Por José Manuel Barbosa
Chegamos
a Quéguas passadas as 11:00 da manhã. O dia era claro e fazia
calor. Isso permitia a caminhada pela monte. Deixamos o carro num
pequeno aparcamento natural adequado para este tipo de cousas e
começamos a andar por um caminho que nos levou a uma subida cheia de
tojos, urzes, carquejas e monte baixo. Em breves minutos pudemos
visualizar o amplo planalto de Anumão onde rebanhos de vacas do País
pastavam tranquilas ao sol. Igualmente ao longe pudemos visualizar
várias manadas de garranos com os seus poldrinhos recém nascidos
que nos contemplavam entre curiosos, respeitando ao sempre
imprevisível ser humano e cuidadosos de não se afastarem muito das
suas mães.
Rebanhos de vacas e manadas de garranos observavam cautelosos as nossas andanças |
Os
nossos amigos: Marta e Cristian abriam o caminho como guias nativos
que eram. A companhia era perfeita. A sua amabilidade e afeto fez-se
sentir sempre e em todo momento, mesmo quando chegamos à Anta
conhecida como a Casinha da Moura ou Anta de Anumão onde nos
ofereceram um delicioso leite frito elaborado pela própria Marta e
aguardente de bagaço que nos ajudou a recompor-nos, à vez que
descansávamos após uns quilómetros de caminho. Sentamo-nos.
Comimos algo de fruta e gravamos algo no nosso telemóvel sobre o
lugar no que estávamos.
A poucos metros duas grandes aflorações de
seixo da altura duma mesa de cozinha chamaram a nossa atenção.
Sempre é que perto de monumentos megalíticos que temos visitado há
uma grande quantidade de quartzo mas nunca tínhamos visto rochas
deste material tão grandes como aquelas... A vários quilómetros em direção Norte pudemos ver
no horizonte a construção natural e granítica conhecida com o nome
de Pedras de Anumão, Anamão ou simplesmente Numão como é que
aparece escrito na estrada que vai entre a fronteira da Ameixoeira e
Castro Leboreiro.
A Casinha da Moura, uma anta conservada muito bem. Ao fundo a deusa deitada e fazendo-se ver. |
Estas
pedras são umas construções rochosas que desde a anta semelham uma
mulher deitada na que podemos distinguir os seus peitos, a sua
barriga de mulher grávida e se nos achegarmos, mesmo poderíamos
imaginar o resto do corpo deitado...
O
nosso objetivo era chegarmos até essa figura de moura deitada, a
velha moura de nome Anumão cuja casinha, a Casinha da Moura, era a
anta desde a que gravamos umas palavras nos nossos telemóveis para
fazermos a ligação necessária com outro construto similar em
Duhallow, no Sul da Ilha de Irlanda. É este o chamado “The Paps of
Anu” ou “The tits of Anu”, quer dizer, As Tetas de Anu (ou Ana,
ou Dana), a deusa terra que nos acolhe, nos nutre e nos dá vida. A
Anu Geresiana era aquela que estávamos a contemplar nesse momento
desde o planalto raioto próximo à aldeia entrimenha de Quéguas. A
Mãe Ana/Anu/Danu/Dana que constrói os nomes de
Anumão/Anamão/Numão, todos eles registados por nós, nos lugares de
Entrimo, Guginde, Bouça d'Agro (ou Bouzadrago que é como figura
deturpado nos indicativos), A Ameixoeira, O Ribeiro e Castro
Leboreiro, sendo os três primeiros da região de Ourense dentro do
Concelho querquerno de Entrimo e os três últimos dependentes do
Concelho Minhoto de Melgaço.
Nós com a nossa amiga Marta que nos fez de guia na nossa expedição. Ao fundo o peito de Anu onde há um ponto alto de observaçao desde onde se visualiza todo o nosso trajeto. Foram 10 km... |
Comentamos
com o nosso amigo o Doutor Higino Martins o significado do nome
Anumão/Anamão/Numão e dizia-nos o seguinte:
“DANU
foi explicada, bem a meu ver, como fruto do céltico *DEWA ANU "a
deusa Anu" (E, primeiro A e U longos) ao passar ao gaélico. Por
sua vez, o ant. ANU, g. ANONOS (U longo), segundo os textos mais
antigos, era a mãe dos deuses (Túatha Dé Danann "povos da
Deusa Danu", com novo acréscimo de DEWA-DÉ.
É
mais que a Terra Mãe que é a Deusa única polivalente. Talvez
abstração da teologia druídica, o princípio mesmo. Portanto
equivalente da védica Áditi, cujo nome significa "infinita".
Seguindo o fio quadra propor que ANU, ANONOS se analisa AN- prefixo
negativo e ON- um dos temas indo-europeus para "ano", id
est, "ciclo temporal"; logo "sem fim, eterna".
