terça-feira, 26 de junho de 2012

Eu falarei.

Por IES de Chapela (Redondela) 



Impresionante trabalho da comunidade educativa do IES de Chapela. Os nossos parabéns para os alunos, professores, Equipa de Dinamização linguística do centro, pessoal laboral e demais pessoas implicadas. Dito seja de passagem que não chega com boas intenções e esforços heróicos, faz falta identificar bem o galego como o que é: como uma variante, a variante matriz, dessa língua que no mundo é conhecida e reconhecida com o nome de Portugues.
Que saibam os nossos irmãos lusófonos que brigamos e trabalhamos por esta língua. Não é só trabalho de galegos, mas de todos os lusófonos que amem a sua língua.
Parabéns a todos e obrigado aos nenos de Chapela. Lembrai que um liptub é um instrumento de consciencialização muito eficaz, mas há que animar-se a usar aquilo que se diz defender, nao é só fazermos uma canção linda...é sobre tudo ter vontade e valentia e para isso há que apanhar o caminho certo, o mais acaído, o mais viável e esse caminho está com o mundo de fala galego-portuguesa.

MIL PRIMAVERAS MAIS....ou melhor MAIS MIL PRIMAVERAS PARA A NOSSA LÍNGUA!!!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O caso luxemburguês

Por José Manuel Barbosa
A região do atual Ducado de Luxemburgo pertenceu na época pré-romana e romana à Gália Belga povoada pelos Tréveros. Posteriormente com a queda do Império chegaram os povos germânicos e com eles ficaramm assentes na zona os Francos Salienos e os Ripuários criadores do que posteriormente foi o reino da França e falantes duma variante dialectal alemã chamada Francico Moselão ou Moselfränkisch inserida dentro do alto-alemão ou Hochdeutsche, base do padrão alemám. Este Moselfränkische foi a fala dos imperadores francos Clovis e Carlos Magno e falado aliás em todo o País de Arlon, situado nas estremas romano-germânicas.
Após a morte de Carlos Magno foi dividido o seu império em três ficando a região da que falamos dentro da Alta Lotaríngia com o nome de País de Longwy e posteriormente País de Arlon pertencente anos mais tarde ao Sacro Império Romano Germânico e à casa do Senhor de Luxemboug-Ardenne fundada pelo Conde Sigfrid. Durante o século XIII o Condado de Luxemburgo estende o seu território apresentando-se como um verdadeiro principado com território estável e bem organizado, com uma administração ordenada e bem dirigida sempre dentro do Império Germânico, mas é no 1354 quando se torna Ducado e passa-se poucos anos mais tarde, no 1461 a fazer parte dos territórios dos Borgonhões e do Imperador Carlos V com o que fica para os seus herdeiros dentro dos Países Baixos espanhóis. O século XVII vai ser de hegemonia francesa na zona fazendo com que parte do país se passe ao reino da França em 1659 e fique anexado totalmente entre o 1684-1697. Posteriormente a guerra de Sucessão espanhola permite aos Habsburgs da Áustria entrar na posse do Ducado que reajusta as suas fronteiras. A revolução francesa e a chegada de Napoleão ao poder na França faz com que o Ducado volte mais outra vez à influência francesa como parte da nova república como o Departamento “des Forêts” na sua maior parte e do Departamento do “Moselle” a parte que fica. No Congresso de Viena o regime francês é substituído por um outro holandês mas agora como Grande Ducado, com o rei Guilherme I da Holanda como soberano, embora, e juntamente com a Bélgica, se rebelem contra ele até se independizarem da Holanda levando-se a própria Bélgica uma grande parte do Luxemburgo francófono fazendo parte da Valónia, enquanto a parte de fala germânica fica com os limites que hoje conhecemos mas fazendo parte da Confederaçom Germânica, do Reino da Prússia e do Zöllverein. É após este desencontro com a Bélgica no 1839, quando o Luxemburgo se torna independente e mesmo com Duques privativos.
