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sábado, 30 de março de 2013

Aluga-se: Museu Arqueológico de Ourense


Por Carolina Hortsman

Não há nada com mais fascínio do que examinar como a memória regressa; para alguns, um cheiro é o detonante, para outros, a linha do rosto, a cor de um objeto ou ainda mais, uma palavra que há de fazer surgir inúmeros pequenos instantes que hão de confirmar o conjunto da memória” Brousseau 1991

Aproveitando os dias de carnaval, quisemos agasalhar uns amigos que visitavam Galiza pela primeira vez com um interessante percurso pelos lugares mais antigos e significativos de Ourense. Foi chegar a São Pedro de Rochas, e os nossos queridos visitantes deram-se conta de algo curioso que a nós parece ter-nos “vacinados” contra este tipo de horrores. Puderam comprovar, ao quererem fotografar a rocha fundacional deste mosteiro, datada em 611 da era Hispânica (equivalente a 573 da Era cristã) que esta estava custodiada no Museu Arqueológico Provincial de Ourense e no seu lugar acharam uma maravilhosa fotografia a cores reproduzindo o objeto tão desejado

Deslocamo-nos até a cidade para eles poderem comprovar o que lhes estávamos a contar no caminho e que repete toda Oficina de Turismo: “ El Museo lleva cerrado más de 10 años, por lo menos en 4 años más no abrirá sus puertas”. A pedra levava já muitos anos repousando na cave-armazém do Instituto Santa Maria de Europa, sem acesso aos visitantes.

Entre a Fantasia e a Realidade

Estes últimos dous anos, perguntando a pessoas próximas ao mundo da arte, a responsáveis de oficinas de turismo e a transeuntes despistados, conseguimos recolher as mais interessantes respostas dos cidadãos perante tamanho e tão lamentável encerro: desde que 'um homem vive aí apetrechado com as obrs de arte' vivendo numa constante êxtase por desfrutar do saber de tanta beleza (quase com um mal de Stendhal às costas); até que têm achado mais e mais vestígios ao irem escavando, o que demoraria a abertura em, pelo menos mais 7 anos.
Lendas urbanas? Quem sabe...O mais triste do assunto é que a gente deixou de pôr em questão às suas autoridades que levaram a isto, deixaram de procurar respostas.
Tantos anos sem acesso à própria cultura deixam a gente sem necessidade de acharmos respostas, totalmente à deriva, permeáveis perante qualquer cultura de fora. Sabemos que o contato direto com o património impulsiona o sentimento de pertença a um povo, afiança e estimula a consciência e a identidade com o território e o povo em que se vive; cria, em definitiva, uma total integração com o contorno e a sua cultura. A cidade de Ourense leva mais de 10 anos sem ter acesso ao seu património, à totalidade dos tesouros da sua região ourensana, à maravilha da sua história. Teve que conhecê-la e bebê-la como um conta gotas, saboreando só uma obra exposta por mês num blogue pendurado da net. Como se fosse um grande presente que devêramos agradecer a tão magnânima mão amiga que achega isso 'pelo bem dos cidadãos', fazendo-nos pensar que tudo é normalidade e livre acesso a esse património tão valioso.
Poderíamos tentar compreender e empatizar com os acontecimentos reais que nos levaram a nos acharmos nesse ponto 'zero', nesse momento de 'animação suspensa' do património ourensano...mas 10 anos (na realidade mais de dez!) falam por si sós.

Se tivéssemos que compará-lo com algum outro Museu em dificuldades, vem-se-me à cabeça automaticamente o desastre ocorrido em Bagdá em 2003, momento em que o Museu foi atacado e saqueado ainda quando meses antes da invasão do Iraque se pedira resguardo e proteção especial deste às tropas dos EUA. Talvez o que muitos não sabem é que este museu foi durante muitos anos “o cofre do tesouro privado de Saddam Hussein” e se manteve fechado desde o ano 1991 até o ano 2000, podendo unicamente ser visitado pelo seu círculo de amigos próximo, proibindo o acesso ao público.
Ainda com todas as dificuldades, os destroços, saques e a metade das salas fechadas abriram as suas portas ao público em 2009, só 6 anos depois de tamanha destruição, sabendo que a história patrimonial é a força para o ressurgir dum povo, tendo total consciência de que não se pode abalizar a destruição cultural.

O acontecer em Ourense...

