Por José Manuel Barbosa
Não vos assusteis. A
minha intenção não é plagiar ao Isidorus Hispalensis, nem também
não é fazer um livro do tamanho dum incunábulo onde apareça todo
o conhecimento existente. Tenho de reconhecer as minhas limitações no que diz respeito de tamanha
façanha... Simplesmente quero com este artigo fazer chegar ao leitor
ou pelo menos ajudá-lo a que tenha uma certa intuição a respeito
da importância da etimologia no estudo da língua e no
reconhecimento das formas que compõem o corpo léxical da mesma....
essa que chamamos galego mas que pelo mundo é conhecida e
reconhecida com o nome de português.
Muito tenho ouvido por aí
a frase tão sovada de que “o galego, como o castelhano, são
escritos como se falam”. Não sei se muita gente tem consciência de
que a língua é fundamentalmente oral e representarmos algo que entra
pelos ouvidos de forma que também entre pelos olhos é total e absolutamente
convencional. Lembremos que a escritura cuneiforme dos assírios, os hieróglifos dos antigos egípcios e os logogramas chineses também
representam de forma visual a fala das pessoas e nada tem a ver a
imagem sonora com a visual... Com os logogramas chineses podem se
comunicarem muitos utentes que pela fala nunca seriam capazes de se
entenderem por causa da diversidade do que chamamos chinês, que em
realidade são uns treze idiomas diferentes. Todos eles
compreensíveis entre si pela escrita mas em muitos casos
ininteligíveis pela fala.
Dentro do nosso mundo de
grafia latina também há diferenças entre as diversas línguas da
Europa. Em inglês o “Whom” reproduziriam-no os castelhanos como
“Jum” e nós poderíamos grafá-lo “Ghum”... Um ocitano que
escreve “Chu” vê essa palavra deformada se a reproduzirmos como
fazem os francofonos em “Tchou” e a forma castelhana “cincuenta”
seria grafada por um anglo-parlante como “thinkwenta”...
Vemos, portanto que as
grafias são convencionais e mesmo poderíamos usar quaisquer delas.
As línguas poderiam estar representadas em cirílico, em grafia
grega demótica, com as letras árabes.... -como se representava o
aragonês medieval que recebia o nome de Al-Khamiado-, e nunca
deixariam de ser as línguas que identificamos perfeitamente
pronunciando-se da mesma forma.
Texto em castelhano al-khamiado (com grafia árabe) do Mancebo de Arévalo. S. XVI |
Centremos mais o tema.
Vamos nos centrarmos nesta nossa língua que a maior parte da gente
na Galiza denomina de galego mas que qualquer pessoa de qualquer país
do mundo que nos escute falar, imediatamente a identifica como uma forma de português.
Neste caso poderíamos
representar a nossa fala igualmente com qualquer grafia: chinesa,
arménia, hebraica ou até com o alfabeto fenício se fosse a nossa
vontade mas qualquer linguista sabe que o romanço
hespérico-ocidental é uma língua neolatina e portanto, por origem,
tradição histórica e evolução da língua deve escrever-se com
ortografia latina. Dentro do conjunto das línguas que se escrevem
com ortografia latina incluímos a maior parte das línguas da
Europa: as línguas germânicas, as latinas propriamente ditas
(durante uma época o moldavo, variante do romeno escrevia-se com o
alfabeto cirílico russo...), as bálticas, algumas línguas eslavas,
as célticas, o húngaro, finlandês, basco, etc...
