quinta-feira, 17 de abril de 2025

A Focagem Reintegracionista

 


Por Marcos de  Rio

«Kuklowa kantikas senas totegontiias brusnos ammosteras. Woida sketla ankluta, extos ne woida bretras. Gabi tritian krottan etik swene nawan ak wikanti strengus ad kradion, kradios anskatikos exsobnus, ak gabi wiria noxta: Tiros etik Riiotuts!»


É um texto em céltico galaico. Ou «castrexo», se assim preferis denominá-lo os isolacionistas, também em termos de história, que adorais os blaveros no Nòs (com acento gráfico incorreto) do estilo do Manuel Veiga Taboada, que publicou um artigo lá em 20/X/2020 titulado "O Desenfoque Reintegracionista"

Para focarmos o tema, observemos várias cousas:

1. O texto inicial está escrito numa língua «de seu», uma «língua própria» da atual Galiza, exclusiva e identitária, que podemos usar como bandeira, como elemento diferenciador e aglutinador da nação galega, conformando um elemento essencial dum ideário nacionalista galego.

2. O texto está escrito num sistema ortográfico e gramatical coerente e funcional, sem qualquer dos problemas que tem um sistema ortográfico importado do castelhano como é a atual ortografia da RAG, onde «guerra» se escreve com U apesar de não existirem «ge» e «gi» que se grafam «xe» e «xi». É, aliás, um sistema que permite usar as letras latinas do meu teclado, sem necessidade dum alfabeto ogâmico.

3. O texto é lindíssimo, e possui o génio galaico que nos define e identifica, que Pondal imortalizou no poema que hoje é hino galego, pois como diria Steiner, “os idiomas codificam imemoriais reflexos e giros de sentimento, relembranças de atos que transcendem a lembrança individual...". Sentimento, história, etnia, cultura, poesia, paisagem, música, terra.... tudo está presente neste texto, que amais possui a épica heroica dum nacionalismo romântico que pretende emancipar e libertar sua nação em vez de chorar eternamente derrotas passadas, presentes e futuras.

4. O céltico galaico pode-se recuperar para sua função político-emocional ao serviço do nacionalismo, tal como os bascos recuperaram o euskera, os judaicos o hebreu, os escoceses o gaélico, etc. Pode ser ensinado, pode ser objeto dum Plano de Normalização Linguística, pode ser considerada língua regional minoritária e menorizada, milhares de chupópteros podem viver dela, e milhares de afeiçoados podem escrever os seus disparates nela.

Não obstante, aposto a que quase ninguém é capaz de compreender a mensagem que o emissor (escritor do texto) pretende transmitir ao recetor (leitor do texto) carecendo assim da FUNÇÃO ESSENCIAL DE QUALQUER LÍNGUA, que não é outra do que a COMUNICAÇÃO. Sentimentos enxebres e afetivos, carácter identitário, elemento nacionalista, etnicidade, cultura, beleza das regras linguísticas, etc, ficam em segundo plano, totalmente desfocados quando a língua não é capaz de transmitir a mensagem que se quer comunicar.

Não obstante, se eu escrevo...

«Ouvi canções antigas que vêm do seio do tempo. Sei histórias nunca ouvidas, mas não sei as palavras. Toma a terceira harpa e tange as 29 cordas ao coração, coração valente sem sombras nem medo, e toma a verdade nua: Terra e Liberdade!»

...a mensagem do início é compreendida por um número muito amplo de pessoas, é transmitida corretamente, e a língua adquire essa FUNÇÃO ESSENCIAL DE QUALQUER LÍNGUA que é a comunicação. O galego-português permite ainda ter todas essas funções afetivas e políticas da língua, mas sem perder a função essencial.

O céltico antigo pode ser língua litúrgica e ritual, tal como o castelhanismo pretende fazer com o “galenhol” num sistema de «bilinguismo harmónico» onde “galenhol” só têm algumas funções (na casa e na literatura) e para os outros usos está o castelhano. Esse mesmo problema teria o céltico antigo num uso contemporâneo, pois não possui palavras para definir as partes dum motor diesel, que não existia na altura e haveria que tomar empréstimos, tal como faz o “galenhol”, em cujos manuais se ensinam as partes do carro de vacas, mas não dos carros que fabrica a Citröen, para cujos nomes se opta por castelhanismos alheios às normas internas da língua em vez de tomá-los de Portugal ou Brasil, onde se seguem estritamente.

O céltico antigo é uma língua morta, não uma língua funcional. Pode servir como língua litúrgica de colgalho num formulário oficial, para que no 17 de maio escreva nela La Vox de Galicia sua capa, para que qualquer escritor escreva um poema, mas não serve para o dia a dia. Nela não podes escrever um informe médico, nem uma sentença dum tribunal, nem um manual de informática, nem um ensaio sobre economia.