Numão
é
mais interessante, pelo enigma, mas não adianto. Se a pronúncia de
Entrimo é boa, deveria grafar-se (A)NAMÃ. Está perto das Rias
Baixas, que confundem irmão
e
irmã
na
pronúncia de vogal nasalada sem ditongo. A prótese do A- iria no
mesmo sentido, se é o artigo feminino apegado. Supondo o rumo ser
certo, teríamos "A NAMÃ" deste lado da raia. Numão
logo
seria topo-onomástica oficial portuguesa alterada por funcionários
centrais. Continuemos nas trevas; se não imos também não temos
nada. Fica o enigma da primeira vogal: U ou A? Só podem acordar num
O: NOMÃ, que seria híbrido celto-romano, *NOMANA, híbrido pela
desinência latina -ANA. Não posso ver mais. NOM- pudera ser da raiz
*nem-,
que envolve noções relativas à hospitalidade.
Bom,
agora vejo que a raiz envolvida será *nei-
"brilhar" (Pokorny 760), que no céltico dera *NEMA
"brilho; beleza" (E e A longos), donde gaél. niam
"id.",
e *NEMIS "brilhante, belo" (E longo), donde néim
e o
nosso monte Neme,
de
Bergantinhos (lembra a pág 103 d'As Tribos Calaicas). Nesta luz
parece-me mais provável o étimo ser *NEMANA (E e primeiro A
longos), híbrido sim, de NEMA subst., aqui adjetivado com a
desinência latina, logo nos mil anos de bilinguismo, e significando
"brilhante, bela" com referencia à Mãe Terra, cujo corpo
nutris e gerador tem teofania nas pedras que me fizeste conhecer.
Isso parece quadrar.
E
também não atinei ao dizer que A e U acordavam só num O. Vou por
partes, está provado que as vogais longas célticas eram mais
abertas do que as breves, ao invés do latim. Logo o E longo de NEMA
era aberto. Além disso, no tempo diglóssico a metafonia do A final
operaria mais forte. A forma de Entrimo tem toda a probabilidade de
ser mais conservadora. Quanto à de Melgaço, o A pretónico terá
sido Comlabializado pelo M, como é usual na língua popular. Por que
não labializou a forma de Entrimo? Pela ajuda do artigo apegado, que
reforça a harmonia vocálica”.
A
nós, já desde o princípio veio-nos à ideia uma divindade comum a
todos os povos indo-europeus que tem a forma léxica para os celtas
de Dana/Ana/Danu/Anu. Esse nome que deixou rastos por toda a Europa
em hidrónimos do tipo “Danúbio”, “Don”, “Dniester”...
ou topónimos como Donets (agora que a Ucrânia está infelizmente na
moda nos informativos...) ou Dinamarca. Achamos essa divindade no
Devana eslavo, na Diana latina, na Danae ou Démeter grega...
Do
seu nome originário gerasse provavelmente o termo “Xana” que é
o nome que nas Astúrias têm as nossas Mouras, o “Anjana” ou
“Anxana” cântabro, cujo “An” inicial poderia ser ao artigo
determinado das línguas gaélicas...
Cristian em primeiro termo. O nosso guia levando-nos por paisagens tolkianas. |
No
âmbito linguístico galego-português também temos as nossas “Jãs”
(Diana>Djana>Jana>Ja(n)a>Jã) como também nos explica
tão brilhantemente o nosso caro Doutor Higino Martins.
Por
outra parte e depois de dar-lhe voltas à palavra
Anumão/Anamão/Numão, nós desde a nossa humildade quisemos ver uma
dupla construção. Por uma lado o nome da Deusa Mãe Danu ou Anu e
por outro a forma -mão. A primeira para nós não tem muita dúvida.
É a deusa indo-europeia que para os celtas irlandeses é mãe dos
Tuatha Dé Danann, quer dizer, “O Povo dos Filhos de Dana”. É
Deusa associada à agricultura, aos ciclos da natureza e guardiã do
gado, da saúde, das granjas, das terras de cultivo e provisora de
alimentos e sustento...
Caminhando pelo planalto de Anumão |
A
segunda parte da palavra, -mão ou -mã, poderia proceder de alguma
palavra equivalente em celtico-galaico ao gaélico antigo “móa”,
“máo”, “máa”, “móo”,
“mó”, igual do que em antigo Britónico “mwy”
donde surgem o atual galês “mui”, córnico
“moy” e bretão “mui” com
o significado de “maior”.
Igual do que
em latim “major”. É
portanto o comparativo de superioridade da forma
“mór”, grande,
mas também
ancião, adulto, velho, importante, distinguido... (Muitas vezes falamos dos nossos "maiores" quando nos estamos a referir ao nossos velhos em idade, aos nossos ancestros...)
Imagem da Velha Anu. |
Seria
portanto “a velha Anu”, “a distinguida Anu” “Anu a
grande”, "a nossa ancestral Anu"...