A guerra franco-prussiana favorece e consolida essa situação de independência não entrando na nova e recém nascida Alemanha unida ficando como um estado tampão do que se beneficia do ponto de vista industrial e económico até que as duas guerras mundiais nas que mais do que participar, sofre como vítima, provocam uma destruição e um sentimento anti-germânico que favorece e reafirma o seu nacionalismo que também se manifesta na sua conceição da língua. A maior parte da população é germanófona na sua variante franco-moselá falada não apenas no Ducado mas em parte da região do Luxemburgo belga, no departamento do Mosela francês e no Länder alemão do Sarre.
O território do Ducado tem o intuito e a vontade desde os começos do século XIX de diferenciar a sua variante linguística alemã do resto do domínio linguístico num processo de elaboração e isolacionismo que considera a sua fala luxemburguesa ou Lëtzebuergesch como língua diferente da alemã. Conta portanto com muito pouco tradição escrita que vem desde o 1825, momento histórico no que um certo sentimento anti-prussiano se deixa sentir, mas é desde o 1850 quando se cria uma primeira normativa autótone que incluía galicismos registados nas falas populares, dialetalismos próprios e mesmo neologismos insolidários com o resto do domínio linguístico alemão. Em 1849 é publicado o primeiro dicionário luxemburguês em pleno processo emancipador e de nacionalismo romântico valorizando em alto grau o particular em detrimento do mais comum ao mundo teutão, mas é com o passo do tempo e a reivindicação linguística como o luxemburguês se abre caminho, assim, Casper Mathias Spoo “ousa” falar no parlamento do país, onde o francês, língua de cultura do Ducado é valorizada por acima do alemão e do dialecto, em Lëtzebuergesch numa ação reivindicativa da língua “falada pelo povo” que vai passar à história. Foi isto em Dezembro do 1896, e em 1912 a lei do 10 de Agosto decide introduzir essa “fala do povo” no ensino sendo Primeiro Ministro Paul Eyschen ordenando ao professor René Engelmann a elaboração duma ortografia comum. É assim, como durante todo o século XIX e XX se leva a cabo a ação de elaboração da língua luxemburguesa até que em 1984 se faz língua oficial do Grande Ducado juntamente com o Francês e o Alemão.
Alguns dos “elaboradores” e autores literários luxemburgueses são Michel Lentz criador entre outras cousas do hino nacional “De Feierwon” usado como canção da resistência anti-nazi nos anos da II Guerra Mundial. Outro literato valorizado como clássico pelos luxemburgueses é Edmond de la Fontaine, conhecido como “Dicks”, poeta nacional e nacionalista; Michel Rodange, René Kartheiser, a romancista Milly Thill, Raymond Schaack, Fred Granling... Isto não quer dizer que a criação numa relativamente pobre e recém inventada língua seja o normal no Ducado, não, mas a criação em francês é muito importante por ser esta a língua A do país. Só o alemão fica reduzido a um pobre e significativo terceiro posto ou língua C, o qual não significa também que não haja compreensão entre um germanófono da República Federal, Austria ou Suiça com um luxemburguês, mas ao contrário, sim há. O que acontece é que é esta menor pela quantidade de galicismos “legais” introduzidos na fala do país que pode gerar certo sentimento de surpresa no ouvinte alemão e fazer o luxemburguês um bocado incompreensível ás vezes. O afã diferenciador dos luxemburgueses no que diz respeito da língua é por vezes estremo, até o ponto de terem feito várias modificações da ortografia e da norma para tornar a sua fala mais afastada do Hochdeutsche padrão alemão e mesmo mais fechada por razões dum anti-germanismo histórico que nesta altura da história se apresenta como pouco racional. A última modificação foi feita em 1999 e tem feito com que os luxemburgueses reconheçam o grande número de gralhas que são capazes de escrever num texto escrito na sua variante linguística.
Este processo de diferenciação linguística do Grande Ducado de Luxemburgo no que diz respeita do alemão é o que o Doutor Flamengo Yvo JD Peeters define como “estatalização linguística”, quer dizer, uma dinâmica estatal que se justifica a posteriori ao se outorgar uma identidade linguística pela via política ou legislativa. Segundo Peeters é o exemplo do Luxemburgo o típico e supremo de estatalização, no que o Ducado, neste caso, super-poderoso vê que nada pode impedir-lhe crer-se o possuidor do poder absoluto e decretar “soberanamente” qual vai ser a língua dos seus habitantes afastando-se adrede do mundo cultural e linguístico mais grande da Europa, o mundo de fala alemã.
