quinta-feira, 6 de maio de 2010

José Barbosa de Castro e a C.N.T.


Por José Luis Fernández Díaz

E vão três. Esta é a terceira relíquia que desenterro do esquecimento e da indiferença, e creio sinceramente que há de ser temporariamente a última deste pequeno percurso pelos arquivos particulares aos quais é tão difícil o acesso aos historiadores que ainda estão a fazer o seu trabalho.

Os outros muitos que temos a satisfação de trazer à lume alguns casos singulares do pasado, continuamos a contar com profissionais da história que com muita generosidade nos assessoram e nos guiam para seguir o método adequado para escrevermos a história nunca antes contada e enterrada, pelo bem da concórdia, que diriam uns, como se ditas fossas comuns fossem o suficientemente alargadas como para criarem uma contorna de descanso e reconcilação ou se a sem-razão do acontecido pudesse vaguear sem mais entre seres anésicos.

É por isso, sem medos nem rancores, mas também abertamente e sem censuras que perseguimos a meta de resgatarmos a vida de cada um dos replesaliados relacionados com Ourense.

Hoje ocupa-nos o Senhor José Barbosa de Castro e Ancede, natural do Carvalhino e que teve a boa ideia de deixar-nos um documento único e manuscrito no que nos conta toda a sua vida sindical, aliás do seu percurso pelos cárceres e câmpos de concentração que agora vamos ver. Para além de ser verificada esta narração pelas testemunhas pessoais, existe algum documento na posse da família que certifica a sua versão dos factos.

No ano de 1931, com a proclamação da II República espanhola, conta o Senhor José Barbosa que com uns quantos bons amigos de diferentes profissões para além de “senhores com estudos” e rapazes estudantes, todos eles convocados pelo seu vizinho Manuel Toução, padeiro de profissão e por ele mesmo, acordam se organizarem para o qual elaboraram uns estatutos e procuraram um local, que estava sediado nos escritórios da Sociedade Elétrica Galega, agora ocupado pelo colégio das Josefinas. Lá formaram o Ateneu de Divulgação Social no que dariam conferências Outeiro Pedraio, Emílio Amor, Gumersindo Parada e o médico Pardo Babarro.

Ocuparam-se também de darem palestras de orientação sindical e como fruto desta iniciativa acabaram criando-se as chamadas Juventudes Libertárias. Iso tudo foi até 1934, (dous anos antes do levantamento franquista) que por causa duma greve geral acabaram fechando-lhes o local e levaram detido ao Senhor José Barbosa com o seu correspondente ingresso no cárcere.

Passado algum tempo lá no mesmo cárcere voltam a se organizarem, desta vez como organização sindical adscrita à CNT (Confederação Nacional do Trabalho) e conseguem ao sairem um local na Rua Dous de Maio nº 20. O número de filiados não era suficiente para criarem um Grupo Sindical independente e com voz própria em Ourense e foi por essa razão pela que escrevem à Crunha e determinam celebrarem em Ourense um Congresso Sindical com o fim de conseguirem um maior número de filiados.

No Teatro Lousada têm lugar uns comícios com um grande sucesso no qual chegam ao acordo de que a Delegação Regional apoie Ourense com propaganda e ação sindical. Dali sai o nomeamento do próprio José Barbosa de Castro como Secretário Geral do Grupo Sindical da CNT em Ourense que se passaria a ter 130 filiados, cargo que continuaria a ocupar até o momento do golpe militar franquista.

O dia 30 de Agosto de 1936 é detido aquela mesma noite para lhe fazerem o “passeio”, mas alguém intercedeu por ele. A sua mulher, a Senhora Elvira Álvares de Castro era prima coirmã do Capitão Eloi Álvares, famoso por ter sido o seu nome o que identificou a rua que hoje se chama em Ourense “da Concórdia”, e foi ele quem parou a iniciativa de o eliminarem. O dia 30 de Novembro de 1936 têm a vontade de o fuzilarem mas no último instante “com as mãos postas na cabeça” como nos diz o protagonista, uma testemunha apresenta-se perante o pelotão de fuzilamento e grita que todas as alegações contra ele são falsas pelo qual também se livra.

Posteriormente é transladado até o cárcere de Cela Nova e daí à de Talavera em Toledo. Mais tarde ingressa num campo de concentração em Valhadolid e desse lugar passam-no a outro em Rianjo. Finalmente é transladado até o cárcere de Padrão onde apanha uma colite muito forte que faz que seja ingressado no hospital de São Caetano em Santiago de Compostela.

Passados seis meses de tratamento dão-lhe a alta e chega uma ordem do Ministério da Governação espanhol com a liberdade definitiva.

Em total esteve três anos e meio preso mas só consta nos documentos oficiais o seu ingresso no cárcere de Ourense onde esteve um ano e meio.

O senhor José aguentou muitos anos de franquismo, mesmo calado e com dificuldades na sua vida laboral. Quando morreu Franco e voltou o pluralismo político ao Reino da Espanha leu um dia no Jornal La Región de Ourense a convocatória da CNT em Ourense para se reorganizar. Esse dia ele foi lá mas achou “rastafaris fumandos charros” que o botaram do local com expressões insultuosas por ser velho.

José morreu no verão de 1989 e a dia de hoje a sua mulher, centenária, mas ainda com lucidez não gosta de falar deste tema o qual sofreu com muita dor e silêncio. No entanto, hoje sai à luz esta narração graças ao seu neto José Manuel Barbosa que nos facilitou esta história que nos amostra a luta dum velho CNTista pelas suas ideias e pela liberdade.


(Elvira Álvares de Castro morreu o dia de fim de ano de 2013. Faltavam-lhe uns dias para fazer os 104 anos)
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