O modelo de organização compartilhada por duas administrações, não só demonstra um fracasso do ponto de vista da gestão, mas também um desinteresse total por levar a bom porto esta longa agonia patrimonial. Em definitiva, uma negligência de proporções maiúsculas. Por um lado a Administração Central desconhece a realidade ourensana completamente e envia os dinheiros e o pessoal ao edifício de Santa Maria de Europa (A Carvalheira) que basicamente funciona como uma cave-armazém sendo em origem um Liceu de formação profissional. Por outro lado a “Xunta” que não é capaz de gerir de maneira adequada as instalações, supostamente, por uma incapacidade de gerar acordos com a entidade titular... estando pelo meio a Deputação Provincial...Durante estes 10 anos realizaram-se escavações arqueológicas, implementou-se uma sala de exposições (pequena, para todo o património que detenta o Museu) e manteve-se na tabela também 'a peça do mês'. Olha, que também não afirmamos que ficaram de braços cruzados sem fazerem nada, simplesmente, fazer notar que os esforços são poucos, estão mal focados ou mal direcionados ou simplesmente, não há boa vontade para promocionar e pôr em valor o nosso património. As notas impressas às que pode aceder qualquer pessoa que procure alguma informação fazem referência a que estaria 'fechado por obras de reabilitação e ampliação'. Quando o cidadão comum vai ter acesso real ao interior do Museu para comprovar por si próprio esses avanços?
Faz poucos dias, percorrendo os arredores, pudemos comprovar com assombro as deploráveis condições em que estava o edifício (antigo Palácio Episcopal e anteriormente Palácio Real Suevo...e antes Pretório Romano). Achamos os seus muros riscados com graffitti, grande parte das janelas quebradas, sujidade no contorno que rodeia o edifício e dentro da sala expositora dos miliários que dá à rua cheia de folhas secas, terra, lama seca e excrementos. São algumas das amostras que tão insigne edifício apresenta ao cidadão ourensano e visitante. As perguntas, fazem-se evidentes: Que é o que acontece realmente no Museu de Ourense? A que é que se deve a sua tão deteriorada façada? O interior está nas mesmas condições? Quem guarda pela exposição dos miliários na sala visivelmente suja, com uma estética totalmente deteriorada (um deles deitado no chão escondido atrás dum pilar)? Talvez a câmara de segurança dirigida para eles e a entrada de acesso a uma ala do Museu está ativa? Se o Museu leva fechado mais de 10 anos, continua a funcionar o sistema de segurança? Está obsoleto? Ou é simplesmente um 'automatic doorman'?



O Buraco negro de objetos patrimoniais

Como relatávamos no começo, ao comentarmos sobre a pedra fundacional de São Pedro de Rochas (porque nos guias em galego sempre põe 'Rocas'?), toda obra importante, única e sem precedentes parece cair nas mãos fantasmais da cave-armazém -não podemos chamar-lhe de outra forma-, onde vão parar as peças do Museu Arqueológico de Ourense, que é o edifício da Santa Maria de Europa no bairro da Carvalheira. Ficamos condenados a ver uma e outra vez gigantografias a cor ou reproduções de duvidosa qualidade, enquanto os originais passam a fazer parte das listagens sob o lema: “Original: Museu Arqueolóxico de Ourense”. Como tantas outras peças de incalculável valor que deveriam estar expostas, em contato com o público e bem cuidadas.

Não há dinheiro para o Museu, mas pode-se andar pelos cantos de Europa fazendo promoção do “Paraíso Termal”, esbanjando grandes quantidades de dinheiro, deixando a um lado a cultura que se poderia promocinar a esse turista, duma cidade com tanta história como é Ourense. O turista atual não só vem remolhar o corpo nas águas quentes mas é um grande curioso por conhecer história e arte, um verdadeiro investigador que tenta submergir-se no quotidiano das ruas, na gastronomia, na língua das gentes que habitam estes cantos da Europa...assim como a história e o seu passado.
Gastam-se esforços e dinheiro num completo e também, porque não dizê-lo, necessário trabalho arqueológico das Burgas (remodelação de edifícios incluídos), com dous mil metros quadrados onde nos apresentam como a “peça estrela” uma piscina romana, mas não atendem as necessidades arqueológicas culturais e históricas anteriores a Roma. Talvez é que antes da chegada dos romanos não havia cultura aqui? Não havia culto às águas? Não havia religião? Não havia crenças? Não eram os nossos antepassados?
Por parte da “Xunta” também não há dinheiro para atender o Museu mas gastam milhões de euros na construção duma cidade da Cultura (ainda sem terminar) no monte Gaiães em Santiago de Compostela, de duvidosa utilidade e de duvidosa imparcialidade política (a Avenida principal chama-se 'Manuel Fraga')
Tudo isto faz-me lembrar uma citação de Philip Shepherd que dizia “Se estiveres dividido do teu corpo, também estarás dividido do corpo do mundo, que portanto aparece como outro distinto de ti, ou separado de ti, em vez de viver um 'continuum' ao que pertences”. Enquanto, a cidade e os seus habitantes vão continuar aguardando 'qualquer forma de milagre' que abra essas portas que os separam de toda a magia e a grandeza que viveu na antiguidade. Talvez possamos dar-nos conta aos pouquinhos de que o Museu não só tragou os objetos como se dum buraco negro se tratasse, mas também as nossas cabeças...


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