Em verde países onde se usa o alfabeto latino. o verde mais claro usa-se juntamente com outros alfabetos como o árabe no caso dos países africanos e o devánagari na Índia e Paquistão. |
Todas elas foram de uma
forma ou de outra herdeiras da cultura surgida do Império Romano e
todas elas participaram do cristianismo, católico ou protestante,
surgido em todo o caso dentro dos âmbitos políticos, territoriais,
legais e filosóficos da Roma imperial. Evidentemente de todas essas
famílias linguísticas, aquela da qual fazemos parte de forma direta
é a latina e dentro das línguas latinas o nosso âmbito é o
hespérico ou hispânico onde originariamente e segundo acreditamos
havia dous blocos no norte cristão medieval: Um ocidental
conformando as falas do Gallaeciense Regnum, quer dizer o galaico, em
palavras de Rodrigues Lapa, protogalaico, em palavras de Carvalho Calero ou língua galaico-asturiana segundo Eugeniu Coșeriu; e um hespérico
oriental que abrangia territórios linguísticos citeriores (de
Hispânia Citerior) em relação parental estreita com o romanço
gaulês. Das falas galaicas surgem duas polas segundo nos diz
Carvalho Calero: o galaico ocidental ou galego-português e o galaico
oriental ou asturo-leonês. Nós pertencemos ao galaico ocidental
entanto o castelhano está incluído no segundo, no galaico oriental,
sendo a variante mais extrema pelo Leste em contato com as falas
basconças. Se a identidade da nossa língua é galego-portuguesa
deve portanto incluir-se formalmente nesse contexto estético mas as
políticas linguísticas das últimas décadas manifestaram uma
forte vontade política de incluí-la, forçando a sua história, dentro do
galaico-oriental ou asturo-leonês seguindo a estética conformada
pela sua variante mais oriental: o castelhano.
Mapa linguístico da Península Ibérica no século X |
Como as línguas não
podem deixar de ser quem são, igual do que as pessoas, a estética
castelhana e galaica-oriental não faz justiça com a nossa língua
do ponto de visto gráfico e etimológico como não faria justiça
vendo um oriental tocando a gaita galega ou um esquimó num contexto
africano... Vejamos alguns exemplos tirados das palestras que o nosso
amigo Carlos Garrido ministrava quando organizávamos os cursos de
língua lá pelos anos 80 e 90.
Entremos naquelas matérias nas que a etimologia é fundamental para saber, perceber o compreender a relação entre significante e significado. Entremos no mundo da física...por entrar em qualquer campo científico e léxico que nos vá servir de exemplo:
Entremos naquelas matérias nas que a etimologia é fundamental para saber, perceber o compreender a relação entre significante e significado. Entremos no mundo da física...por entrar em qualquer campo científico e léxico que nos vá servir de exemplo:
Segundo os critérios de
uso da estética galaica-oriental, astur-leonesa ou castelhanizante a
palavra que designa o elemento químico de símbolo O, número
atómico 8 (por ter 8 prótons e 8 elétrons) como massa atómica 16
u. Na sua forma molecular, O2, é um gás a temperatura
ambiente, incolor (azul em estado líquido), sólido, insípido,
inodoro, comburente,, não combustível e pouco solúvel em água.
Representa aproximadamente 20% da composição da atmosfera
terrestre. É um dos elementos mais importantes da química orgânica,
participando de maneira relevante no ciclo energético dos seres
vivos, sendo essencial na respiração celular dos organismos
aeróbicos. Esse é o que no português padrão é denominado com o
nome de OXIGÊNIO. A sua etimologia cunhada em 1778 por A.Lavoisier leva-nos a observar como está escrito, composto por “OXI-”
(sufixo relacionado com os ácidos) e “-GÊNIO” (de GENOS:
origem) e pelo qual deduzimos o seu significado: “Aquilo que produz
ácidos”.[oxy- ὀξύς gr. 'ácido' + gen- γεν-
gr. cient. 'que origina' ]
Vejamos por outra parte o
que aconteceria se usamos a terminologia que nos propõe a RAG:
OSIXENO. Vemos igualmente que está composto por “OSI-” (não
OXI-) e por “XENOS” (não GENOS). O prefixo OSI usa-se para
nomear os açúcares e XENOS é uma palavra de origem grego que
significa “estrangeiro”, “de fora”... Portanto OSIXENO
significa “Açúcar de fora” ou “Açúcar estrangeiro”. Como
vemos, nada a ver com o que quer significar numa linguagem científica
e técnica inutilizando o uso da nossa língua para usos de alto
nível científico.