Esse é o problema do “galenhol”, uma focagem como língua incompleta e parcial que precisa ser complementada polo castelhano segundo o uso. Esse é o drama da nossa língua, e a causa que nos levou em apenas 50 anos a passarmos de 80% de monolingues em galego a apenas 5% de crianças monolingues em “galenhol”, aliás fortemente hibridado com o castelhano.

Negar ou desprezar a FUNCIONALIDADE COMUNICATIVA da língua, focando a atenção em valores secundários da mesma é o grande erro do autoanemismo “galenhol” e o grande acerto do extermínio linguístico do nacionalismo espanhol.

O REINTEGRACIONISMO não se importa polo número de falantes, senão polo carácter FUNCIONAL da língua como ferramenta de comunicação em todos os âmbitos, para o qual deve ser uma LÍNGUA PLENA, para o qual precisa do seguinte:

  • Ter oralidade diversa e escrita unificada e coerente para representar todas as falas.

  • Ter diversos registos (vulgar, coloquial, culto, técnico, literário) para poder ser usada em todos os âmbitos.

  • Ter léxico especializado (jurídico, médico, eletrónico, botânico, químico, informático, político, jornalístico, …).

  • Ter uma comunidade o mais ampla possível onde flua a comunicação.

  • Ter dinamismo, com criação literária oral e escrita, e constante evolução.

  • Ter suporte para poder desenvolver a vida quotidiana integramente nela.

  • Ter arraigo social, produto da história e tradição.

Tudo isso é o que oferece o reintegracionismo, uma língua viva e útil. Uma língua morta como um cadáver em formol para ser exibida como bandeira num tanatório espanhol é o que oferece o isolacionismo.

A diferença entre termos um galego isolacionista e um galego reintegrado, ortograficamente está em mudarmos quatro miseráveis letras. Não obstante, desde um ponto de vista concetual e sociolinguístico, a diferença é abismal: língua inútil vs. língua útil, língua sem prestígio vs. língua com prestígio, língua para a política vs. língua para a comunicação, língua excludente vs língua inclusiva. A diferença concetual é fulcral para ganhar a batalha como língua social perante a pressão do castelhano. E disso depende ganharmos utentes neofalantes e neoescreventes nesse 95% de castelhanofalantes nativos que vêm de caminho.

PS: A língua galega está longe de morrer, pois conserva-se plena e vigorosa em Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, etc. Não obstante, estão perto de morrerem os galegos que a falam na Galiza. Isto é, morrem os utentes, não a língua. 

Mapa da língua apresentado no livros de texto galegos, antes da chegada do PP ao governo autonómico em 1981

 

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Sobre a etimologia dos sustantivos Gelado, Sorvete e "xeado"

 


 Por Katuro Barbosa

 Passei por um loja que publicitava “Xeado” de chocolate e parei a pensar nas razões que podem fazer pensar que “Xeado” é a forma correta para chamar ao que em Brasil denominam “Sorvete” e em Portugal “Gelado”, mas primeiro teremos que conhecer as diferenças entre um cultismo ou palavra erudita e uma palavra patrimonial ou popular. Veremos:

Palavras patrimoniais ou populares: São palavras procedentes do latim falado, submetidas às leis regulares da evolução linguística e que sofreram todas as transformações fonéticas no seu significante e semânticas no seu significado, produzidas pela passagem do tempo e o seu uso consequente. Apresentam a evolução completa de palavras que sempre estiveram presentes entre os falantes, resultado das modificações paulatinas e lentas do falar popular desde os inícios, localizados com a entrada do latim na nossa Terra ou, mesmo, desde antes, se a palavra em questão é resultado do substrato pré-latino.

Palavras de origem erudito ou cultismos: São palavras procedentes do latim culto, derivadas estritamente na sua origem etimológica do latim ou do grego, introduzidas por via literária, que entraram na língua romance já bem constituída e bem padronizada em épocas distintas através das ciências, das artes e da literatura com a finalidade de designar conceitos novos, não existentes anteriormente e devido à necessidade da língua de nomear novas realidades conceptuais. O facto de ter sido introduzidas tardiamente no corpus linguístico, faz com que não se tenham visto modificadas pela evolução gerada pela aplicação das leis fonéticas às que se submeteram as palavras de origem popular, mas simplesmente adaptadas à língua comum, à sua ortografia e fonologia, para não parecerem um latinismo, um helenismo ou simplesmente estranhas à estrutura da língua padronizada, por isso a sua parcial modificação. Os cultismos são empregados habitualmente na terminologia técnica ou especializada por não terem existido nas línguas vulgares.


