quinta-feira, 12 de junho de 2014

Anumão, a velha moura da Montanha.




Por José Manuel Barbosa

Chegamos a Quéguas passadas as 11:00 da manhã. O dia era claro e fazia calor. Isso permitia a caminhada pela monte. Deixamos o carro num pequeno aparcamento natural adequado para este tipo de cousas e começamos a andar por um caminho que nos levou a uma subida cheia de tojos, urzes, carquejas e monte baixo. Em breves minutos pudemos visualizar o amplo planalto de Anumão onde rebanhos de vacas do País pastavam tranquilas ao sol. Igualmente ao longe pudemos visualizar várias manadas de garranos com os seus poldrinhos recém nascidos que nos contemplavam entre curiosos, respeitando ao sempre imprevisível ser humano e cuidadosos de não se afastarem muito das suas mães.

Rebanhos de vacas e manadas de garranos observavam cautelosos as nossas andanças

Os nossos amigos: Marta e Cristian abriam o caminho como guias nativos que eram. A companhia era perfeita. A sua amabilidade e afeto fez-se sentir sempre e em todo momento, mesmo quando chegamos à Anta conhecida como a Casinha da Moura ou Anta de Anumão onde nos ofereceram um delicioso leite frito elaborado pela própria Marta e aguardente de bagaço que nos ajudou a recompor-nos, à vez que descansávamos após uns quilómetros de caminho. Sentamo-nos. Comimos algo de fruta e gravamos algo no nosso telemóvel sobre o lugar no que estávamos. 


A poucos metros duas grandes aflorações de seixo da altura duma mesa de cozinha chamaram a nossa atenção. Sempre é que perto de monumentos megalíticos que temos visitado há uma grande quantidade de quartzo mas nunca tínhamos visto rochas deste material tão grandes como aquelas... A vários quilómetros em direção Norte pudemos ver no horizonte a construção natural e granítica conhecida com o nome de Pedras de Anumão, Anamão ou simplesmente Numão como é que aparece escrito na estrada que vai entre a fronteira da Ameixoeira e Castro Leboreiro.

A Casinha da Moura, uma anta conservada muito bem. Ao fundo a deusa deitada e fazendo-se ver.

Estas pedras são umas construções rochosas que desde a anta semelham uma mulher deitada na que podemos distinguir os seus peitos, a sua barriga de mulher grávida e se nos achegarmos, mesmo poderíamos imaginar o resto do corpo deitado...



O nosso objetivo era chegarmos até essa figura de moura deitada, a velha moura de nome Anumão cuja casinha, a Casinha da Moura, era a anta desde a que gravamos umas palavras nos nossos telemóveis para fazermos a ligação necessária com outro construto similar em Duhallow, no Sul da Ilha de Irlanda. É este o chamado “The Paps of Anu” ou “The tits of Anu”, quer dizer, As Tetas de Anu (ou Ana, ou Dana), a deusa terra que nos acolhe, nos nutre e nos dá vida. A Anu Geresiana era aquela que estávamos a contemplar nesse momento desde o planalto raioto próximo à aldeia entrimenha de Quéguas. A Mãe Ana/Anu/Danu/Dana que constrói os nomes de Anumão/Anamão/Numão, todos eles registados por nós, nos lugares de Entrimo, Guginde, Bouça d'Agro (ou Bouzadrago que é como figura deturpado nos indicativos), A Ameixoeira, O Ribeiro e Castro Leboreiro, sendo os três primeiros da região de Ourense dentro do Concelho querquerno de Entrimo e os três últimos dependentes do Concelho Minhoto de Melgaço.
Nós com a nossa amiga Marta que nos fez de guia na nossa expedição. Ao fundo o peito de Anu onde há um ponto alto de observaçao desde onde se visualiza todo o nosso trajeto. Foram 10 km...


Comentamos com o nosso amigo o Doutor Higino Martins o significado do nome Anumão/Anamão/Numão e dizia-nos o seguinte:



“DANU foi explicada, bem a meu ver, como fruto do céltico *DEWA ANU "a deusa Anu" (E, primeiro A e U longos) ao passar ao gaélico. Por sua vez, o ant. ANU, g. ANONOS (U longo), segundo os textos mais antigos, era a mãe dos deuses (Túatha Dé Danann "povos da Deusa Danu", com novo acréscimo de DEWA-DÉ.



É mais que a Terra Mãe que é a Deusa única polivalente. Talvez abstração da teologia druídica, o princípio mesmo. Portanto equivalente da védica Áditi, cujo nome significa "infinita". Seguindo o fio quadra propor que ANU, ANONOS se analisa AN- prefixo negativo e ON- um dos temas indo-europeus para "ano", id est, "ciclo temporal"; logo "sem fim, eterna".



