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quarta-feira, 20 de março de 2013

A Língua na Idade Moderna



Por José Manuel Barbosa


-Os séculos Obscuros e os Padres Ilustrados na Galiza


Ao quebrar-se a unidade política galego-portuguesa de época medieval, fazem que as políticas linguísticas em ambos os países sejam diferentes. Em Portugal o centro de gravidade político desloca-se do Norte para o Centro-Sul, enquanto na Galiza se desloca para Castela. Em Portugal a nossa língua faz-se língua nacional enquanto na Galiza fica como fala popular despretigiada por um poder castelhano ao que não lhe interessam as necessidades da Galiza.  Os nossos dous países vão apanhar caminhos diferentes afastados por uma fronteira política artificial, incómoda e indesejável; assim as falas  portuguesas sob a influência substrática moçarábiga enriquecem-se com o contacto com outras línguas e o cultivo literário, mas as falas galegas ficam sem cultivo, empobrecidas e deturpadas pela pressão do castelhano que o vulgariza, desprestigia e desrespeita fechando-lhe a possibilidade de se governar a si próprio e de criar uma literatura que lhe dê flor.
 A variante lusitana, enriquece-se com as profundas renovações do Renascimento e do Humanismo que a fornecem dum vocabulário culto e adequado a novos campos léxicos surgidos das necessidades e inventos do momento histórico, do mesmo jeito do que as outras línguas romances; a variante galega fica ruralizada e reduzida a fala coloquial e familiar na que a única literatura existente que há é de tipo popular e oral. O mundo do agro, dos marinheiros e das profissões tradicionais conserva a sua riqueza mas a modernidade não é capaz de chegar ali onde o castelhano começa a ganhar a posição.
 O castelhano passa-se a ser agora a língua de cultura dos galegos, assim como da administração, agindo de superestrato sobre a fala do país e gerando uma situação de diglossia -neste caso exo-diglossia- que leva a uma série de mudanças na língua dos galegos que ao lado das variações expontâneas da própria fala vai criar uma consciência de dependência e de subordinariedade a respeito do castelhano.
 Ao faltar-lhe o modelo escrito, já que o modelo português fica afastado por razões políticas, a fala dialectaliza-se e castelhaniza-se ao ser utilizado o castelhano como modelo formal.
 Diz-nos Manuel Portas que no léxico só se vai conservar em bom uso o pertencente ao âmbito rústico, rural e marinheiro, mas todo o léxico da administração e do mundo espiritual e/ou intelectual não fica desenvolvido suficientemente, desaparece o existente ou é substituído pelo castelhano (1991:57-63).
Na Fonética vão-se produzir algumas deturpações; umas como consequência da própria evolução da língua sem modelo de correção e outras condicionadas pelo espanhol. Todas elas vão determinar a feição da língua dessa época histórica e de épocas posteriores que hão de vir daí em adiante, mas também na grafia acabam por esquecer-se as formas medievais exceto algumas honrosas exceções., Quando se escreve em galego, faz-se com a ortografia do espanhol que mesmo é decalcada das mudanças que a língua de Castela leva a cabo no século XVIII: Formas gráficas como o uso do B e do V, também do Ç e do Z ao jeito galego-portuguesa histórico que até a altura coincidiam com os usos em espanhol deixam de ser usadas quando a RAE (Real Academia Espanhola da Língua) decide mudar os seus usos no castelhano para a forma atual no ano 1726 ao publicar o “Diccionario de Autoridades”. Grafias como o “Que” “Qui” em palavras como “frequente” “aquífero” são deixadas pelo uso do “cue” “cui” (frecuente, acuifero) quando a própria RAE modifica a ortografia do castelhano em 1815.
Mesmo os usos do acento são decalques das formas que a RAE preceitua para o espanhol esquecendo os que adatam para a língua da Galiza a diferente abertura das vogais na língua do país e afastando os usos escritos do resto da lusofonia/galeguia internacional.
 Da mesma forma do que a maioria das línguas da Europa ficam fixadas por gramáticas, na Galiza os estudiosos, linguistas e escritores que puderam ter preocupações relacionadas com o cultivo e correção da língua não vão passar à história pelas suas inquietações corretoras e de fixar normas, nem sequer em muitos casos por usar a língua do país. A imprensa, recém descoberta, não vai trabalhar para a língua dos galegos e só contamos com um pobre Vocabulário do Bacharel Olea no 1536 para além de contributos dos professores da Universidade de Salamanca Fernán Nuñez e Gonzalo Correas cujo fim não é cultivar a língua, mas estudá-la como quem estuda um raro exemplar de ofídio tropical ou os costumes tribais duma tribo da Nova Guiné.
 A maior parte dos textos redigidos na Galiza são editados em latim ou castelhano enquanto a fala do país, praticamente aliterária e acultural fica ágrafa e dialetalizada, pretensamente inútil para a ciência, a arte, a cultura e a religião. Tudo em favor do castelhano. 
 É a consequência das leis das Cortes de Toledo de 1480 que ordenavam o conhecimento obrigatório do castelhano para obter o título de escrivão. Isto vai fazer quase desaparecer a língua dos galegos dos documentos oficiais que junto com outros condicionantes políticos e económicos faz com que o galego-português da Galiza esmoreça pouco a pouco do ponto de vista da escrita, mas não no oral já que o povo mantém a língua como instrumento de uso normal e habitual. Só uma minoria próxima ao poder político usa e mantém o castelhano como a sua língua embora não possa substrair-se à língua do país na que estão inseridos por razões óbvias.
 É em 1768 quando a Real Cédula de Aranjuez obriga a que no ensino se use o castelhano em toda a Monarquia Católica ou Monarquia Hispânica (1). Esta normativa atinge também à Galiza por ser um reino incluído dentro desta Monarquia mas com muitos obstáculos para se impor porque a maioria da população galega está longe do ensino pela sua condição económica camponesa, marinheira e em qualquer caso popular.
 Pelo contrário, os nobres já castelhanizados de antes podem aceder à instrução e portanto à castelhanização maciça embora a sua inclusão no mundo popular galaico não permita que a língua do país lhes seja totalmente alheia. (Portas:1991:54-63)
 O galego-português desta época é maioritariamente falado embora existam textos escritos, sobretudo no período Barroco, breves poesias ou obras de teatro como o “Entremez famoso sobre a pesca do rio Minho” de Gabriel Feijó de Araújo, ou os cantos natalícios, cantigas de cego, de berço, contos, cantos de trabalho, entrudos, regueifas, etc.
 A castelhanização lexical, ortográfica, morfológico-sintáctica e de estilo começa a fazer a sua aparição mas é durante o século XVIII quando a ilustração começa também a fazer o seu trabalho de crítica e reivindicação. São os Padres Ilustrados  que contestam a situação sócio-económica, política, cultural e linguística do país, a situação de marginalização da língua reivindicando uma autoestima necessária. 