Portanto, se procuramos a razão de ser de “xeado” diremos o seguinte:

1- Usa-se uma ortografia não galego-portuguesa, adaptando a do castelhano à fonética galega. O “X” é usado porque qualquer galego não poderia ler corretamente “Geado” na sua língua, pois foi alfabetizado em castelhano e reproduz o G com a mesma fonética da que foi informado quando aprendeu as suas primeiras letras, isto é, em castelhano. A implementação do X na escrita galega com o som /ʃ/ só se explica como uma forma de fugir da pronúncia castelhana do G (ou do J) como [x], mas resulta uma falsa independência “adolescente” dos galeguistas clássicos, rebeldes com o castelhano imposto por lei, mas que recorre a uma solução dentro do próprio corpus ortográfico que conhece, a partir do castelhano. Alguns dirão que não têm constância de que na língua castelhana esse X se pronuncie como /ʃ/ mas lembremos que essa pronúncia é histórica no castelhano, só modificada durante a Idade Moderna (séculos XVI, XVII e XVIII) e reformada graficamente durante o século XVIII, portanto, alguns dos galeguistas do século XIX e os do XX herdeiros dos anteriores, adotaram o X como recurso para fugir do G e do J. Rosália de Castro, por exemplo, usou Ẍ, um X com trema, dous pontos acima, para distinguir do X, sem trema, com som KS. Algo parecido, embora não igual, aconteceu com o NH de “unha”, “algunha” ou “ningunha”, esquecendo os históricos e desconhecidos, na altura, ũa algũa ou nenhũa. Portanto, dada a dependência, o uso do X, parece uma forma de castelhanizaçao, embora parecer o contrário, a primeira vista.

2- O verbo Gear segundo o dicionário Estraviz diz o seguinte: gear: v. i.:(1) Formar-se geada. ≃ congelar, gelar. (2) Cair o orvalho da noite. (3) Fazer muito frio. ≃ arrefecer v. tr. Congelar. Reduzir a gelo. ≃ congelar, gelar. geia a céu aberto, geia às presas, geia como fora: geia intensamente. [lat. gelare]. Confirmamos, portanto a procedência etimológica de gear derivada do latim GELARE, e vemos o L intervocálico presente em latim, como não vemos esse L na palavra patrimonial ou popular (gear).

A respeito da sobremesa congelada, feita geralmente de água, leite ou nata, sumo de frutas ou outros ingredientes naturais, açúcar ou adoçantes e aromas diversos, denominada “gelado” em Portugal e “sorvete” no Brasil diremos que chegou com Marco Polo, no século XIII, que à Itália procedente da China e se estendeu pelas Cortes europeias. Diz a lenda, que foi na França do século XVI, quando Catarina de Médici no seu casamento com Henrique II, quando levou consigo o seu cozinheiro, o qual portava com ele muitas receitas de gelados evoluídos na Itália a partir das receitas chinesas trazidas pelo aventureiro veneziano. Na Península Ibérica, talvez foi introduzido pelos andaluzis, que por sua vez deveram tomar do resto do mundo muçulmano através dos persas, que já tinham receitas com gelado. O persas denominavam شربت, (sherbet), palavra que por sua vez procedia do árabe em que significava bebida, a um suco gelado e preparado com frutas e pétalas de flores que se comia com colher, O costume passou aos árabes que lhe chamaramﺎﺕشرﺑ (sharbet), daí “sorvete” que passou a designar uma bebida não alcoólica, enquanto sharāb شراب passou a significar aquela bebida que tinha álcool. Daí “xarope.

Há quem diga que o gelado chegou ao ocidente da Península em época filipina, quando a Monarquia Católica tinha relacionamentos de poder com todas as Cortes europeias e Portugal fazia parte dela. Talvez foi nessa altura quando se introduziu o cultismo “gelado”, aplicado ao que por via andaluzi se denominava Sorvete, procedente da palavra árabe. Esta última palavra chegou ao Brasil e a primeira ficou na Europa.

Como é elemento trazido na modernidade histórica europeia e tendo que recorrer a um nome, recorreu-se a uma palavra erudita, um cultismo. A norma ILG-RAG não adoptaram qualquer tipo de cultismo. Recorreram à palavra popular, patrimonial, de maneira que não há distinçao, se não e pelo contexto entre “Xeado”: aquilo que está à temperatura do gelo, convertido ou cuberto de gelo, de “Xeado”: doce elaborado com agua, creme, sucos de fruta e outros ingredientes mesclados e congelados.

sábado, 18 de janeiro de 2025

Algumas perguntas sobre a origem etimológica de Rande, Randim, Rante...

