos e o conjunto de elementos formativos são próprios dos “college”.

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