Por Vitor Garabana
Foi no dia 29, de caminho, quando comecei a estabelecer contacto com o campo verde e amarelo da primavera galego-portuguesa. Com uma breve passagem pela aldeia de Ninho d’Águia, prelúdio para entrar na atmosfera da comarca; a seguir pelas aldeias do Couto Misto – Rubiães e Santiago de Rubiães - e percorrer o caminho privilegiado até às terras de Tourém.
A
partir dai, a ganhar e ganhar altitude: paisagem de giestas,
urzeiras, queirogas, piornos... Paisagem
de montanha, terras duras só aptas para a vida de pessoas fora do
comum. Por fim, Pitões das Júnias! À noite, ceia (jantar, para os do sul) na Casa do Preto, o prazer de
fazermos novos amigos e de reatarmos velhas amizades. Falamos dos
diferentes caminhos de chegada, de norte e de sul, também da receção
que nos tinha dado a fauna local: vacas,
raposas, teixugos e paspalhãos que saíram ao nosso encontro nas
estradas...
O Monte do Pisco de caminho entre Tourém e Pitões |
Dia
30 de maio. Sábado
De
manhã: A presidente da Junta de Freguesia, Lúcia Jorge, e o da
Câmara Municipal, Orlando Alves, deram-nos as boas-vindas e
inauguraram as jornadas.
No
primeiro painel, moderado pelo José Manuel Barbosa, a Mónica
O’Reilly falou-nos da sobrevivência e a validade atual dos mitos.
De terem sido outrora a principal fonte para o relato histórico, nos
dias de hoje passaram a ser desprezados por muitos historiadores. Mas
entre interpretar os relatos míticos à risca e considerá-los
completamente infundados há um largo espaço de interpretação
útil. Para questões como os argumentos de legitimidade para a
ocupação dos territórios, sobre a narrativa de amizade ou guerra
com outros povos, sobre viagens e comércio, etc.
A
modo de exemplo, a coincidência dos topónimos como Brigântia
-Bragança, Braga, Bergantinhos, Brigantium (Crunha-Betanços) no
espaço galaico com os relatos do Livro das Invasões de Irlanda
acerca da fundação de povoações na península ibérica pelo herói
Brigh. Embora essas coincidências não devam ser interpretadas como
feitos literais, poderão sê-lo no âmbito das realidades culturais
dos países do espaço atlântico, de relação milenar já
demonstrada.
A
seguir, o João Paredes relembrou-nos na sua palestra as provas e as
pegadas da religião céltica e o Druidismo na antiga Gallaecia.
Cronistas
gregos e romanos denominaram os habitantes destas terras como celtas
e
descreveram os seus costumes,
como também doutros povos célticos, o qual permite a análise
comparativa. Para além disso, as próprias gentes habitantes destas
terras nomeavam-se celtas em inscrições epigráficas, inclusive
Druídas e Druidesas (DUR-BEDES).
Mesmo
o principal ideólogo cristianizador destas terras, São Martinho de
Dume, ao descrever os costumes que segundo ele tinham que ser
erradicados, fez
uma evidente descrição da religiosidade céltica.
Sabemos
que muitos desses costumes são ainda vivos, disfarçados
de religiosidade cristã ou de costumes folclóricos.
O
Marcial Tenreiro falou-nos dos antigos ritos de delimitação de
espaços ou de bênção de construções, em que os animais tinham um
papel principal. Falou-nos de delimitações de pastos comunais para
vezeiras entre diferentes freguesias, feitas por médio de animais
que se deixam vadiar à toa até pararem num ponto que é então
considerado o linde dos territórios. Ou bem mediante enfrentamento
de animais bravos, como bois, pertencentes às comunidades vizinhas,
com o mesmo propósito.
Também
nos falou dos velhos sacrifícios e enterramentos de animais ao pé
dos muros dos castros e séculos mais tarde nas vivendas para a bênção ou proteção desses prédios, pelo influxo mágico das
habilidades naturais dos animais sacrificados.
Pois
destes ritos que nos levam à antiguidade é provável que provenham
costumes ainda atuais nestas terras, como as chegas de bois: não
serão rememorações anuais e festivas dos velhos acordos de
marcação de lindes das freguesias?
E
contou-nos o surpreendente caso documentado por um notário na Idade
Moderna na Galiza: a “bênção” duma ferraria com maço de pisão,
não com o rito cristão e a presença dum padre, mas sim com o
sacrifício dum boi e a marcação do quintal pertencente à ferraria
com o sangue da cabeça, para ao final ser esta enterrada no linde.
No
jantar (almoço para os do sul) tive a honra de compartirlhar mesa com o
professor de audiovisuais João Bieites e com o José Lamela,
ex-alcaide do Concelho de Lóvios e
colaborador no programa “Sempre em Galiza” da Rádio Cornellà de
Barcelona; a
conversa com ambos foi para mim um grande prazer.