The Paps of Anu em Duhallow, freguesia no Condado de Corck (Munster-Eire) |
A
refeição deu para isto e para muito mais, mas tivemos que continuar
o caminho em direção às pedras que víamos no horizonte. Passamos
um curro onde a gente do lugar encurrá-la os garranos numa festa de
rapa das bestas durante o mês de Agosto para marcá-los e
identificá-los. Foi ali onde vimos pegadas de lobo...
Um curro da rapa das bestas ao nosso passo. |
Passamos
umas gândaras onde um regato de monte regava uma parte dum amplo
lugar verde entre penedos e monte baixo. Ali os garranos iam abeberar
habitualmente e optamos por beber aquela água fresca e pura que caia
da montanha para fazermos mais levadeira aquela andaina sob um sol
estranho de primavera. A altitude era o suficiente como para
sentirmos a brisa fresca que com total certeza se convertia em frio
cortante nos meses de inverno mas que agora não terminava de
sentir-se cálida.
Bebendo do regato de montanha onde bebem os garranos. |
Ao
cabo de uns minutos de constante marcha conseguimos chegar a um marco
fronteiriço: o 47, a partir do qual começamos o trajeto por
território administrativamente português. A ladeira pela que
começamos o novo percurso era a base da barriga da Deusa Anu a quem
procurávamos para posteriormente passarmos pela mama da nossa Deusa.
Ali a magia que envolvia o mito da divindade desvendou-se totalmente
ao vermos aquelas paredes de granito puro que ficavam à nossa
direita com a forma do grande peito divino que nos levou ali.
Visualizamos uma cova no alto, o qual se nos revelou acessível pois
há um caminho que leva ao alto e uma abertura na rocha que deixa ver
todo o planalto que tínhamos percorrido desde a manhã. A Deusa
deixava contemplar aquela paisagem imensa onde os cavalos e as vacas
se perceberiam como pequenos brinquedos. A vista espetacular seria
para ser admirada mas decidimos deixá-lo para uma outra expedição.
Levávamos andando desde as 11:00 da manhã e nesses momentos estavam
sendo as 15:00 pelo nosso relógio à vez que já tínhamos à vista
a capela da Nossa Senhora de Anumão, ponto de cristianização do
lugar, mas sem qualquer dúvida lugar sagrado para os nossos
ancestros que adoravam à Deusa Mãe que deitada ali mesmo dormia
desde há milénios.
A capela finalmente... |
Chegamos
à capela que estava fechada mas ao lado havia um grande penedo,
talvez ritual, coberto de riscas e fendas pelos que em tempos
perdidos na memória correriam os líquidos vitais dos animais
sacrificados à nossa Deusa. Ao pé do penedo uma escada que levava a
uma espécie de púlpito onde duas rosáceas ou lábaros
perfeitamente lavrados no granito desentranhavam uma religiosidade
ancestral oculta ao olhos de qualquer profano.
Marta subindo à pedra ritual. À nossa direita a capela que cristianiza o lugar também sagrado para os nossos ancestrais. A escada deixa-se ver... |
Conseguidos
os objetivos, decidimos comer fruta e beber água. Descansamos uns
minutos e regressamos por onde viemos. De volta, as manadas de
garranos e vacas apareceram-se-nos mais próximas. Um dos bois olhou
para a nossa comitiva com olhos de desconfiança de tal jeito que nos
obrigou a exercer a prudência.
Lugh queria dizer-nos algo... |
O sol, raríssimo, apresentava um
amplo círculo ao redor que mesmo em vez de ser o tradicional halo solar talvez poderia ser originado pelos
chemtrails que não deixavam de marcar aquele céu falsamente limpo
daquele sagrado, intensamente lindo, surpreendentemente
virgem e ainda não humanizado planalto onde mora ainda dormida a
nossa moura de nome Ana ou Anu que segundo os nossos antepassados era
a nossa Mãe ancestral: Anu Mão, Ana a Velha, Ana a Maior...
Escada com rosácea ou lábaro que representa o Lugh solar, ao pé da pedra ritual de Anumão |
4 comentários:
Está genial, meu. Gostou-me, mas, tes que desculpar, meu, pero eu nom sei o que é um garrano :S
http://pt.wikipedia.org/wiki/Garrano
http://es.wikipedia.org/wiki/Caballo_de_pura_raza_gallega
El caballo galaico se ha clasificado tradicionalmente13 en el grupo de caballo doméstico o tarpán de tipo poni celta, nativos del norte de la península Ibérica al igual que el asturcón, sorraia, garrano o faco galego, jaca soriana y losino14 a los que se ha considerado un parentesco fenotípico con los ponis británicos, en especial con el exmoor, con algunos autores otorgándoles incluso un mismo origen15 16
Esta división se realizó por oposición a los caballos iberos del sur peninsular en base a consideraciones antropológicas históricas, cuando pueblos celtas, indoeuropeos originarios del centro de Europa, se instalaron en la península hacia el 1500 a. C.17
Lindo, irmão... Porreta!
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