Por Carolina Hortsmann
A palavra
“Universidade” tem a ver com “Universalidade”, quer dizer, com a transmissão de
todos os conhecimentos universais, com todo o saber conhecido.
Segundo o
dicionário etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado,
“Universidade” vem de “universo” e isto significa “tudo, inteiro, geral,
universal...”
Consta esta
palavra de “Uni-“ de “Unus-a-um”, quer dizer, “unidade” mais “versum” que
significa “virado de cara a ...”. Portanto “Universitas” ou “Universidade”
viria significar “virado ou dirigido de cara a unidade” ou mais livremente
“conhecimento dirigido para ser integrado num todo, num conjunto universal
único”.
Infelizmente a ideia originária com a que se criaram as universidades na Idade
Média na Europa está esquecida. Provavelmente já desde o começo. A ideia de
transmissão dos conhecimentos universais fica só para determinados grupos que
pelas suas condições socioeconómicas têm a capacidade de aceder aos registos
informativos acumulados no transcurso da história e das culturas. Isto tem fins
diretivos e dirigentes adequados a uns interesses muito concretos e
particulares que nada têm a ver com a generosidade nem com o altruísmo mas com
o egoísmo que só beneficia um limitado grupo de famílias que governam o mundo
de forma aristocrática e endogámica. Estas não se importam pelo bem ou pelo mal
do resto das pessoas que povoam o planeta as quais só são vistas como operárias
que trabalham para manterem essa situação perpetuamente, desconhecedoras do
funcionamento último do mundo no que vivemos, quer dizer, funcionamento
dirigido a manter a situação de desigualdade e de privilégio das aristocracias
sobre os grupos humanos de base.
Esses grupos aristocráticos com tanto poder nas suas mãos são os que
determinam qual o conhecimento e a informação que podem chegar ao povo; jamais
eles hão de transmitir uma formação que crie dirigências que possam concorrer
com os seus interesses, nem que ponha em perigo a situação de privilégio das
suas famílias, nem chaves que dêem poder ou capacidade de decisão. O
obscurantismo por um lado e a apresentação da informação do que acontece no
mundo por outra, são fornecidas com fins narcotizantes e limitadas pelos média.
O objetivo é servir os interesses das
grandes famílias e manterem a situação benéfica para elas para além de
perpetuarem a ignorância no conjunto da humanidade.
Nos últimos
anos, a Universidade está a se especializar em transmitir matérias que servem
para a formação de mão de obra útil e barata ao sistema. O conhecimento que se
necessita para a planificação ampla e global dos destinos do planeta não está
nessas universidades viradas para a gente do comum que procura o seu alimento
em ocupações laborais que engancham com o “status quo”. Também, e do mesmo
jeito, as pessoas conscientes, os génios e/ou grandes sábios que surgem, não
nascem habitualmente por obediência a essa formação académica convencional
ministrada para as massas despersonalizadas, mas por conhecimentos subversivos
e quase clandestinos apanhados fora dos círculos universitários. No caso de
essas pessoas destacadas serem formadas pelos sistemas universitários, o
próprio sistema faz por integrá-los. E no caso de insistirem na sua oposição ao
estabelecido é quando são desqualificados, atacados ou simplesmente
desconsiderados chegando quer a uma situação de oposição ativa ou quer
diluindo-se entre a população comum e ficando no esquecimento.
Contrariamente,
são aqueles que nada têm a ver com a genialidade os que chefiam os projetos
políticos impulsionados pelo poder. Este favorece o imobilismo e a manutenção
da situação sem que nada mude. O interesse pelas mudanças e as quebras é nulo e
a comodidade é o grande valor transmitindo uma ideia negativa de tudo o que
signifique inovação...ainda que seja para bem de todos. A filosofia a estender
na população é a concorrência pelo prestígio, o poder, o dinheiro ou o cultivo
do ego com pequenas conquistas pessoais que servem para apresentar nos seus
pequenos círculos sociais.
É fácil que um sistema assim inoculado desde as universidades gere
personagens cómodas inteletualmente, superficiais e pouco profundas, mais
interessadas no ócio egoísta do que no progresso da humanidade à qual não lhe
vem objetivo nem finalidade última. São pessoas que pela sua falta de
profundidade não são sensíveis com os problemas mundiais, nem se preocupam o
mais mínimo por dar-lhes uma saída positiva. A formação fornecida por essas
Universidades perpetua o sistema sem que lhe dê conhecimento ao cidadão do
comum de como foi que outros sistemas passados acabaram, nem como surgiram
outros novos. Esta ignorância inoculada desde o ensino primário e continuada
até a formação superior, ajuda aos diferentes povos a cair repetitivamente nos
mesmos erros históricos que derivam em conflitos onde o sofrimento e a penúria
são normais. Assim é que quando a situação é insustentável surgem as mudanças
paradigmáticas, justo porque as necessidades levam a isso. Nunca porque as
pessoas dirijam sabiamente essa mudança com adaptações segundo as necessidades
do momento e com previsão de futuro. Habitualmente aqueles que sofrem a
precariedade só lutam para conseguirem um posto dentro da sociedade
estabelecida, não para mudarem sistemas caducos mas por entrarem no já
existente e participarem dele com todos os privilégios possíveis. Assim foram
formados.
As dirigências que governam os países determinam as políticas educativas.