Embora isto seja assim no que diz respeito da fala autóctone, nenhum destes movimentos linguísticos diferenciadores tem feito com que nem o francês, nem o alemão se vejam deslocados do país, já que na realidade existe um trilinguismo real no que o francês é a língua do poder e do prestígio, língua da burguesia urbana e língua da autoridade para as crianças nas escolas, enquanto o luxemburguês é na realidade a segunda língua, na que se inicia o ensino pré-escolar, mas também no que se desenvolvem as actividades mais lúdicas, privadas, íntimas, populares e incluso populistas como a política de galeria. As leis, os assuntos laborais, administrativos, os negócios e aquilo que tem de importante a vida política, assim como a edição de textos legais e jurídicos e a língua escrita são para o francês, deixando um terceito lugar para o alemão, língua, historicamente do país agressor, embora ao final do ensino público o aluno seja perfeitamente competente nas três formas linguísticas para além de sê-lo também no inglês. Os média estam em quaisquer das três tanto mais quanto que as TVs dos países vizinhos (França, Alemanha e Bélgica) são apanhadas sem qualquer problema nem limite, mas é aliás, interessante conhecer o facto de que mais do 10% da população luxemburguesa ser de luso-parlantes, portugueses emigrantes no país, os quais contam com médios de comunicação escritos na nossa língua e mesmo poderíamos considerar que é esta a quarta língua do país em número de utentes, pelo também, grande número de residentes.
 O que podemos extrair de positivo para nós é a existência de três variantes linguísticas que partilham um espaço físico, cousa impensável na Galiza, pois o português, que bem poderia estar presente dentro do nosso País, não está por um sentir de intolerância em que o Estado nos sume. O trinómio Francês/Luxemburguês/Alemão poderia traduzir-se num Castelhano/galegoRAG/Português que é impensável, como impensável é a possibilidade de podermos usufruir os média de todos os países que nos rodeiam como é no Luxemburgo. Na Galiza vimos querendo ter a possibilidade de visualizarmos as TVs portuguesas desde há uns anos com constantes negativas por parte do governo de Madrid. Porque? Provavelmente por medo à liberdade. Algo muito habitual e histórico por parte do Reino no que estamos inseridos.

sábado, 16 de junho de 2012

Entrevista a um xamã galaico: Lobo de Lug (Segunda Parte)

6 –
Entrevista realizada por David Oteiro:
 6 – Acho que o sonho de qualquer historiador ou arqueólogo seria poder viajar ao passado ou falar com a ânima dum celta ou de um druida da Idade do Ferro. A olhos da ciência materialista pode parecer impossível. Faz umas décadas, o psiquiatra Edmoond Moody publicou uma obra de muito impato, sobre as suas investigações em relação ás Experiências Próximas a Morte. Desde aquela chegaram muitas vozes desde a ciência que diziam que a consciência sobreviverá à morte física do corpo. De ser assim, o mundo dos espíritos seria uma realidade. Tens contacto com o Além? Com as almas dos nossos devanceiros celtas?
R – Essas comunicações são, como disseste o sonho deste ou daquele, mesmo de todos. Quem não quer ir, desde que tenha a certeza de voltar, para conhecer o outro lado?
A verdade, como os nossos devanceiros sempre disseram, todos aqueles que conseguiram penetrar num Sidh regressaram mudos. Assim foi dito e reconhecido através dos tempos. E, depois há o tempo…como sabes um simples minuto dentro de um Sidh, corresponde a séculos no tempo dos homens não-celtas, pelo que aquele que regressa, não conhecerá o mundo que o cerca e não terá qualquer tipo de comunicação, nem será aceite como “normal” e por isso digno de crédito. Eu não vejo nada, apenas sinto.