Numão é mais interessante, pelo enigma, mas não adianto. Se a pronúncia de Entrimo é boa, deveria grafar-se (A)NAMÃ. Está perto das Rias Baixas, que confundem irmão e irmã na pronúncia de vogal nasalada sem ditongo. A prótese do A- iria no mesmo sentido, se é o artigo feminino apegado. Supondo o rumo ser certo, teríamos "A NAMÃ" deste lado da raia. Numão logo seria topo-onomástica oficial portuguesa alterada por funcionários centrais. Continuemos nas trevas; se não imos também não temos nada. Fica o enigma da primeira vogal: U ou A? Só podem acordar num O: NOMÃ, que seria híbrido celto-romano, *NOMANA, híbrido pela desinência latina -ANA. Não posso ver mais. NOM- pudera ser da raiz *nem-, que envolve noções relativas à hospitalidade.



Bom, agora vejo que a raiz envolvida será *nei- "brilhar" (Pokorny 760), que no céltico dera *NEMA "brilho; beleza" (E e A longos), donde gaél. niam "id.", e *NEMIS "brilhante, belo" (E longo), donde néim e o nosso monte Neme, de Bergantinhos (lembra a pág 103 d'As Tribos Calaicas). Nesta luz parece-me mais provável o étimo ser *NEMANA (E e primeiro A longos), híbrido sim, de NEMA subst., aqui adjetivado com a desinência latina, logo nos mil anos de bilinguismo, e significando "brilhante, bela" com referencia à Mãe Terra, cujo corpo nutris e gerador tem teofania nas pedras que me fizeste conhecer. Isso parece quadrar.



E também não atinei ao dizer que A e U acordavam só num O. Vou por partes, está provado que as vogais longas célticas eram mais abertas do que as breves, ao invés do latim. Logo o E longo de NEMA era aberto. Além disso, no tempo diglóssico a metafonia do A final operaria mais forte. A forma de Entrimo tem toda a probabilidade de ser mais conservadora. Quanto à de Melgaço, o A pretónico terá sido Comlabializado pelo M, como é usual na língua popular. Por que não labializou a forma de Entrimo? Pela ajuda do artigo apegado, que reforça a harmonia vocálica”.



A nós, já desde o princípio veio-nos à ideia uma divindade comum a todos os povos indo-europeus que tem a forma léxica para os celtas de Dana/Ana/Danu/Anu. Esse nome que deixou rastos por toda a Europa em hidrónimos do tipo “Danúbio”, “Don”, “Dniester”... ou topónimos como Donets (agora que a Ucrânia está infelizmente na moda nos informativos...) ou Dinamarca. Achamos essa divindade no Devana eslavo, na Diana latina, na Danae ou Démeter grega...


Do seu nome originário gerasse provavelmente o termo “Xana” que é o nome que nas Astúrias têm as nossas Mouras, o “Anjana” ou “Anxana” cântabro, cujo “An” inicial poderia ser ao artigo determinado das línguas gaélicas...

Cristian em primeiro termo. O nosso guia levando-nos por paisagens tolkianas.

No âmbito linguístico galego-português também temos as nossas “Jãs” (Diana>Djana>Jana>Ja(n)a>Jã) como também nos explica tão brilhantemente o nosso caro Doutor Higino Martins.



Por outra parte e depois de dar-lhe voltas à palavra Anumão/Anamão/Numão, nós desde a nossa humildade quisemos ver uma dupla construção. Por uma lado o nome da Deusa Mãe Danu ou Anu e por outro a forma -mão. A primeira para nós não tem muita dúvida. É a deusa indo-europeia que para os celtas irlandeses é mãe dos Tuatha Dé Danann, quer dizer, “O Povo dos Filhos de Dana”. É Deusa associada à agricultura, aos ciclos da natureza e guardiã do gado, da saúde, das granjas, das terras de cultivo e provisora de alimentos e sustento...

Caminhando pelo planalto de Anumão

A segunda parte da palavra, -mão ou -mã, poderia proceder de alguma palavra equivalente em celtico-galaico ao gaélico antigo “móa”, “máo”, “máa”, “móo”, “mó”, igual do que em antigo Britónico “mwy” donde surgem o atual galês “mui”, córnico “moy” e bretão “mui” com o significado de “maior”. Igual do que em latim major”. É portanto o comparativo de superioridade da forma “mór”, grande, mas também ancião, adulto, velho, importante, distinguido... (Muitas vezes falamos dos nossos "maiores" quando nos estamos a referir ao nossos velhos em idade, aos nossos ancestros...)

Imagem da Velha Anu.

Seria portanto “a velha Anu”, “a distinguida Anu” “Anu a grande”, "a nossa ancestral Anu"...


Acrescentemos que na freguesia de Duhallow, no Condado de Corck na Província de Munster em Irlanda temos o que se conhece com o nome de Dá Chích Anann, quer dizer, o que em inglês seria The Paps of Anu ou para nós “As duas tetas de Anu”. Curiosamente são dous outeiros com formas de peitos de mulher que se identificam com os peitos da Deusa Mãe da que estamos a falar: Anu/Danu...
The Paps of Anu em Duhallow, freguesia no Condado de Corck (Munster-Eire)

A refeição deu para isto e para muito mais, mas tivemos que continuar o caminho em direção às pedras que víamos no horizonte. Passamos um curro onde a gente do lugar encurrá-la os garranos numa festa de rapa das bestas durante o mês de Agosto para marcá-los e identificá-los. Foi ali onde vimos pegadas de lobo...