À
tarde teve lugar o 2º Painel.
Recebeu-nos
a moderadora da tarde, Kátia Pereira, representante do Eco-Museu do
Barroso-Pitões das Júnias. Convidou-nos a
visitá-lo e
anunciou-nos que podíamos
contemplar lá,
para além da interessante coleção permanente, a reprodução da
roupagem e a panóplia dum guerreiro galaico, segundo a documentação
iconológica obtida por membros do grupo Oinaikos Brakaron em
diversas escavações arqueológicas ao qual representava o nosso amigo Xavier Bobillo.
Xavier Bobillo representante do Oinaikos Brakaron, ao lado da panóplia guerreira dum soldado galaico. |
A
seguir foi projetado o filme: “Cemraiost’abram!” de Mónica
Baptista.
Filme
que, segundo o Padre Fontes, também se podia ter intitulado “Má/Mau
ar te tolha!”, “Fachas te rachem!” ou “Lobos te comam!”,
pois todas são expressões enfadonhas mas derivadas das duras
condições de sobrevivência nestas terras de montanha. Dureza que é
apreciável nas imagens do próprio filme, rodado nas fragas altas e
com invernia, neves incluídas. Belo trabalho da Mónica Baptista, em
que se aprecia a pequeneza dos seres humanos diante desta natureza
imensa.
Kátia Pereira e Mónica Baptista |
Para
acabar a primeira jornada, Rafael Quintia, João Bieites e José
Manuel Barbosa apresentaram-nos as Atas destas mesmas Jornadas das
Letras Galego-Portuguesas nos anos passados, 2012-2014, que sem
dúvida darão para boas e gozosas leituras!
Kátia Pereira representante do Eco-Museu introduz à palavra ao Rafa Quintia e ao José Manuel Barbosa para apresentarem as Atas das três Jornadas anteriores. |
No
tempo livre posterior, visitamos a igreja de Vilar de Perdizes onde
pudemos observar uma pedra com a reprodução do deus Larouco: a
versão local, dos arredores da serra homónima, do deus céltico
conhecido nas terras gaulesas como Sucellus e nas irlandesas como
Dagda.
Reve Larouco/Sucellus/Dagda |
Também
pudemos visitar um penedo com vários petróglifos, perto da mesma
igreja.
Pedra Escrita de Vilar de Perdizes |
À
noitinha, os Gaiteiros de Pitões das Júnias animaram o ambiente na
praça da eiró.
Dia
31 de maio. Domingo
Após
as boas-vindas do Vice-Presidente da Câmara Municipal, David
Teixeira, a professora Maria Dovigo trouxe-nos, mediante um discurso
sensível e poderoso, a profundidade da poesia de Joana Torres, com
as lembranças da presença da avó: mulher aferrada à terra e às
vinhas que pelos acasos da vida foi parar a uma cidade industrial
como Ferrol. Não posso imaginar nada mais céltico que as saudades e
o amor pela natureza, transmitidas a modo de tradição pelas nossas
avós.
A
seguir o Hugo da Nóbrega, com uma tese bem exposta e desenvolvida,
mostra a aparente carência de nome deste território. Embora seja
conhecido hoje oficialmente como “Norte”, esse é nome dum ponto
cardeal e não um nome territorial.
De esquerda a direita: David Teixeira, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Montalegre, Maria Dovigo, acadêmica da AGLP e Hugo da Nóbrega, investigador e designer portuense. |
Após
ser este o território histórico onde nasceram os nomes de Callaecia
(Galiza) e Portucale (Portugal), vai ser que afinal fica sem nome?
O
Hugo mostrou-nos a existência doutros territórios europeus que
tinham passado por situações similares -perda do seu nome
originário em benefício doutras entidades políticas vizinhas ou
mais abrangentes- e qual foi a solução adotada em cada caso.
Pediu
aos presentes opiniões e propostas possíveis para a restituição
do nome a esta região histórica que abrange Minho, Douro e
Trás-os-Montes,
a qual, do meu modesto ponto de vista, é a que com mais direito pode
reivindicar os nomes de Galiza e de Portugal.
No
jantar (almoço, para os do sul),
pude gozar duma agradável cavaqueira com
o Marcial Tenreiro e com a responsável pelo Polo-EcoMuseu de Pitões, a Kátia
Pereira.
A
última atividade foi a visita ao Eco-Museu, com
que finalizamos as
jornadas.
Entrada ao Eco-Museu |
Foram
dias aprendizagem, intercâmbio de opiniões e, sobretudo, de
amizade. Ficamos com vontade de voltar mais uma vez e sempre a Pitões
das Júnias!
1 comentário:
Somente com trabalho, amor à cultura galaico-portuguesa vamos ajudar a que haja uma dinãmica cad a vez mais universalista. Obrigado. Um abraço fraterno para todos e de modo especial para a minha cara amiga Maria Dovigo.
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