Há uns tempos estive em coma e não tenho qualquer recordação donde estive. Nada. Nem luz, nem túnel. Contudo, numa das minhas experiências, por vezes pouco desejadas, perdi os sentidos, segundo disse a pessoa que estava comigo, por cerca de um minuto, tão pouco que ela não conseguiu reagir, pensando o pior, e aí sim houve algo que me ficou na memória. A minha vida desenrolou-se quase toda, a velocidade super impossível, diante de mim e eu recordava muita coisa, depois de despertar.
Tenho encontrado algumas coisas doutros tempos, assim como tomado conhecimento da existência de lugares sagrados através da percepção, mas mais não te posso dizer. Neste campo, uma coisa é certa, quando encontro ou me apercebo de qualquer existência, calo-a muito bem calado, pois não quero que seja invadida de qualquer maneira.
Os meus contactos vêem das orações e das meditações junto dos Carvalhos e Teixos, em Nemetons ou não, aprendo nesses momentos o que me querem ensinar. Não peço mais do que me dão e estou agradecido pelo muito que tenho recebido, tentando utilizá-lo em prol dos outros, conforme sempre me foi dito.

7 – Acredita na reencarnação?
R – Plenamente! Não pelo que pregam religiões e filosofias, mas por acreditar naturalmente. Tal qual sei que, se deixar de respirar, não posso viver. Aliás tenho tido provas irrefutáveis da sua existência, mas deixo-as onde estão, pois seria demasiado longo para abordar numa entrevista, em que já abusei de início, roubando tempo ao eventual leitor.
8 – Há quem opina que os monumentos megalíticos, os petróglifos e os santuários celtas foram “fundados” em determinados pontos pela existência de certas forças energéticas no lugar. Existem incluso pessoas que praticam a chamada “arqueologia psíquica” entre elas o arqueólogo galego Pablo Novoa, que descobriu centos de petróglifos na Galiza acompanhado pelo psíquico José Sanroman. Também os santuários celtas tem essa energia? Sabes porquê? Podes sentir?
R – Sim, estou convencido disso, pois não fizeram nada ao acaso. O estudo da localização das linhas de água em relação à implantação dos menires são prova disso. Os montes, os cursos de água, as grutas, têm a sua energia própria e há lugares, onde essa energia é muito forte. Assim eram escolhidos. O homem dessa altura era muito mais atento à Natureza e, por isso a sabia sentir e entender. O homem de hoje está distraído e, quando começa a estar atento, logo aparecerá um grupo que lhes desvia a atenção para outro lado…
Sendo o homem energia, ao escolher o lugar onde situar o seu santuário vai-se preocupar com ela. Depois durante séculos praticando os seus ritos, as suas preces, fazendo sacrifícios, está naturalmente carregando o lugar de energia poderosa que ali permanecerá. Certa vez, passeando por Barcelona, entrei numa praça para onde dava uma igreja. Senti-me tão mal que quase perdi o conhecimento. Vomitei, a cabeça latejava e a dor que sentia era tão poderosa que julguei que a alma me rebentava dentro do corpo. Sentei-me na borda do passeio, com um amigo ajoelhado na minha frente tomado de pânico, sem saber o que me fazer. Aproximou-se uma senhora de idade a perguntar que se passava. Contei-lhe. Indagou de onde era e eu disse que Galego. Ela apontou com a bengala para a fachada do templo e contou que aqueles buracos na parede eram de balas, as balas dos muitos fuzilamentos que ali se fizeram durante a guerra civil e que os tinha presenciado de miúda. Entendia-me e voltei a ouvir dizer que tinha o corpo aberto, para espanto do meu amigo que só se interessa pela arquitectura e não entende os porquês de nada. Isto para explicar como os lugares ficam impregnados de energias boas ou más, mas energias.
 E sim, posso-as sentir perfeitamente
9 – Faz ritos nos santuários celtas? Acreditas que as intervenções arqueológicas nestes lugares são uma “profanação”? O quê é que achas sobre a turistificação destes lugares?