Castelo da Piconha, tirado de "Galicia Maxica" https://www.galiciamaxica.eu/galicia/castelo-da-piconha-restos/#google_vignette


Por Katuro Barbosa

Consultando a etimologia que do topónimo Randim faz o nosso querido e saudoso Professor Higino Martins e determinando pelo observação que é um lugar fronteiriço dentro do Concelho de Calvos de Randím, na Límia, vemos que o académico da AGLP nos diz o seguinte:

Randim conterá *RANDĀ “fronteira”, mas a derivação não é clara. Talvez *RANDĒNĪ , genitivo do adjetivo * RANDĒNON “país da raia”. Não vejo a qual das raias que toca se refere.

Portanto, se o topónimo "Randim" proceder de "*RANDĒNĪ", genitivo do adjetivo céltico "*RANDĒNON", donde "*RANDA" significa "fronteira", será que quando já havia uma fronteira, ainda se falava uma língua céltica? Com certeza, o Professor Martins Estêvez não consegue localizar a qual das raias que toca se está a referir, mas acertamos a localizar, com a ajuda valiosa do nosso amigo facebookiano Galo Dourado, uma ligação que nos permite confirmar, que para o gaulês, a palavra RANDA significa “borda”, “limite”, a qual designava uma fronteira atestada em França por vários compostos dos quais o mais claro é Camminoranda "caminho que forma a fronteira", na origem dos topónimos franceses Chamarandes (Haute - Marne ) e Chamerandes (Ain, Saône-et-Loire). O famoso tipo toponímico Equoranda que significa “limite territorial”, cuja análise final é muito debatida, também faz parte desta série de compostos (ver Yvrande).

Para alguns autores, a origem céltica não está totalmente provada e ainda poderia apresentar uma feição que nos poderia fazer pensar numa origem germânica. Tal é assim, que Der Rand, em alemão atual, significa, justamente borda, margem, orla, segundo nos comenta o também amigo facebookiano e germanista Manuel Martins. Ele argumenta-nos, com muito acerto, que não seria de estranhar a coincidência das formas germânica e céltica pelas origens indo-europeias de ambas, ainda que também pudesse ser um celtismo em alemão.

Posteriormente, e dando-lhe voltas ao assunto do significado de *RANDA, lembro que há uma Ponte de Rande na Ria de Vigo, mais do que provável fronteira histórica entre a Bracarense e a Lucense, embora também, limite norte do Bispado de Tui e portanto do Território de Toronho, região pertencente a Portugal por várias vezes depois da sua independência.

 

Ponte de Rande sobre a Ria de Vigo

Mas, ainda localizamos um Rante no Concelho de São Cibrão das Vinhas, a uns 10 kms de Ourense, entre esta cidade e Alhariz, fronteira, também, histórica do possível limite norte do Condado da Límia, incluído, da mesma maneira do que Toronho, no primevo Reino de Portugal durante várias vezes depois da sua independência, mantendo-se a sua disputa durante vários séculos.

O curioso é que para procurarmos um limite ou fronteira política entre Alhariz e Ourense, acho que teremos que ir aos tempos imediatamente posteriores à independência de Portugal. Lembremos, que mesmo em tempos de Dona Teresa, mãe de Afonso Henriques, o território portucalense chegava à cidade de Ourense e provavelmente incluía a sua comarca até o Sil1. A professora Mercedes Durany (1996:125-126) apresenta-nos a prova de que existe um privilégio de 1122 em que Dona Teresa tem sob o seu controle o território onde se situa a cidade de Ourense, concedendo ao bispo Diogo Velasco e à sua Igreja o reguengo e infantado do termo de Ourense, autorizando a criação dum mercado mensal e garantindo segurança e proteção para todos os que lá forem. A qualificação de burgum que aparece neste documento para referir-se à cidade, utiliza-se nesta época para designar a nova aglomeração formada ao redor do antigo núcleo populacional. Este texto de 1122 confirma a categoria de cives para todos os moradores da cidade, quer dizer, o direito de cidadania que supõe viver como homens livres, garantindo, para eles, o direito a edificar, às terras de cultivo e à sua prosperidade.

Se Dona Teresa tinha a capacidade política de legislar de tal maneira sobre o espaço físico e humano da cidade das Burgas é que o território de Portugal, prévio à independência, incluiria o Bispado de Ourense. Tomemos conta, que em 1122, já existia o Condado de Portugal que tinha sido concedido ao seu marido, Henrique de Chalon, por Afonso VI em 1095, morto em 1112 e governado pela sua mulher durante a menoridade de Afonso Henriques, o seu filho, que em 1128 assumirá o poder após a batalha de São Mamede.

