sexta-feira, 12 de junho de 2015

Crónica das IV Jornadas das Letras galego-portuguesas em Pitoes das Júnias





Por Vitor Garabana

Foi no dia 29, de caminho, quando comecei a estabelecer contacto com o campo verde e amarelo da primavera galego-portuguesa. Com uma breve passagem pela aldeia de Ninho d’Águia, prelúdio para entrar na atmosfera da comarca; a seguir pelas aldeias do Couto Misto – Rubiães e Santiago de Rubiães - e percorrer o caminho privilegiado até às terras de Tourém.
 
Tourém
A partir dai, a ganhar e ganhar altitude: paisagem de giestas, urzeiras, queirogas, piornos... Paisagem de montanha, terras duras só aptas para a vida de pessoas fora do comum. Por fim, Pitões das Júnias! À noite, ceia (jantar, para os do sul) na Casa do Preto, o prazer de fazermos novos amigos e de reatarmos velhas amizades. Falamos dos diferentes caminhos de chegada, de norte e de sul, também da receção que nos tinha dado a fauna local: vacas, raposas, teixugos e paspalhãos que saíram ao nosso encontro nas estradas...
 
O Monte do Pisco de caminho entre Tourém e Pitões

Dia 30 de maio. Sábado

De manhã: A presidente da Junta de Freguesia, Lúcia Jorge, e o da Câmara Municipal, Orlando Alves, deram-nos as boas-vindas e inauguraram as jornadas.

No primeiro painel, moderado pelo José Manuel Barbosa, a Mónica O’Reilly falou-nos da sobrevivência e a validade atual dos mitos. De terem sido outrora a principal fonte para o relato histórico, nos dias de hoje passaram a ser desprezados por muitos historiadores. Mas entre interpretar os relatos míticos à risca e considerá-los completamente infundados há um largo espaço de interpretação útil. Para questões como os argumentos de legitimidade para a ocupação dos territórios, sobre a narrativa de amizade ou guerra com outros povos, sobre viagens e comércio, etc.

A modo de exemplo, a coincidência dos topónimos como Brigântia -Bragança, Braga, Bergantinhos, Brigantium (Crunha-Betanços) no espaço galaico com os relatos do Livro das Invasões de Irlanda acerca da fundação de povoações na península ibérica pelo herói Brigh. Embora essas coincidências não devam ser interpretadas como feitos literais, poderão sê-lo no âmbito das realidades culturais dos países do espaço atlântico, de relação milenar já demonstrada.
A seguir, o João Paredes relembrou-nos na sua palestra as provas e as pegadas da religião céltica e o Druidismo na antiga Gallaecia.

Cronistas gregos e romanos denominaram os habitantes destas terras como celtas e descreveram os seus costumes, como também doutros povos célticos, o qual permite a análise comparativa. Para além disso, as próprias gentes habitantes destas terras nomeavam-se celtas em inscrições epigráficas, inclusive Druídas e Druidesas (DUR-BEDES).
Mesmo o principal ideólogo cristianizador destas terras, São Martinho de Dume, ao descrever os costumes que segundo ele tinham que ser erradicados, fez uma evidente descrição da religiosidade céltica.
Sabemos que muitos desses costumes são ainda vivos, disfarçados de religiosidade cristã ou de costumes folclóricos.

O Marcial Tenreiro falou-nos dos antigos ritos de delimitação de espaços ou de bênção de construções, em que os animais tinham um papel principal. Falou-nos de delimitações de pastos comunais para vezeiras entre diferentes freguesias, feitas por médio de animais que se deixam vadiar à toa até pararem num ponto que é então considerado o linde dos territórios. Ou bem mediante enfrentamento de animais bravos, como bois, pertencentes às comunidades vizinhas, com o mesmo propósito.
Também nos falou dos velhos sacrifícios e enterramentos de animais ao pé dos muros dos castros e séculos mais tarde nas vivendas para a bênção ou proteção desses prédios, pelo influxo mágico das habilidades naturais dos animais sacrificados.
Pois destes ritos que nos levam à antiguidade é provável que provenham costumes ainda atuais nestas terras, como as chegas de bois: não serão rememorações anuais e festivas dos velhos acordos de marcação de lindes das freguesias?
E contou-nos o surpreendente caso documentado por um notário na Idade Moderna na Galiza: a “bênção” duma ferraria com maço de pisão, não com o rito cristão e a presença dum padre, mas sim com o sacrifício dum boi e a marcação do quintal pertencente à ferraria com o sangue da cabeça, para ao final ser esta enterrada no linde.
No jantar (almoço para os do sul) tive a honra de compartirlhar mesa com o professor de audiovisuais João Bieites e com o José Lamela, ex-alcaide do Concelho de Lóvios e colaborador no programa “Sempre em Galiza” da Rádio Cornellà de Barcelona; a conversa com ambos foi para mim um grande prazer.