R – Quando me encontro num, oro. Peço para que a Grande Mãe, a senhora dos Mil Nomes e todos os nossos deuses, iluminem esta civilização onde nascemos, para que se volte para a Terra e o Universo. As grandes mudanças a que estamos sujeitos, por nos termos desviado da espiritualidade necessária ao homem com o ar que respira e mergulhado no mais desregrado materialismo. É como se tivéssemos sido sugados por este vórtice, quando na realidade a nossa verdadeira força, a nossa origem, o nosso meio, a nossa finalidade é a força do espírito.
Ofereço, nesta minhas orações, paus secos representando a morte e a água do renascimento.
A arqueologia ajuda a descobrir as memórias que têm de ser preservadas quando intervém conscienciosamente, não tem qualquer negatividade. Mas a invasão dos turistas, descarregados de camionetas, fuzilando os próprios familiares contra as mais vetustas e sagradas “pedras”, como chamam aos monumentos megalíticos, com as suas máquinas fotográficas, isso sim é sacrilégio. Aliás nem sabem nada do que estão a ver. E, depois, sujam tudo, como noutro dia vi quando viajei ao Alentejo. Uma mulher a meter as fraldas do filho debaixo de uma anta, um rapaz aos chutos a uma lata de coca-cola, etc., etc., etc. Claro que não me calei. Mas não entenderam dem o que lhes disse. Foi, mais ou menos isto:
- Agradecemos estas oferendas que estais a fazer neste lugar sacro, mas como já temos muitas e os nossos deuses estão saciados, levai-as para casa e ofertai-as aos vossos Lares. Não entendem? Pois pegai no lixo e espalhai-o nas vossas casas, nas salas, nas camas, onde vos der a real gana. Aqui não.
Por isso, como sabes, há lugares que não devem ser divulgados. Devem ser deixados no seu “abandono” de séculos, para que possam manter o seu poder que darão àqueles que o merecerem.
10 – Faz pouco tempo falamos dos teus magníficos quadros. Muita gente pode pensar que é “arte” mas na verdade são mensagens. As mensagens que apresentas nos teus quadros recordam-me muito as visões que Carl Jung plasmou no Liber Novus ou Livro Vermelho. O livro permaneceu oculto a petiçao sua até faz pouco.  Sabemos agora que Jung passou por uma crise psicoespiritual do tipo xamânico, foi nesse período da sua vida quando ele tem as visões. Ele falou da existência de arquétipos do inconsciente colectivo. Achas que as pinturas das covas do paleolítico superior, mesmo as dos xamãs San como os que entraches em contacto, alguns petróglifos galegos ou muitas outras manifestações deste tipo provêm de outras realidades, outros mundos?
 R – Gosto do Magníficos. Obrigado. Ahahahaha!
Também são arte, mas são mensagens que recebo. Nunca tinha tornado esta situação pública, nem mesmo quando em exposições me perguntam o que quero dizer. Pode parecer mal esta minha atitude, mas as pessoas que vão às inaugurações, vão para se verem umas às outras e beber uns copos enquanto falam, falam, falam, acabando por não dizer nada. Noutras alturas, com outras pessoas, explico, na medida do possível.
Quando começo um quadro é como se saísse do meu corpo e deixo-me guiar. Aparecem as ideias, as cores, no caso disso, o motivo. Por vezes decido fazer uma série, como foi o caso dos petróglifos para uma exposição em Vila Nova de Cerveira. Pensava tentar atingir a razão, o motivo, porque foram feitos, colocar-me na mesma onda. Assim, com a ajuda dos petróglifos de Noia e de muitos outros comecei a trabalhar a série. O resultado foi bom. Tive, durante a pintura muitas horas de meditação, que muito bem me fizeram. Talvez tenha chegado a uma conclusão, a minha, não a deles possivelmente, eu estive a dizer algo que não me era totalmente claro, mas compreensível. Os espectadores e compradores, penso que disfrutaram de algo mais legível, como as cores, o movimento, o equilíbrio, etc.