Se havia uma “rande” ou “randa” a uns 10 kms de Ourense em direção Alhariz, e assim nos consta que esta vila era a capital do Condado da Límia; sabendo que este Condado limião esteve em constante disputa entre os reis galegos e os reis portugueses e podendo haver nesse marco um limite temporário entre ambos os reinos, será que realmente, haveria uma língua céltica viva durante a Idade Média no espaço territorial da Galiza e do Portugal medievais que teria a suficiente força como para pôr-lhe o nome de “fronteira” a esse local? Se existir nesta altura essa língua ancestral, teria de ser uma língua popular, evidentemente não uma língua culta, sem dúvida ágrafa e sem hesitações, em vias de extinção mas essa suposta realidade linguística, em caso de esta existir, seria ocultada pela nossa língua romance em plena expansão e crescimento.

É tudo isto uma miragem ou podemos considerar isto como algo real? Deixo para o debate.

Bibliografia

Durany, Mercedes: Ourense na Idade Media. In VVAA: Historia de Ourense. Capitulo III. Via Láctea. Crunha. 1996

1 O Condado da Límia era a denominação do território duma antiga região do Reino da Galiza, entre os séculos X ao XII que ocupava as atuais comarcas ourensanas de Cela Nova, Alhariz, Maceda, a Límia de Ginzo, a Baixa Límia, mais todo o território da ribeira do rio Lím(i)a até a sua foz em Viana do Castelo. O facto de a vila da atual Maceda ser denominada historicamente Maceda da Límia, corrobora esta afirmação, ficando o topónimo reduzido a Maceda, quando a outra Maceda -Maceda de Trives-, passou a ser denominada pelo seu nome castelhanizado de Manzaneda, fazendo desnecessária a distinção entre ambas as Macedas pelo apelido comarcal de Límia e de Trives. A capital do Condado da Límia era Alhariz, sendo esta cidade onde se criavam os reis, onde tinham sediada a sua morada familiar e onde os tabeliões do reino assinavam como sendo “de Alhariz e da Terra da Límia”. O poder político e eclesiástico acumulado desta região, foi muito importante para o reino e para a família real.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

As Bandeiras Ibéricas. Navarra . Capítulo 9

 

Por Katuro Barbosa

As representações mais antigas do pendão do Reino de Navarra datam de 1194, em tempos de Sancho VII e apresentam uma águia que substituía uma figura equestre apresentada no reinado de Sancho VI sem mais emblemas heráldicos. Posteriormente, a figura equestre aparece com um escudo em que porta a águia.

A origem da águia é discutida por alguns heraldistas bascos que asseguram que é um emblema dos Ximenos, família de origem vascão e também conhecida como a Dinastia Abarka. Patxi Zabaleta diz que a arrano beltza (1) é o emblema dos reis de Navarra desde Eneko Aritza (Iñigo Arista para a historiografia espanhola tradicional) até Sancho VII (Antzo VII.a Azkarra, para a historiografia basca) e portanto, foi o pendão real do Estado basco medieval com o nome de Reino de Navarra ou Nafarroako Erresuma.

O heraldista espanhol Faustino Menéndez-Pidal, sobrinho de Ramón Menéndez-Pidal, afirma que o emblema procede da simbologia da família da avó paterna de Sancho VII, Marguerite de l’Aigle, de origem normando e esposa do rei Garcia Ramirez. O facto de ser o apelido familiar Aigle águia em francês, explica a razão pela qual é uma águia o símbolo dinástico como símbolo parlante. O próprio Sancho VII, no final da sua vida utilizava um pendão que incluía a arrano beltza sobre um suposto fundo amarelo ao que, com o tempo, se lhe acrescentou um leão, símbolo heráldico do seu avô, o Imperador Afonso VII, pai da sua mãe Sancha. A Casa Real navarra, existente na atualidade, confirma esta teoria.