 O Padre Feijó, o Padre Sobreira, o Cura de Friume e o Padre Sarmento são os que empregam os seus esforços em reconhecerem a inalterável unidade linguística galego-portuguesa para além de levar a cabo um trabalho de recolha lexical, de criação poética e reivindicação do ensino na língua do país inestimável. Não se pense com isto que a igreja trabalhava em prol da cultura e da língua do país mas pelo contrário. É esta instituição a que contribuiu com mais força para o uso e introdução do castelhano entre o povo e na documentação, mesmo até ao incumprimento do Concílio de Trento de 1562 no que se tivera acordado a utilização das chamadas línguas vernáculas no seu labor pastoral com o objectivo de que no povo se pudesse perceer melhor a mensagem cristã que até essa altura se vinha fazendo em latim. 
 Comentam-nos os professores Carlos Garrido e Carles Riera (2000:17-39) que a igreja galega desatende isso até o ponto de introduzir graves castelhanismos na fala popular como “iglésia”, “pueblo”, “Dios”, etc..

Texto

Respice finem

Morte cruel, esa tredora mañá
de roubar de non cato a humana vida
con que ollos a podeche ver comprida
na santa Reina que hoxe perde España?

Se aquel rancor que te carcome e laña
che tiña a mao, para matar, erguida,
non deras noutra parte esa ferida
donde non fora a lástima tamaña?

Non se torçera aquel fatal costume
i a lei que iguala do morrer na sorte
os altos Reis cos baixos labradores?

Terrible, en fin, é teu poder, oh, Morte!,
pois diante de ti Reis e señores
son néboa, sobra, póo, son vento e fume.

Pedro Vázquez de Neira. Relación de las Exequias de la Reina Doña
Margarita de Austria. 1611.

Texto

Canto Natalício

Ay se nosso Deus galego se faze
Vamos a cantar à choucinha em que nasce
Ay se sua May é de Compostela
Vamos a cantar formosa galega.

Todo Galeguinho toque churumbela
Que o meninho belo é da nossa terra.
Façamos-lhe todos a dança galega
Que está desnudinho, e chora, e trema.

Pois nasce em Galiza à falda da serra,
Galego se faze, é da nossa terra!

Vilancico do ano 1637editado por Carolina Michaelis de Vasconcelos

 

-Unificação da língua em Portugal



No Portugal do século XVIII o florescimento da língua é real e frutífero; a Academia Real das Ciências, fundada no 1779 pelo Duque de Lafões e o abade Correia da Serra trabalha na afixação da língua com o vocabulário Português-Latino em 10 Volumes e o Dicionário de Morais da Silva.

 O estudo da língua leva-se a cabo por personagens como Duarte Nunes de Leão embora a divagação retórica faz com que os resultados práticos venham com o aparecimento do Vocabulário Português feito por Bluteau, precursor do dicionário de Morais da Silva.

