terça-feira, 13 de novembro de 2012

O tratamento do universalismo e a endofobia nos nossos clássicos


Por José Manuel Barbosa

O amor ao próprio tende a valorizar a sua cultura como algo que é património de todos. Nem só dos nacionais que falam a sua língua ou usam a cultura autótone.

No momento atual estamos vendo como um poder contrário à língua dos galegos favorece o desconhecimento, a ignorância, para favorecer a entrada dos elementos linguísticos alheios que acabar impondo com maior um menor violência uma substituição linguística que em nada favorece Galiza. Os novos galegos são educados em castelhano maioritariamente embora a sua língua inicial seja o seu galego particular. Educam-se para que apanhem consciência de que a fala que eles têm por ancestral não se reconheça como uma língua universal e transnacional. Esta tem uns limites estreitos que coincidem com o território administrativo que os gere sem lhes ensinarem que o mundo é muito grande e nele há muita humanidade com a que podemos nos entendermos sem mudarmos para qualquer outra língua franca, conhecida ou não. Essa ideia tira-lhe utilidade. Não serve para andar pelo mundo que para isso está o castelhano.

Os nossos velhos galeguistas conheciam este facto. Conheciam que os galegos tinham um instrumento de comunicação internacional embora o seu uso fosse muito deficiente por desconhecimento da póla mais viçosa conhecida no mundo com o nome de português. Todos eles, ou pelo menos a maior parte deles, deu a conhecer as vantagens que um galego tem à hora de dominar uma das línguas mais estendidas do mundo. Essa extensão e utilidade é algo muito pouco admirada e desejada por aqueles que gerem ainda a dia de hoje a nossa vida linguística. A razão não é limpa. A razão é muito obscura. É a vontade de matar a língua dos galegos e impor a sua por acima de razões linguísticas e benefícios psicológicos e económicos.

Vejamos que ideia de universalismo tinham os nossos clássicos:


“Galiza e Portugal estreitadas ao fin supoñerian unha expansión cultural de idioma diferente do castelán tan extensiva cuase como a diste na península a camiño de rivalizar tamén na América, no baluarte do Brasil”

António Vilar Ponte. Pensamento e Sementeira. Pág 213

“Santo idioma, idioma inmortal, polo que a nobre Lusitania nos tende os seus brazos hirmáns dicíndonos que para él ainda pode haber unha nova hexemonía novecentista! Que tanto galaico-portugués como castelán se falará de novo en América...Que o galaico-portugués, o castelán e o inglés son tres idiomas chamados a loitar por superarse no Novo Mundo. E virá un forte pangaleguismo traguendo a luz para a caduca iberia”

A.Vilar Ponte. A Nosa Terra. nº 60

“O portugués é un fillo do galego e entre os dous non hai mais capitalmente que diferenzas fonéticas que non son tan grandes quizais como as que existen entre o andaluz e o castelán. Si nosoutros empregamos a ortografia histórica galaico-portuguesa teremos salvado a dificultade que separa ambas as duas língoas e daremos ao galego un carácter mais universal, facéndoo accesible ao maior número de homes.
Foi un mal da literatura galega aislarse mediante a sua ortografia. Escrita com ortografía portuguesa houbera corrido mais facilmente o mundo e isto tería influído na vitalidade do noso idioma e do noso pobo, pois ambos van intimamente unidos”

Johan V. Viqueira
Pol-a reforma ortográfica.
A Nosa Terra. nº 43. Pág. 1

“Galiza, como grupo étnico, tem dereito a diñíficar a língoa que o seu proprio xenio creou, porque é una língoa capaz de ser vehículo de cultura universal, porque lle sirve para comunicar cos povos de fala portuguesa”

Castelao. Sempre en Galiza. Pág. 108

“Quen son os que tratan d’arredarse do resto do mundo, nosco –os galeguistas- que falando o nosso idioma conquerimos entendernos com portugueses, brasileiro ou vosco –os desleigados- que por poñer toda-las forzas na defensa do castelán, creendo supremo hacedor, tedes que sere eistraños antre aquelas xentes, co-as que nosco, sin ningún sacrifício, faguemos entendernos?”

Xosé Ares Miramontes
O galego é de moito proveito.
A Nosa Terra nº 72. Pág 3

“Dispois de todo, a lingua nosa é a portuguesa –un, galego modernizado, outra, portugués antigo- xa casi comparte a hexemonía no mundo de civilización latina c’o castelán e acabará por compartilo por inteiro.”