Esta simbologia foi resgatada durante o século XX pelo político nacionalista Telesforo Monzón, cuja interpretação pessoal fez recriar esta bandeira com a Arrano Beltza sobre fundo amarelo. Esta cor amarela do corpo da bandeira, parece aleatória segundo alguns historiadores, que como Erlantz Urtasun Anzano, afirmam que pode ter a ver com o tecido de linho que se torna amarelo devido ao envelhecimento causado pela passagem do tempo, o fumo das candeias e do papel de linho onde apareceu a silhueta da águia donde Monzón tirou o modelo. De qualquer maneira, se essa cor proceder da família De l’Aigle, comprovamos que o símbolo heráldico desta casa nobiliária sobre fundo amarelo é a certa, pelo que estaria aqui a explicação, por outra parte, confirmada pela Casa Real navarra atual, chefiada pelo candidato ao trono de Navarra, Pedro II de Bourbon Duas Sicílias (2)

Muitos heraldistas afirmam que o fundo da arrano beltza não deveria ser amarelo, mas vermelho, cor tradicional da Casa de Navarra. Portanto, atuais vexilólogos e não poucos nacionalistas mantêm a estética da águia preta sobre fundo vermelho que aparece em ocasiões em manifestações navarristas ou basquistas.

Mas o pendão das cadeias surge de forma lendária em 1212, com motivo da Batalha das Navas de Tolosa, quando Sancho VII participa no ataque às tropas muçulmanas de Maomé Ánacer(3), o Amir al-Mu'minin junto com Afonso I de Castela (4) e Pedro II de Aragão.

A lenda narra como as tropas do rei navarro, aproveitando a rutura dos flancos almóadas pelas tropas castelhanas e aragonesas, consegue penetrar na peanha onde estavam situados o Califa e os nobres muçulmanos que o acompanhavam, defendidos pelos Imesebelen, a Guarda Negra, que estava formada por um grupo de agressivos e corpulentos escravos-guerreiros senegaleses atados por cadeias das que não podiam livrar, vestidos só com uma simples tanga e armados com uma lança muito cumprida. Sancho VII consegue quebrar as cadeias do cercado da peanha, sustentadas por grandes varas e vencer os gigantescos guardiões africanos. Como lembrança da gesta, a lenda diz que o rei navarro decidiu incorporar as cadeias ao pano vermelho que lhe servia de pendão. Na realidade, esta mudança foi feita posteriormente pelo sucessor de Sancho VII, o seu sobrinho Teobaldo I, e a realidade diz que não são cadeias as que figuram no escudo histórico de Navarra, mas os reforços metálicos de cor dourada situadas no escudo aos que se acrescente uma esmeralda verde, igualmente lendária, que tinha no turbante o Califa almóada, a quem lhe foi tirada como botim. 


O tempo consolidou esta imagem, a qual foi utilizada pelo rei navarro João de Albret quando quis reconquistar a Navarra ocupada pelas tropas castelhanas em 1512. Da mesma maneira, foi usado pelas tropas navarras em épocas posteriores, quando a Casa Real navarra acabou fundindo-se com a Dinastia Capetiana, titular do trono francês. Posteriormente, quando os pendões reais acabam sendo bandeiras, quer dizer, representações de nações ou de Estados e não símbolos heráldicos familiares, a partir do século XVIII, a bandeira de Navarra de cor vermelha com as cadeias em dourado e a esmeralda verde no meio consegue conservar-se, embora não oficialmente, como representação histórica do Reino de Navarra. Só a partir de 1910 em que a Deputação Foral recupera esta simbologia é quando recupera a oficialidade, mas é durante a II República que a própria Deputação Foral quem substitui a coroa real do escudo por uma coroa mural republicana.


Mas outra mudança vai acontecer nos anos 30’s, pois por Decreto do Chefe do Estado em 1937, durante a Guerra do 36, recuperou-se o escudo monárquico ao que se lhe acrescenta a Cruz de São Fernando. 

Assim vai permanecer essa simbologia como bandeira provincial até a Reinstauração Bourbónica em que será modificada novamente para adequá-la à nova legislação da Espanha de João Carlos I de Bourbon em que as autonomias entram na legalidade constitucional e Navarra acaba convertendo-se em mais uma Comunidade Autónoma com a categoria de Comunidade Foral. Em 1981 perde a Cruz Laureada de São Fernando e acrescenta a coroa boubónica. Esta é a bandeira oficial atual de Navarra.

Dentro do movimento independentista de esquerda, assume-se a bandeira sem a coroa, como símbolo de uma das Zazpiak Bat (5)

Mas também há uma outra representação vexilológica não oficial, mas existente nos movimentos políticos navarros, que é a bandeira que reúne toda a simbologia histórica: o fundo vermelho, as cadeias douradas e a águia preta, embora também uma coroa real navarra. É este o movimento legitimista navarro que reclama a recuperação do Reino de Navarra na figura do seu rei legítimo Pedro II


1 Arrano Beltza significa literalmente em basco aguia preta

2 Pedro Juan Maria Alejo Saturnino y Todos los Santos de Borbón Dos Sicilias, Orleans, Borbón Parma, y Orleans-Braganza.

3-O Miramolim (Amir al-Mu’minin أمير المؤمنين), Príncipe dos crentes, figura de referência política e religiosa dos almóadas andaluzis.