Estas ficam claramente viradas para a formação de pessoal vinculado ao
pensamento oficial. Canaliza-se o descontento com alternativas que também não
saem do sistema e que tiram a força de qualquer movimento de contestação real
que queira verdadeiramente mudar as cousas. As alternativas reconhecidas pelo
próprio sistema nunca vão modificar a filosofia de base do cidadão, baseada numa
forma materialista de levar a vida que leva marcado a história do planeta desde
a Revolução Industrial e o surgimento do capitalismo. Qualquer ação
universitária de formação e investigação é destinada para beneficiar a
ideologia em vigor, para manter o sistema internacional e para controlar a
sociedade desde arriba de jeito que fique nas mãos egoístas de quem precisa de
operários dependentes formados para essa forma de escravatura evoluída.
Em alguns países, os sistemas de ensino superior incluem os chamados
“colleges”, centros técnicos aos que acedem aqueles alunos aos quais a
Universidade rechaçou “indiretamente” (1) ou aqueles que vem saídas mais
práticas para a sua formação e futuro laboral. Originariamente seriam de
categoria Pós-Secundária mas não estariam incluídas numa formação superior de
prestígio...ou assim era como inicialmente se originaram, mas os valores e as
capacidades de muitos alunos dos “colleges” chegou a superar amplamente aos
formados nas Universidades convencionais porque estas últimas não desenvolveram
a inovação nem a criatividade. O exemplo está no criador do blackberry, formado
num sistema de ensino tipo “college” ainda que formalmente e legalmente figure
como Universidade de Waterloo (2)
Há mais exemplos de tudo o que estamos a comentar, como por exemplo a
ação dos alunos de Introdução à Economia da Universidade de Harvard que no
passado mês de outubro de 2011 tomaram a decisão de se retirarem massivamente
da cátedra da sua matéria como protesto pelo conteúdo e o enfoque desde o qual
esta se ministrava. Eles criticaram “...a falta de conteúdo inteletual e a
corrução moral e económica de grande parte do mundo académico, cúmplices por ação ou omissão na atual crise
económica”.
O protesto teve como objetivo direto o conhecido economista Gregory Mankiw, ex-assessor do ex-presidente George W. Bush e autor de um dos manuais de macroeconomia mais utilizados nas escolas de Economia dentro e fora dos EUA: "Principles of Economics". Numa carta dirigida ao seu professor optam por abandonarem as aulas em apoio ao movimento “Occupy Wall Street”
Vem se vê que o mundo está revolto, que novos ventos se aproximam. Os
valores e paradigmas que até agora eram válidos estão começando a ver-se
obsoletos e ultrapassados. O sistema universitário formador dos dirigentes e
dos operários não está sendo eficaz nem de utilidade porque forma com
conhecimentos, matérias, práticas, valores, éticas e estéticas contrários ao
bem do planeta e da humanidade. Há metodologias novas que até agora não eram
consideradas mas por outra parte há matérias, conhecimentos, técnicas e
inclusivamente métodos ancestrais que estão sendo recuperados. Está-se pondo em
dúvida o chamado “método científico” tal qual se nos transmite e grandes massas
da população mundial estão optando por metodologias igualmente científicas mas
de mais longo alcance e de maior eficácia ainda que muito vilipendiadas pelo paradigma
tradicional porque põe em questão as mesmas raízes do poder aristocrático
atual.
O materialismo que formou milhões de dirigentes e operários durante mais
de duzentos anos, gerador de sistemas políticos ultrapassados e obsoletos como
o fascismo, o comunismo e o capitalismo está vendo-se substituído por um
acordar global e coletivo da humanidade que tem como valores fundamentais a
sustentabilidade, o ambientalismo, a ancestralidade em muitos casos e a própria
humanidade como sujeito e objeto do progresso, tanto físico, como moral, ético
ou espiritual. O cartesianismo morreu definitivamente tal como nos foi
transmitido e os seus seguidores não têm saída filosófica nenhuma para um mundo
como o que se nos aproxima. Só o acordar das consciências é a chave para o
futuro do ser humano. Neste contexto e atendendo ao tema relacionado com a
universidade, queremos dizer que defendemos a morte das universidades tal como
no-las deram a conhecer e aplaudimos a ideia da “pluriversidade” entendida como
um sistema de matérias e valores formativos e pedagógicos que atendem a imensa
pluralidade de saberes, de conhecimentos, de metodologias destinados à formação
dos indivíduos longe de poderes dominantes e aristocráticos, dirigidos a fazer
da pessoa um todo plural e adaptativo, com conhecimentos modernos e ancestrais,
naturais e artificiais, éticos, estéticos, materiais e espirituais. Esse
sistema de valores necessita uma nova forma de percepção e de expressão. Não tanto
desde uma praxe racionalmente pura quanto desde uma combinação de racionalidade e intuição, de prática lógica mas também analógica.
(1) Oficialmente
nenhuma Universidade vai reconhecer qualquer rechaço de qualquer aluno, mas
essa rejeição é indireta e subtil, bem por razões económicas (quem não tem
dinheiro não entra), bem por outras razões que só aparentemente não atentam
contra a suposta igualdade legal sobre a que se couraça o sistema.
(2) Há que clarificar que Mihail Lazaridis criador e empreendedor que
inventou o blacberry estudou na Universidade de Waterloo (Canadá). Esta nasceu
como “college” em 1955 e foi transformada em universidade em 1959 mas continuou
a funcionar como “college” mesmo quando ele recebeu a sua formação. Só por
razões administrativas e legais aparece como Universidade de Waterloo a
identificação deste centro de estudo mas o sistema de ensino, os objetivos e o
conjunto de elementos formativos são próprios dos “college”.
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