À tarde teve lugar o 2º Painel.

Recebeu-nos a moderadora da tarde, Kátia Pereira, representante do Eco-Museu do Barroso-Pitões das Júnias. Convidou-nos a visitá-lo e anunciou-nos que podíamos contemplar lá, para além da interessante coleção permanente, a reprodução da roupagem e a panóplia dum guerreiro galaico, segundo a documentação iconológica obtida por membros do grupo Oinaikos Brakaron em diversas escavações arqueológicas ao qual representava o nosso amigo Xavier Bobillo.
Xavier Bobillo representante do Oinaikos Brakaron, ao lado da panóplia guerreira dum soldado galaico.
A seguir foi projetado o filme: “Cemraiost’abram!” de Mónica Baptista.
Filme que, segundo o Padre Fontes, também se podia ter intitulado “Má/Mau ar te tolha!”, “Fachas te rachem!” ou “Lobos te comam!”, pois todas são expressões enfadonhas mas derivadas das duras condições de sobrevivência nestas terras de montanha. Dureza que é apreciável nas imagens do próprio filme, rodado nas fragas altas e com invernia, neves incluídas. Belo trabalho da Mónica Baptista, em que se aprecia a pequeneza dos seres humanos diante desta natureza imensa.
Kátia Pereira e Mónica Baptista
 Para acabar a primeira jornada, Rafael Quintia, João Bieites e José Manuel Barbosa apresentaram-nos as Atas destas mesmas Jornadas das Letras Galego-Portuguesas nos anos passados, 2012-2014, que sem dúvida darão para boas e gozosas leituras!
Kátia Pereira representante do Eco-Museu introduz à palavra ao Rafa Quintia e ao José Manuel Barbosa para apresentarem as Atas das três Jornadas anteriores.
No tempo livre posterior, visitamos a igreja de Vilar de Perdizes onde pudemos observar uma pedra com a reprodução do deus Larouco: a versão local, dos arredores da serra homónima, do deus céltico conhecido nas terras gaulesas como Sucellus e nas irlandesas como Dagda.
Reve Larouco/Sucellus/Dagda
 Também pudemos visitar um penedo com vários petróglifos, perto da mesma igreja.
Pedra Escrita de Vilar de Perdizes
À noitinha, os Gaiteiros de Pitões das Júnias animaram o ambiente na praça da eiró.

Dia 31 de maio. Domingo
Após as boas-vindas do Vice-Presidente da Câmara Municipal, David Teixeira, a professora Maria Dovigo trouxe-nos, mediante um discurso sensível e poderoso, a profundidade da poesia de Joana Torres, com as lembranças da presença da avó: mulher aferrada à terra e às vinhas que pelos acasos da vida foi parar a uma cidade industrial como Ferrol. Não posso imaginar nada mais céltico que as saudades e o amor pela natureza, transmitidas a modo de tradição pelas nossas avós.
A seguir o Hugo da Nóbrega, com uma tese bem exposta e desenvolvida, mostra a aparente carência de nome deste território. Embora seja conhecido hoje oficialmente como “Norte”, esse é nome dum ponto cardeal e não um nome territorial.
De esquerda a direita: David Teixeira, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Montalegre, Maria Dovigo, acadêmica da AGLP e Hugo da Nóbrega, investigador e designer portuense.
Após ser este o território histórico onde nasceram os nomes de Callaecia (Galiza) e Portucale (Portugal), vai ser que afinal fica sem nome?
O Hugo mostrou-nos a existência doutros territórios europeus que tinham passado por situações similares -perda do seu nome originário em benefício doutras entidades políticas vizinhas ou mais abrangentes- e qual foi a solução adotada em cada caso.
Pediu aos presentes opiniões e propostas possíveis para a restituição do nome a esta região histórica que abrange Minho, Douro e Trás-os-Montes, a qual, do meu modesto ponto de vista, é a que com mais direito pode reivindicar os nomes de Galiza e de Portugal.
No jantar (almoço, para os do sul), pude gozar duma agradável cavaqueira com o Marcial Tenreiro e com a responsável pelo Polo-EcoMuseu de Pitões, a Kátia Pereira.
A última atividade foi a visita ao Eco-Museu, com que finalizamos as jornadas.
Entrada ao Eco-Museu
Foram dias aprendizagem, intercâmbio de opiniões e, sobretudo, de amizade. Ficamos com vontade de voltar mais uma vez e sempre a Pitões das Júnias!

1 comentário:

Delmar Domingos de Carvalho disse...

Somente com trabalho, amor à cultura galaico-portuguesa vamos ajudar a que haja uma dinãmica cad a vez mais universalista. Obrigado. Um abraço fraterno para todos e de modo especial para a minha cara amiga Maria Dovigo.

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