4 O oitavo, segundo o cômputo tradicional da historiografia castelhana, mas o primeiro segundo cômputo real. Afonso VIII de Castela é na realidade o Afonso I de Castela. Antes não houve Afonsos de Castela, se não incluímos Afonso VI e Afonso VII o Imperador, não desejados pelos castelhanos, ou se não acrescentamos Afonso I, o Batalhador, rei de Aragão, que governou Castela sendo aceite pelos castelhanos, mas nunca coroado como tal perante a legitimidade da Urraca I.

5 Zazpiak bat, significa em basco, literalmente, sete em uma, lema pelo qual se reclama a unidade dos sete territórios bascos, sendo um deles o espaço histórico navarro com a sua simbologia.




 



 



 

sábado, 2 de novembro de 2024

O Magusto (e não "Samaín"): a autêntica tradição celto-galaica

 

A tradição Celta apresenta quatro festas que coincidem com o ponto central de cada estação, cujos nomes são: Samhain, Imbolc, Beltaine e Lughnasadh, mas esses nomes são gaelicos e não têm qualquer tradição galega, nem sequer são nomes de tradição britónica (galesa, córnica ou bretã) cujos nomes são outros e não por isso são menos celtas. O que têm tradição são as festas por si próprias cujos nomes galegos são:

Magusto (11 de novembro),

Entrudo ou Entroido (festa de fevereiro)

Maios ou Maias (festa de Maio)

Seitura ou Centeada (esta última corresponde com a festa do verão do 15 de agosto que se celebra em todas as paróquias galegas, portuguesas, asturianas e leonesas).

Nas diferentes tradições célticas britónicas os nomes são os seguintes:

(Festa de novembro) Calan Gaeaf (C), Kalan Gwav (Ker) y Kalan Goañv (B).

(Festa de fevereiro) Gŵyl Fair y Canhwyllau (C), Gong Puja (Ker), Emwalc'h (B).

(Festa de maio) Calan Haf/Cyntefin (C), Kallan-Mae/Obby Oss (Ker), Kala-Mae (B).

(Festa de agosto) Gŵyl Awst (C), Golowan (Ker), Gouel Eost (B).


(C=Cymru, Walles, Gales; Ker=Kernow, Cornwall, Cornualha e B=Breizh, Bretagne/Brittany, Bretanha)

A roda do ano céltico em britónico galês

A evidência da correspondência nos dias só há que comprová-lo observando um calendário de outubro de 1582, quando se fez a mudança do Calendário Juliano, para o Gregoriano. Assim do 4 de outubro, passou-se ao 15 de outubro. Com um pequeno exercício contável observaremos que o 1 de novembro juliano corresponde ao 11 de novembro gregoriano atual, com o qual relacionamos imediatamente a data tradicional da festa em questão, que na tradição galaica e portanto galego-portuguesa, recebe o nome de Magusto e variantes, na gaélica Samhain e variantes e na britónica Calan Gaeaf e variantes

Se pomos um nome irlandês (nem sequer gaélico escocês ou manx) é porque Irlanda é um país independente e tem um relato próprio, referência do mundo celta internacional. Se nós tivéssemos relato chamaríamos a estas festas com o nosso nome, não "Samaín", que é uma péssima cópia do original "Samhain"... (aliás a pronúncia é "xouim", não samaín). E, infelizmente , isto vai às escolas para criar galegos que nem vão saber no futuro que era o Magusto (vão pensar que os seus avós celebravam uma festa gastronómica com produtos de temporada), nem vão saber que o português era o nosso galego quando este desaparecer da Galiza. 

 




Um galego, autor do Amadis de Gaula?

