Por Katuro Barbosa
Sem dúvida, todos conhecemos a famosa obra literária medieval cujo título era o Amadis de Gaula. Obra de referência dos romances de cavalaria, na moda durante os finais da Idade Média e inícios da Idade Moderna, os quais serviram para fazer enlouquecer ao Alonso Quijano, quem tinha o Amadis como principal livro de cabeceira. A versão mais antiga conservada é dum autor castelhano de Medina del Campo (Valhadolid... ou Veladolide, como escreve Afonso IX, o Sábio?), Garci Nuñez de Montalvo, que adaptou a obra ao castelhano a partir do galego-português original a finais do século XV, aproximadamente, durante o reinado de Sancho II de Galiza e III de Castela, mas numerado como Sancho IV pela historiografia castelhanista, Rei que herdou o trono do seu pai Afonso IX. Aos três livros originais, foi-lhe acrescentado um quarto livro com uma importante mudança do final e ainda um quinto livro posterior, como sequela dos livros anteriores. Estes acréscimos narram as aventuras do filho do Amadis, que chega a uma ilha da Índia, denominada Ilha de Califórnia, nome originado nos conquistadores castelhanos do século XVI que tinham a ideia de que esta terra americana era uma ilha. Isto favoreceu uma expedição, chefiada por Francisco de Ulhoa, de muito provável origem galega, que serviu para negar a insularidade da Califórnia e reafirmar a sua condição de península. O Amadis era muito conhecido na altura, pelo que foi objeto de estudo por parte de alguns intelectuais, entre eles o bibliotecário da Livraria Real portuguesa em tempos de Afonso V, Gomes Eanes de Azurara, que viveu umas décadas antes de Garci Nuñez de Montalvo, e que reafirmou a origem linguística galego-portuguesa da obra numa das suas Chronicas, assim como desvelou a identidade do seu autor. Segundo Eanes de Azurara, a obra foi escrita por um tal Vasco de Lobeira, ideia que prevaleceu até o século XIX em que o descobrimento das cantigas do Cancioneiro de Colocci-Brancuti, hoje denominadas como Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, descobriram um poema incluído no texto e conhecido como “Leonoreta” da autoria de João Pires de Lobeira. O poema em questão aparece, nem só nas Cantigas guardadas durante séculos em Ancona, mas também na versão castelhana do Amadis, pelo que se deduziu que o tal João Pires de Lobeira, poderia ser o autêntico autor da obra.
Mas procurando na origem da família dos Lobeira, que tanto eram o Vasco de Lobeira como o João Pires de Lobeira, procurei no Armorial Lusitano de Genealogia e Heráldica publicado em 1991 pela Editorial Enciclopédia de Lisboa a origem do nome de família e disse-me:
Família de origem galega que tem seu solar na quinta da Lobeira, comarca de Ponte Vedra, procedente de Rodrigo Sanches de Lobeira, primeiro bispo de Compostela. Passaram a Portugal no tempo dos primeiros Reis. Pedro Soares de Alvim, que primeiro se chamou da Pousada, por viver na quinta deste nome, na freguesia de São Miguel de Carvalho, concelho de Celorico de Basto, foi contemporâneo de D.Afonso III, casado e com geração legítima. Teve um filho natural por nome João Pires de Lobeira, que a instâncias suas e do bispo de Lisboa, D. Aires Vasques, foi legitimado pelo mesmo Rei a 6 de Maio de 1231. Não se conhecem Lobeiras na ascendência de Pedro Soares de Alvim, pelo que é natural ter aquele apelido vindo ao filho pela parte materna, que se desconhece qual haja sido. O bispo D. Aires Vasques devia ser parente de João Pires de Lobeira, pois não somente se interessou pela sua legitimação, mas o deixou herdeiro dos bens que possuía. Supõe-se que os Lobeiras portugueses provenham deste João Pires de Lobeira.
Conclusão: Para além do erro de nomear primeiro bispo de Compostela ao tal Rodrigo Sanches de Lobeira, só comentar cinco cousas:
1- Os Lobeiras eram de origem galega.
2- A Quinta da Lobeira de Ponte Vedra, é de Ponte Vedra a dia de hoje, pois podemos relacionar com o Castro da Lobeira em Vila Nova de Arousa, no Salnês, mas de dependência histórica compostelana. A posse por parte dos Marinho de Lobeira desse local é histórica.
3- Ainda existe a possibilidade de que essa Quinta da Lobeira seja a localidade de Quintas no Concelho de Lobeira, na Baixa Límia, confundida com a ponte-vedresa como se confunde um suposto bispo de Compostela que não figura na lista de prelados compostelanos.
4- O João parece ser filho do cura, privilegiado pelo seu santo pai com heranças e reconhecimentos, herdando o nome familiar da sua mãe, talvez pessoa ocupada em assuntos caseiros do bispo Aires Vasques, que com toda honestidade, não se desentende do seu filho.
5- O Vasco de Lobeira, poderia ser descendente do João e igualmente ser o autor do Amadis, incluindo o poema do seu ancestral.
5- De qualquer maneira, parece ser que o Amadis está escrito por um galego.
Incluo o poema de Joao Pires de Lobeira "Leonoreta":
Das que vejo
nom desejo
outra senhor se vós nom,
e desejo
tam sobejo,
mataria um leom,
senhor do meu coraçom:
fim roseta,
bela sobre toda fror,
fim roseta,
nom me meta
em tal coita voss'amor!
João de Lobeira (c. 1270–1330).
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