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sábado, 15 de junho de 2013

O Rato Rabisaco no cartafol da lua cheia




Por Carlos Solha:
A revista National Geographic, no seu número de maio de 2013, inclui um inspirador artigo intitulado “As caras da Lua”. Jeremy Berlin, redactor de NG, oferece-nos um breve percurso por diversas culturas e tradições, sintetizando aquilo que a humanidade vê bosquejado nas “sombras” faciais da lua cheia. Os científicos -uns estragafestas- atalham qualquer elucubrações denominando a superfície escura “mares lunares”, uma vasta extensão de planalto deprimido.

            Ao artigo bem lhe camparia o título “As caras da cara da Lua”, pois, como é sabido e por causa da sua síncrona rotação com a Terra, o nosso satélite sempre nos mostra a mesma face. A Lua emprega o mesmo tempo em girar sobre si do que em completar a sua viagem orbital derredor do nosso planeta (case 28 dias).

A Lua mantém a outra face oculta aos olhos da humanidade, sejam quais forem as coordenadas terrestres desde onde a observemos. Portanto, a dama da noite engaiola-nos, conturba-nos, possui-nos, inspira-nos, abala-nos e devala-nos, despregando só a metade do seu poder de encantamento.

Ainda que todos os humanos partilhamos a mesma fasquia lunar, com a ajuda dum telescópio darmo-nos-emos conta de que os habitantes do hemisfério norte enxergamos no hemisfério sul lunar, por exemplo, a rechamante cicatriz do astroblema Tycho, uma das crateras mais características da orografia selenita, batizada na honra do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601). Contrariamente, os terrícolas do hemisfério sul percebem o mesmo acidente orográfico no hemisfério norte do astro vizinho.

Desde a teogonia greco-latina até o monólito alienígena do tandem Arthur C. Clarke-Stanley Kubrick para 2001: A Space Odyssey (1968), a Lua, e de jeito especial a lua cheia, tem sido manancial inesgotável de mitos e lendas. Cumpre acrescentar que boa parte da humanidade, a mesma que diz observar tal ou qual cousa impressa no pergaminho lunar, desconhece (ou põe em dúvida) que o 20 de julho de 1969 o homem pus pela primeira vez o pé naqueles ermos poeirentos.    

Lemos em National Geographic que, para muitos povos europeus, os nodos lunares representam um velhote carrejando ao lombo um feixe de lenha. Segundo a tradição judeu-cristã, a sua angueira –como a de Sísifo- não tem acoubo, já que, por incumprimento do preceito do descanso dominical (ou do sabbat), Deus o condenou a trabalhar eternamente.

Na Índia acredita-se em que a pegada da deusa Astangi Mata (denominação indiana da nossa Moura) fica salientada naquela agrisalhada epiderme. Mãe de dous gémeos, a deusa enviou-os ao céu, transfigurando-os no Sol e na Lua. Astangi Mata, despediu-se agarimosamente da pequena Chanda –a Lua– e, ao lhe acarinhar as bochechas, deixou gravadas as mãos no rosto da sua filha.

Os estadunidenses alviscam os traços essenciais do rosto dum homem o homem da Lua: olhos, nariz e boca.

Desde o arquipélago das Havaí enxergam uma mulher –Hina– que tece para os deuses, confecionando as teias com a cortiça dum baniano, árvore sagrada. “Mahina” significa “lua” em havaiano.

Os neozelandeses achegam o relato de Rona, uma mulher que ousou ultrajar a Lua. O astro, como castigo, recluiu-a no seu orbe a perpetuidade.

No longínquo Oriente acreditam num coelho de longas orelhas. Para os japoneses, o coelho moe arroz num almofariz para, com a farinha, cozinhar umas saborosas tortas. Em China e Coreia, o coelho elabora numa marmita o elixir da imortalidade. Este animalzinho também está presente no imaginário das culturas centro-americanas.