Por Katuro Barbosa

Sem dúvida, todos conhecemos a famosa obra literária medieval cujo título era o Amadis de Gaula. Obra de referência dos romances de cavalaria, na moda durante os finais da Idade Média e inícios da Idade Moderna, os quais serviram para fazer enlouquecer ao Alonso Quijano, quem tinha o Amadis como principal livro de cabeceira. A versão mais antiga conservada é dum autor castelhano de Medina del Campo (Valhadolid... ou Veladolide, como escreve Afonso IX, o Sábio?), Garci Nuñez de Montalvo, que adaptou a obra ao castelhano a partir do galego-português original a finais do século XV, aproximadamente, durante o reinado de Sancho II de Galiza e III de Castela, mas numerado como Sancho IV pela historiografia castelhanista, Rei que herdou o trono do seu pai Afonso IX. Aos três livros originais, foi-lhe acrescentado um quarto livro com uma importante mudança do final e ainda um quinto livro posterior, como sequela dos livros anteriores. Estes acréscimos narram as aventuras do filho do Amadis, que chega a uma ilha da Índia, denominada Ilha de Califórnia, nome originado nos conquistadores castelhanos do século XVI que tinham a ideia de que esta terra americana era uma ilha. Isto favoreceu uma expedição, chefiada por Francisco de Ulhoa, de muito provável origem galega, que serviu para negar a insularidade da Califórnia e reafirmar a sua condição de península. O Amadis era muito conhecido na altura, pelo que foi objeto de estudo por parte de alguns intelectuais, entre eles o bibliotecário da Livraria Real portuguesa em tempos de Afonso V, Gomes Eanes de Azurara, que viveu umas décadas antes de Garci Nuñez de Montalvo, e que reafirmou a origem linguística galego-portuguesa da obra numa das suas Chronicas, assim como desvelou a identidade do seu autor. Segundo Eanes de Azurara, a obra foi escrita por um tal Vasco de Lobeira, ideia que prevaleceu até o século XIX em que o descobrimento das cantigas do Cancioneiro de Colocci-Brancuti, hoje denominadas como Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, descobriram um poema incluído no texto e conhecido como “Leonoreta” da autoria de João Pires de Lobeira. O poema em questão aparece, nem só nas Cantigas guardadas durante séculos em Ancona, mas também na versão castelhana do Amadis, pelo que se deduziu que o tal João Pires de Lobeira, poderia ser o autêntico autor da obra.

Mas procurando na origem da família dos Lobeira, que tanto eram o Vasco de Lobeira como o João Pires de Lobeira, procurei no Armorial Lusitano de Genealogia e Heráldica publicado em 1991 pela Editorial Enciclopédia de Lisboa a origem do nome de família e disse-me:

Família de origem galega que tem seu solar na quinta da Lobeira, comarca de Ponte Vedra, procedente de Rodrigo Sanches de Lobeira, primeiro bispo de Compostela. Passaram a Portugal no tempo dos primeiros Reis. Pedro Soares de Alvim, que primeiro se chamou da Pousada, por viver na quinta deste nome, na freguesia de São Miguel de Carvalho, concelho de Celorico de Basto, foi contemporâneo de D.Afonso III, casado e com geração legítima. Teve um filho natural por nome João Pires de Lobeira, que a instâncias suas e do bispo de Lisboa, D. Aires Vasques, foi legitimado pelo mesmo Rei a 6 de Maio de 1231. Não se conhecem Lobeiras na ascendência de Pedro Soares de Alvim, pelo que é natural ter aquele apelido vindo ao filho pela parte materna, que se desconhece qual haja sido. O bispo D. Aires Vasques devia ser parente de João Pires de Lobeira, pois não somente se interessou pela sua legitimação, mas o deixou herdeiro dos bens que possuía. Supõe-se que os Lobeiras portugueses provenham deste João Pires de Lobeira.

Conclusão: Para além do erro de nomear primeiro bispo de Compostela ao tal Rodrigo Sanches de Lobeira, só comentar cinco cousas:

1- Os Lobeiras eram de origem galega.

2- A Quinta da Lobeira de Ponte Vedra, é de Ponte Vedra a dia de hoje, pois podemos relacionar com o Castro da Lobeira em Vila Nova de Arousa, no Salnês, mas de dependência histórica compostelana. A posse por parte dos Marinho de Lobeira desse local é histórica.

3- Ainda existe a possibilidade de que essa Quinta da Lobeira seja a localidade de Quintas no Concelho de Lobeira, na Baixa Límia, confundida com a ponte-vedresa como se confunde um suposto bispo de Compostela que não figura na lista de prelados compostelanos.

4- O João parece ser filho do cura, privilegiado pelo seu santo pai com heranças e reconhecimentos, herdando o nome familiar da sua mãe, talvez pessoa ocupada em assuntos caseiros do bispo Aires Vasques, que com toda honestidade, não se desentende do seu filho.

5- O Vasco de Lobeira, poderia ser descendente do João e igualmente ser o autor do Amadis, incluindo o poema do seu ancestral.

5- De qualquer maneira, parece ser que o Amadis está escrito por um galego.

Incluo o poema de Joao Pires de Lobeira "Leonoreta":

Das que vejo

nom desejo

outra senhor se vós nom,

e desejo

tam sobejo,

mataria um leom,

senhor do meu coraçom:

fim roseta,

bela sobre toda fror,

fim roseta,

nom me meta

em tal coita voss'amor!

João de Lobeira (c. 1270–1330).


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