Os quadros desenhados a preto e branco, nasceram na guerra da impossibilidade de ter cores por não existirem nas florestas ou nas grandes planícies, cores compráveis. De todos os modos não precisava de me exprimir em cor, seria um sacrilégio, quando a Natureza te oferece de mão beijada o espectáculo mais feérico que se pode imaginar. E limpo da pesada mão do “Homem Civilizado”, capaz de transformar tudo em cinzento, triste e deprimente.
Desenhava para distrair o pensamento da violência e da revolta de fazer o que mais odiava e a que era obrigado. Para fazer passar para a caverna mais profunda do meu ser aquela frase que nos foi ensinada e não tem sentido: - Mata, para não seres morto!
No regresso fiz a minha primeira exposição no Porto, apadrinhado pelo grande pintor aguarelista Carlos Carneiro, de quem me tinha tornado grande amigo. Foi no ano de 1970, um ano depois do meu regresso. Todo o meu trabalho de Angola ficara dentro da mala roubada. Era tudo novo. Foi um sucesso, não tenho a menor das modéstias e as falsas estão totalmente fora do meu estilo de vida, e também a altura em que me fizeram a pergunta pela primeira vez:
- Tu drogas-te?
Mesmo hoje não acreditam que eu possa fazer estes quadros, que faço de quando em vez, sem a ajuda de qualquer droga psicodélica. Não! Não me drogo, pois se o fizesse cortavam-me a inspiração. Nem drogas nem álcool. Incapacitam-me.
O “Liber Novus” do Carl Jung, que foi muito mais inteligente do que eu aqui na entrevista, (Ahahahaha!) deixando-o no segredo mesmo depois da sua morte, tomei conhecimento dele apenas há dois anos. Fascinou-me. Mas antes, muito antes, aí pelos dezasseis, estava deslumbrado com o Félicien Rops, o Alfred Kubin, o Gustave Doré, o Échère, Odilon Redon, as gravuras de Goya, o Edvard Munch, Henry de Grous e o James Ensor. Ah! E o Honoré Daumier. Esta longa lista tem, apenas, razão de ser, para aqueles que quiserem observar-me mais profundamente. Desde essa época que vou fazendo umas épocas de isolamento para me encher de todas as interrogações possíveis. Houve até uma altura que a minha mãe achou por bem mandar-me a um psiquiatra, pois achava que não podia lidar muito bem comigo e a conselho de uns curas do colégio de Trancoso, onde andei, e que tinham o mesmo problema…
Eu tenho a certeza de que os meus desenhos, e algumas das pinturas, sim, chegam-me do “outro lado”, mas não posso falar disto com ninguém, a não ser contigo, que já nem sabes como apareci.  Ahahaha!
 11 – Os xamãs assim como certos místicos e sacerdotes de todos os tempos e de todos os povos falam de viagens pelo mais alá durante o transe extático. Falam de distintos mundos, falam também de portas que a nossa alma pode atravessar. Es capaz de fazer esse tipo de viagens? Os mundos que visitas tenhem a ver com as antigas crenças celtas, os velhos deuses ou o mundo do Sidh?
R – As Portas fascinam-me. Tenho um quadro a que dei o nome de “Sete Portas”, que faz parte dos “Seis Avisos” e que mostrei uma vez, mas nem sequer estão à venda. Sou curioso por natureza e ver, saber, o que está do outro lado é um desejo incontrolável. Acho que as Portas existem para me dar a possibilidade da escolha do caminho, ou caminhos a explorar. Ora numa viagem tenho a possibilidade de abrir essas defesas e tomar contacto com mundos que me estão vedados no dia-a-dia. Mas nem sempre é como quero, melhor dito, pretendo. Muitas vezes sou empurrado para trás. Para fora. Possivelmente porque não é o tempo. Eu sou muito respeitador das alturas para. Nada, nestes campos, pode ser feito quando queremos, mas quando é o momento exacto. Repara, esta necessidade de regresso ao espiritual, com tanta urgência, chega no momento do fim de uma era, de um ciclo, e ainda nem todos estão convencidos disso.  Já falámos disto algumas vezes.