 Os contactos com outras línguas e o tratamento culto do português fazem com que haja um aumento dos latinismos e neologismos assim como um grande acréscimo dos galicismos mercê à hegemonia política e cultural francesa nos séculos XVIII e XIX. No entanto, a entrada de formas holandesas, italianas e das línguas nativas dos povos em contacto com os portugueses também se faz sentir fundamente. 
 O pedantismo da época sustenta um marcado purismo e contribui para a recuperação de arcaísmos quinhentistas até que o critério histórico-comparativo senta as bases da literatura tradicional com o que vem nascer o romantismo.

 Já no século XIX, quando o romantismo é o estilo que marca a estética da época, a força de expressão dos grandes vultos da literatura na nossa língua, como Alexandre Herculano, Almeida Garret ou Camilo Castelo Branco abre passagem ao sentimentalismo e à entrada do léxico francês à moda.

 Posteriormente, o realismo é o seguinte  estilo com o qual começa a literatura portuguesa a chegar aos nossos dias junto com o conceito do português contemporâneo. Antero de Quental, Oliveira Martins e Eça de Queiros –neto de galegos-, são os grandes dos fins do XIX começando o século com grandes personagens da literatura, já não só portuguesa, mas universal, como Teixeira de Pascoães, Sá Carneiro ou o grandíssimo Fernando Pessoa –também neto de galegos-.


 Reunem-se em Coimbra no ano de 1927 em torno à revista “Presença” um grupo de literatos dos que há que salientar um de entre todos, o trasmontano Miguel Torga. Torga é um dos mais grandes literatos portugueses do século XX, vinculado afetivamente às terras da Galiza portuguesa do interior e com os olhos e o coração postos nas terras do Norte. Grandes nomes de autores do XX são Ferreira de Castro, Fernando Namora, Gomes Ferreira, Manuel Ferreira, Vergílio Ferreira e Agustina Bessa e Luís. A literatura na nossa língua vai entrando no tempo e fazendo parte da história da literatura universal segundo vai entrando o século das grandes guerras. Grandes literatos, grandes figuras e lento acordar das letras e das consciências na civilização do mar e do granito.



Texto



Liberdade, onde estás? Quem te demora?

Quem faz que o teu influxo em nós não caia?

Porque (triste de mim!) porque não raia

Já na esfera da Lísia a tua aurora?



Da santa redenção é vinda a hora

A esta parte do mundo, que desmaia.

Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia

Despotismo feroz, que nos devora!



Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,

Oculta o pátrio amor, torce a vontade,

E em fingir, por temor, empenha estudo.



Movam nossos grilhões tua piedade;

Nosso númen tu és, e glória, e tudo,

Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!



                                               Rimas. Manuel Maria Hedois Barbosa du Bocage. S. XVIII







Texto



Este inferno de amar –como eu amo!

Quem mo pôs aqui n’alma...Quem foi?

Esta chama que alenta e consome,

Que é a vida –e que a vida destrói-

Como é que se veio a atear,

Quando –ai quando se há-de ela apagar?



Eu não sei, não me lembra; o passado,

A outra vida que dantes vivi

Era um sonho talvez... –foi um sonho-

Em que paz tão serena a dormi!

Oh! que doce era aquele sonhar...

Quem me veio, ai de mim! Despertar?



Só me lembra que um dia formoso

Eu passei...dava o sol tanta luz!

E os meus olhos, que vagos giravam,

Em seus olhos ardentes os pus.

Que fez ela? Eu que fiz? –Não no sei;

Mas nessa hora a viver comecei...



Folhas caidas. João Baptista da Silva Leitão de  Almeida Garret. (1853)





Texto



Terra da minha infância,

Tecto de meus maiores,

Meu breve jardinzinho,

Minhas pendidas flores,



Harmonioso e santo

Sino do presbitério,

Cruzeiro venerando

Do humilde cemitério,

Onde os avós dormiram,

E dormirão os pais:

Onde eu talvez não durma,

Nem reze, talvez, mais,



Eu vos saúdo! E o longo

Suspiro amargurado

Vos mando. É quanto pode

Mandar pobre soldado.



Sobre as cavadas ondas

Dos mares procelosos,

Por vós já fiz soar

Meus cantos dolorosos.



Porque em meu sangue ardia

A febre da saudade,

Febre que só minora

Sopro de tempestade;



Mas que se irrita, e dura

Quando é tranquilo o mar;

Quando da pátria o céu

Céu puro vem lembrar;

Quando, no extremo ocaso,

A nuvem vaporosa,

À frouxa luz da tarde,

Na cor imita a rosa;



O soldado. Alexandre Herculano. (1832)





Texto

                                Mar Português



Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!



Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.



Mensagem. Fernando Pessoa



Referências:

(1)  Monarquia Católica ou Monarquia Hispânica é nome oficial do ente político-administrativo que os livros de História denominam com o nome incorreto de Reino da Espanha, Império Espanhol, Coroa de Espanha ou simplesmente Espanha



http://israelmv.wordpress.com/tag/seculos-escuros/


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