Portugal e Galicia
Unha festa dina de lembranza.
A Nosa Terra. nº 58. Pág 4


Ódio a todo aquilo que cheire a português

Mas o poder, conhecidos estes argumentos e desejoso de que não se estendessem, criou mais uma razão e mais um obstáculo para que os homens e as mulheres galegos do comum, arraigados e amantes do seu, não continuassem adiante no processo de reconhecimento duma realidade que lhes abria as portas dum poderoso mundo no que não só faríamos parte, mas também não seríamos uma parte qualquer. O nosso lugar nesse mundo seria o ponto matricial.
O ensino e os média parciais e servidores de quem não tem em muita estima aquilo de que podemos considerar nosso, apresentam um paradigma que não se corresponde com a realidade que as ciências da linguística apresentam, favorecendo posteriormente uns prejulgamentos que em nada ajudam a um aproveitamento total da nossa língua. Esses prejulgamentos favorecem racismos endógenos, quer dizer endofobias e auto-racismos que se estendem, estes sim, por ali por onde se pode estender a consciência: pelo mundo do qual somos matriz....já não só para não nos reconhecermos, mas para que nós próprios odiemos aquilo que o poder considerou sempre inferior: Portugal e o seu mundo civilizacional. Quem não ouviu alguma vez ou mesmo viu com os seus próprios olhos um comentário ou um ato racista contra um português ou algo procedente de Portugal? Para que isso? Que finalidade tem esse racismo na Galiza?

Portugal foi o único país da Península Ibérica que não consolidou a sua pertença à Monarquia Hispânica. O único país que tem uma língua que pode concorrer com a “lengua común”. O único que dignificou a sua legítima não inclusão num projeto nacionalitariamente impositor.

Os galegos menos vinculados às letras, menos evoluídos inteletualmente, acolheram sempre e acolhem com mais facilidade este tipo de prejuízos, sem se darem conta que ir contra algo que criou o seu próprio povo é ir contra a sua própria individualidade num ato de inconsciência que serve para vilipêndio de próprios e estranhos. Algo que não se explica se não é por falta de cultura, por falta de informação e em muitos casos por motivo duma pailanice integral que sobrevoa a vida dos galegos alimentado por um poder vírico e doentio. Talvez medo a se reconhecerem "muito portugueses" e nada castelhanos... Dizem que a ignorância é atrevida...

Que dizem os galeguistas históricos...?

“...y la huella de dicha nefasta influencia es tan notoria, como puede observarse viendo hasta que punto muchos de nuestros paisanos, sin razón alguna para ello en proceso inconscientemente hijo del prejuicio centralista, se hacen eco del odio de Castilla hacia Cataluña y Portugal, aún cuando con Portugal tengamos una comunidad de lengua y de Cataluña no hayamos jamás recibido un solo agravio”

A.Vilar Ponte. Pensamento e Sementeira. Pág. 261

“...fermosa práitica cultura a dos nosos señoritos e a dos tristes gobernos centralistas que nos arredou e sigue arrendándonos de Portugal e do mundo portugués cada vez mais”.

António Vilar Ponte. A Nosa Terra. Nº 56. Pág. 1

“...y queda tambén, por lo tanto, condenado para siempre el dicho ignaro de los que a los gallegos que depuran su lengua los califican, como si esto fuese defecto, de aportuguesados”

A.Vilar Ponte
Pensamento e Sementeira. Pág 152

Acrescentamos a isto que em Portugal houve e ainda há hoje, ainda que em menor medida, um sentimento anti-galego que serviu de forma de maltrato aos portugueses do Norte. Tradicionalmente os sulistas nomearam os nortenhos de galegos. Às vezes despetivamente, outras simplesmente como uma forma de identificativo étnico inconsciente que nos leva a acreditar na existência para eles dum continuum humano que não para no Minho nem na raia seca galaico-portuguesa.

“...os lisboetas bulrábanse igoalmente dos portugueses do norte porque éstes eran galegos”

Castelão. Sempre en Galiza. Pág 338

“E dende Lisboa non se ve nin se sinte a necesidade de Galiza, porque tampouco está aló o berce de Portugal”

Castelão. Sempre en Galiza. Pág 335-336

Não sabemos o que aconteceria nas consciências dos galegos se em vez de limitarmos ao Sul com esse Portugal supostamente subdesenvolvido que nos apresentou sempre a Coroa castelhana tivéssemos um Portugal poderoso como podem ser hoje o Reino Unido, os EUA ou a Alemanha. Talvez com essa imagem de poder, os galegos teriam mais consciência de pertença a uma comunidade linguística e étnica galaica que transcendesse as fronteiras políticas impostas por uma história que como sabemos sempre é escrita pelos interesses de uns poucos por acima de uns muitos. Talvez o conceito de reintegração linguística fosse mais fácil de expor e talvez o poder madrileno tivesse mais respeito por uma realidade que ainda hoje vive e permanece apesar das políticas linguísticas e nacionalistas pró-castelhanas.

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