As crenças celtas, são as minhas, por isso sim, tem muito a haver. Quando construi o buraco na terra, como contei atrás, inconscientemente, estava a tentar entrar no outro lado, num Sidh. Só muito mais tarde compreendi que assim era, e que os bons sonhos que tinha, vinham de um lugar maravilhoso. Quando falava deles, diziam que eu lia muitos contos de Fadas, era verdade, mas os meus sonhos eram, para mim, a mais pura realidade, que os outros, fora o meu amigo Manel, nunca entenderiam.
Creio que tudo tem uma explicação e estou em aprendizagem permanente, nunca tendo tentado fazer como Artur, que, quando aprendiz de feiticeiro, despertou certas forças que não conseguiu dominar e que, se não fosse Merlim, estaria perdido. Não tenho um Merlim, mas atrevo-me a dizer que tenho vários guias que me vão dando a mão, sempre que preciso. É tudo natural e não há nada de estranho na minha vida. Para mim, claro. Para os outros…seja o que eles acharem que é.
12 – Outra prática que acho interessante é a do desdobramento, a da viagem astral ou experiência extra corpórea na que a alma se separa do corpo físico. Uma realidade muito ligada com as Experiências Próximas á Morte. Existe na Galiza a crença nas animas de vivos ou na Sociedade do Oso; pessoas vivas que tenhem a capacidade de sair do seu corpo pela noite. Tens desenvolvida essa capacidade?
R- Descobri as viagens astrais quando saí e me vi deitado na minha cama, dormindo tranquilamente. Era uma sensação nova, mas de paz absoluta. Procurei um japonês amigo, com quem tinha longas conversas, na altura em que vivia na montanha encantada, Cintia, o Monte da Lua dos árabes e que hoje se chama Sintra. Explicou-me que nada havia a temer e que devia desenvolver esta possibilidade que me tinha sido dada, para que com ela pudesse servir os outros, já que eu teria de usar todo o meu conhecimento na ajuda dos outros, sem nunca disso tirar qualquer proveito, o que tenho tentado fazer até hoje e, espero, até ao fim dos meus dias aqui, antes de passar para o outro lado. Não! Não acredito na morte como um final.
Uma vez, por alguém ter falado demasiado de mim e das viagens astrais que era capaz de fazer, apareceu-me uma advogada pedindo para eu fazer uma viagem e ir a certa casa ver onde estavam uns documentos fundamentais para um processo que tinha em mãos. Ora valham-me os deuses…Por estas e outras não gosto de falar.
Mas, por exemplo, numa dessas viagens, feita cerca de quatro anos antes da tragédia do Japão, eu vi-a e soube que era na data em que foi. Tenho isso apontado e até desenhado, mas nada podemos fazer contra a Natureza da Terra, essa maravilha de que os homens esqueceram fazer parte integrante.
13 – No que diz respeito da tua função de sanador vejo que estás muito solicitado. Quantas pessoas te pedem ajuda á semana? Que é o que falas e como é que ajudas?
R – Como sabes muita gente me pede ajuda e algumas vezes em situações desesperadas que me provocam a mais profunda das dores. Uma rapariga, muito nova, estava com um cancro e tendo consultado um espírita este, estupidamente, meteu-lhe na cabeça que eu era capaz de a salvar pela imposição das mãos. Acreditou piamente no homem e apareceu com toda a família implorando e oferecendo tudo o que eu quisesse pela sua salvação. Eu, desesperado, tentei explicar que não podia fazer nada. Mas numa das minhas viagens explicaram-me que sim, que estava nas minhas mãos prepará-la para a viagem e foi assim que eu fiz. Acompanhei-a nos últimos momentos aqui e partiu tranquila. É neste campo, no da palavra, no ouvir tudo o que têm para dizer, que eu ajudo. Não sou um curandeiro, se bem que todos pensem que sim e se achem melhores depois de conversar com eles. Não há nada de transcendente, de mágico de bruxedo. Nada!
Peço-te desculpa se te desiludo com esta explicação, por estares à espera de outra resposta, mas não, sou como tu, o que já não é pouco Irmão Pequeno.