O que em português
padrão denominamos EXOGENO, quer dizer, EXO+ GENOS (originado no
exterior). [éxo ἔξω gr. 'por fora' + -gen(e)- -γενής gr.
'originado em' + -o/-a], na norma RAG passa-se a ser ESÓXENO, de
ESO+XENO (Estrangeiro de dentro). Isto é um significado que não tem
sentido.. Simplesmente a esta palavra escrita é um conjunto de letras que
reproduzem um som sem significado real
Contrariamente a forma
“ENDOGENO” que etimologicamente significa “nascido na casa”
ou “originado dentro” do grego ἐνδογενής [endo- ἐνδο-
gr. 'dentro' + -gen(e)- -γενής gr. 'originado em' + -o/a]
passa-se a ENDOXENO. Os gregos denominavam ἐνδογενής
(endoguenés) os escravos nascidos dentro do âmbito familiar mas De Candolle em 1813 deu-lhe um significado que tinha a ver com a
botânica referido ao crescimento do tronco duma planta. Se a palavra
a transcrevemos segundo a moda RAG dá-nos ENDOXENO com um
significado absurdo: “estrangeiro da casa” ou “forasteiro de
dentro” [endo- ἐνδο- gr. 'dentro' + -xeno- gr.ξένος gr.
'estranho, forasteiro' + -o/-a']
Mais cousas:
A dependência do
galaico-oriental na sua versão castelhana é tão cega que mesmo se
incluem formas léxicas que resultariam quase palavrões de péssimo
gosto se fossem escolhidas para outra língua que cuidasse a sua
dignidade. Tais são os casos de “EMOTICONA”, “ICONA”,
“SILICONA”, ou “CONO”. Evidentemente em castelhano não são
mal soantes: “EMOTICONO”, “ICONO”, “SILICONA” ou “CONO”
nem também não são no padrão português: “EMOTICON”, “ÍCONE”,
“SILICONE” ou “CONE”
Como muitas vezes nos tem
comentado o Professor Doutor Carlos Garrido, formas como COBRA também estão tocadas pelo absurdo e a incoerência linguística.
Originariamente esta palavra é galego-portuguesa designando todo
tipo de ofídios, proveniente da palavra latina “COLUBRA” que em
castelhano origina a forma “Culebra”. Foram os portugueses nas
suas navegações que chegaram a África e ao Sul da Ásia onde
conheceram um grupo especial de serpentes com um capuz na cabeça o qual
abrem quando estão irritadas ou em perigo. A esse grupo de répteis
denominaram-nos de “Cobra-de-Capelo”* (Capelo é o capuz que usam
os frades) devido à prolongação das suas costelas por baixo da
cabeça que lhes dá um aspeto mais ameaçador. O nome que foi dado
pelos portugueses a estas serpes serviu de empréstimo para um
importante número de línguas, entre elas o castelhano... Neste caso
os responsáveis de lhe darem um nome desde um escritório a este
grupo de répteis optaram por rechaçar a solução portuguesa, que
seria perfeitamente válida por ser COBRA e CAPELO formas lexicais
existentes na Galiza e optaram pela forma “COBRA DA ÍNDIA... mas
o mau dos inventos de laboratório é que nunca acertam, por isso
quem quiser falar das cobras da índia em Zimbabué teria dificuldade
para clarificar se estes foram serpes de origem indiano deslocados até
o Sul da África ou é que esse país africano é uma colónia da
União Indiana onde colonizaram com fauna alótona....
...e poderíamos continuar....
* A solução indo-ariana existente nas
línguas indianas é o de Naja ou Naga, cognato do Snake inglês ou
do Germânico antigo Sneka originado no proto-indoeuropeu Snego.
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