Um curro da rapa das bestas ao nosso passo.

Passamos umas gândaras onde um regato de monte regava uma parte dum amplo lugar verde entre penedos e monte baixo. Ali os garranos iam abeberar habitualmente e optamos por beber aquela água fresca e pura que caia da montanha para fazermos mais levadeira aquela andaina sob um sol estranho de primavera. A altitude era o suficiente como para sentirmos a brisa fresca que com total certeza se convertia em frio cortante nos meses de inverno mas que agora não terminava de sentir-se cálida.

Bebendo do regato de montanha onde bebem os garranos.

Ao cabo de uns minutos de constante marcha conseguimos chegar a um marco fronteiriço: o 47, a partir do qual começamos o trajeto por território administrativamente português. A ladeira pela que começamos o novo percurso era a base da barriga da Deusa Anu a quem procurávamos para posteriormente passarmos pela mama da nossa Deusa. Ali a magia que envolvia o mito da divindade desvendou-se totalmente ao vermos aquelas paredes de granito puro que ficavam à nossa direita com a forma do grande peito divino que nos levou ali. Visualizamos uma cova no alto, o qual se nos revelou acessível pois há um caminho que leva ao alto e uma abertura na rocha que deixa ver todo o planalto que tínhamos percorrido desde a manhã. A Deusa deixava contemplar aquela paisagem imensa onde os cavalos e as vacas se perceberiam como pequenos brinquedos. A vista espetacular seria para ser admirada mas decidimos deixá-lo para uma outra expedição. Levávamos andando desde as 11:00 da manhã e nesses momentos estavam sendo as 15:00 pelo nosso relógio à vez que já tínhamos à vista a capela da Nossa Senhora de Anumão, ponto de cristianização do lugar, mas sem qualquer dúvida lugar sagrado para os nossos ancestros que adoravam à Deusa Mãe que deitada ali mesmo dormia desde há milénios.

A capela finalmente...
Chegamos à capela que estava fechada mas ao lado havia um grande penedo, talvez ritual, coberto de riscas e fendas pelos que em tempos perdidos na memória correriam os líquidos vitais dos animais sacrificados à nossa Deusa. Ao pé do penedo uma escada que levava a uma espécie de púlpito onde duas rosáceas ou lábaros perfeitamente lavrados no granito desentranhavam uma religiosidade ancestral oculta ao olhos de qualquer profano.

Marta subindo à pedra ritual. À nossa direita a capela que cristianiza o lugar também sagrado para os nossos ancestrais. A escada deixa-se ver...
Conseguidos os objetivos, decidimos comer fruta e beber água. Descansamos uns minutos e regressamos por onde viemos. De volta, as manadas de garranos e vacas apareceram-se-nos mais próximas. Um dos bois olhou para a nossa comitiva com olhos de desconfiança de tal jeito que nos obrigou a exercer a prudência. 
Lugh queria dizer-nos algo...
O sol, raríssimo, apresentava um amplo círculo ao redor que mesmo em vez de ser o tradicional halo solar talvez poderia ser originado pelos chemtrails que não deixavam de marcar aquele céu falsamente limpo daquele sagrado, intensamente lindo, surpreendentemente virgem e ainda não humanizado planalto onde mora ainda dormida a nossa moura de nome Ana ou Anu que segundo os nossos antepassados era a nossa Mãe ancestral: Anu Mão, Ana a Velha, Ana a Maior...
Escada com rosácea ou lábaro que representa o Lugh solar, ao pé da pedra ritual de Anumão
 

4 comentários:

Anónimo disse...

Está genial, meu. Gostou-me, mas, tes que desculpar, meu, pero eu nom sei o que é um garrano :S

José Manuel Barbosa disse...

http://pt.wikipedia.org/wiki/Garrano

José Manuel Barbosa disse...

http://es.wikipedia.org/wiki/Caballo_de_pura_raza_gallega
El caballo galaico se ha clasificado tradicionalmente13 en el grupo de caballo doméstico o tarpán de tipo poni celta, nativos del norte de la península Ibérica al igual que el asturcón, sorraia, garrano o faco galego, jaca soriana y losino14 a los que se ha considerado un parentesco fenotípico con los ponis británicos, en especial con el exmoor, con algunos autores otorgándoles incluso un mismo origen15 16

Esta división se realizó por oposición a los caballos iberos del sur peninsular en base a consideraciones antropológicas históricas, cuando pueblos celtas, indoeuropeos originarios del centro de Europa, se instalaron en la península hacia el 1500 a. C.17

Anónimo disse...

Lindo, irmão... Porreta!

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