Já que todo depende dos olhos com que se olhe, o grande número de interpretações é interminável. Contudo, em esta aluarada galeria não pode faltar a proposta galega e, concretamente, a visão que do assunto temos os indígenas de Terra de Montes.

Nas aldeias da revolta do Seixo, os naturais contam do vínculo existente entre o Rato Rabisaco, roedor endémico da peneda do Castro Grande ou Outeiro do Castro, e o plenilúnio. Do rato ao coelho não há muito treito.

O Castro Grande é um prominente afloramento granítico que abrange umas 2 ha de superfície, chegando aos 919 m de altitude (Coordenadas SixPack: 42º 29’ 25’’ N - 8º 23’ 7’’ W). A rocheda do Castro Grande finca a estrema dos concelhos de Cerdedo e Forcarei.

Na sua aba de levante, O Castro apresenta uma rocha de forte pendente, sucada ao meio por uma fenda em ziguezague. Esta ladeira nomeia-se de “rotadoiro” ou “rastenha” e os cativos de outrora usavam-na como balouço, escorregando outeiro abaixo. Os rilhotes amorteciam a queda protegendo o seu traseiro com uma mola. Na parte central, abre-se um buraco por onde se diz que, em noites de lua cheia, contra á meia-noite, se debruça o fugidio Rabisaco.


Assim o recolhi no lugar da Cavadosa, em Avelaindo, em Meilide... Quando a Lua loze completa no firmamento, o lueiro espile o letargo deste pequecho e rebuldeiro animal.


Cumpre não confundir o “Rato Rabisaco”, identificável com um rato-lírio ou leirão (Glis glis), com o “Rabisaco”, mamífero carniceiro (Genetta genetta), também conhecido por “Algaria” ou “Rabilongo”. Ambas as criaturas estarricam um longo e peludo apêndice caudal que serve para denominá-los. A cor gris da pelugem do rato e o seu pequeno tamanho contrastam com o maior porte e a pelame apigarada da algaria.

Portanto, nas noites de luar, o Rabisaco abandona o tobo e rebole pela rastenha aos choutos. De tal maneira que, o derradeiro pincho lhe vale para conseguir a lua e nela se nos representa. Para o entendimento dos aldeãos, o rato, esfomeado, pega no queixo que, evidente, se exibe na alçadeira da noite. Já com a lambetada nas poutas, não demora passá-la pelo dente até fazê-la desaparecer. Como bem se compreende, o Rabisaco é o causante da míngua da lua.

Também se diz que, calhando com o luar pleno, todo aquele que tresnoite ao pé do Castro Grande acabará sendo testemunha do reloucar do Rabisaco. Se tal cousa acontecer, a boa sorte achegar-se-á ás sentinelas como a pez. Por se interessar, na lua cheia volverá espelhar o seu mágico reflexo nas chagorças do alto Seixo.

O rato Rabisaco não é, em aquele território, o único ser mítico relacionado com a lua e o seu devir. Na aldeia cerdedense de Carvalhás e nas forcareicenses de Presqueiras, Cernadelo e Ratel contaram-me do longo sonho dum gigante, conhecido pelo Homem da Leghua, que ao acordar axota a maiola esticando os braços. O mangalhão, com a ponta dos dedos, amostra a lua, propiciando o seu devalo. A dormida do Homem da Leghua prolonga-se durante um mês.

Perto do lugar de Carvalhás, localiza-se o Outeiro das Luas Novas, uma moreia de cachote proveniente dos estragos causados na lua pelo gigante Foupeiro. Tenham por seguro que as andanças do Homem da Leghua dão para outro artigo. De as enristarem, os leitores serão afortunados com a primícia.

Todos estes relatos falam-nos da relevância que o nosso satélite teve, e ainda tem, para as comunidades labregas, sempre atentas ás evoluções do astro para dar começo á sementeira, proceder á esterqueira, á decota, á matança, á salgadura..., mesmo para cortar unhas, cabelos e barbas; reminiscência de quando o tempo, em ausência de almanaques, se media somando luadas e primaveras.


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