14 – Para finalizar gostaria de compartilhar uma reflexão: a antiga sabedoria de muitos povos ao longo do mundo fala da chegada da fim dos tempos, da fim do mundo ou bem de cambio de ciclos. Hoje está muito em moda a data que os Máias marcaram para o seu cambio de ciclo, que seria no dia 20 de dezembro, último dia de 13º Baktun. Muitos povos indígenas do norte e do sul da América falam da chegada da Profecia da Águia e do Condor, a união dos indígenas para lutar pela recuperação da espiritualidade e a vida em harmonia com  a Terra. No mundo celta também existem profecias sobre o fim do mundo. Todas essas profecias apontam para que essa fim virá dada com a corrupção da ética e da moral assim como a desvinculação com o legado ancestral e da Terra. Mas como sabemos todo é o mesmo processo de morte e renascimento. Algumas pessoas interpretaram mal o calendário Máia chegando a afirmar que apontava a fim do mundo. Este erro foi bem aproveitado pelo cinema estadunidense e curiosamente parece ser que o seu mundo sim que está chegando ao fim. A crise pode ser essa evidencia, a fim de um sistema insustentável e pobre na que o homem vive desligado da Terra, esquecido de si mesmo e fazendo parte de uma vida que não é sua. Achas que os povos celtas devemos de levar a cabo a nossa particular profecia da “Águia e do Cóndor”? recuperar a velha espiritualidade, conectar com as nossas origens celtas e com a Terra para fazer parte de um mundo renascido?
R – Diante de mim tive a Grande Árvore onde reuni as Três Famílias, nesta manhã de plena mudança de ciclo e Lua Cheia muito forte, na minha meditação matinal. É, portanto o dia 6 do 6º mês do ano 2012. O ano que será recordado como o do fim da nossa civilização, mas não das muitas outras que ainda estão em evolução por esse bendito mundo fora.
Teremos, como dizes, de pôr em prática a profecia do Kuntur de Urin e da Hanga de Hanan.
O sistema em que fomos criados, morreu e, como acontece com tudo, até ao fim dos tempos deste planeta, apenas pode renascer um outro, novo, que acabará por, ele também, cair de podre, dada a tendência para o abuso que existe no homem.
O império americano, ridicularizou-se como o romano, deixando meia dúzia de conhecimentos e uma viagem à Lua a que ninguém deu mais importância que eles, fora o aparecimento da frase, hoje usada para ridicularizar uma atitude qualquer: - Foi um pequeno passo para um homem, mas um grande para a humanidade. Essa humanidade que se desinteressou desse tipo de heróis e noutros tempos vitoriava em triunfos a travessia de qualquer oceano, em avião.
Do lado oriental, os países comunistas transformaram-se em capitalistas selvagens, bárbaros, onde se desenvolvem as mafias que invadem todos os lugares onde podem exercer o novo-riquismo com o beneplácito dos autóctones, gastando dinheiro a rodos. Felizmente que só vão para esses lugares, onde podem exibir os alarves sorrisos de ouro…
O capitalismo de Grande Elefante é mais civilizado, mas todos sabemos que não é pela civilização que o materialismo vence.
Sendo assim, nada mais resta que procurar a nossa espiritualidade, o respeito e a defesa dura da grande Mãe. Regressar à Terra bendita que abandonámos, ávidos de dinheiro, para ir viver pobremente, tanto material como espiritualmente falando, nas grandes cidades, como elementos isolados e irreconhecíveis, numa amálgama humana, que caminha sem direcção, na procura dos bens materiais.
Quando o nosso mundo triunfar, assim como os dos outros que têm as nossas ideias e desejos, então falaremos. Não neste lado, mas já noutra vida.
Não sei se te correspondi, mas tentei responder-te dentro do “com devo responder”, mas agradeço este teu interesse, por uma vida simplória, dum tipo cada vez mais isolado do mundo.
Muito obrigado e um abraço.
Ramilo, aos 6 de Junho de 2012, pelas 12:00




sexta-feira, 8 de junho de 2012

Entrevista a um xamã galaico: Lobo de Lug (Primeira Parte)

Entrevista realizada por David Outeiro:

1 – Porquê é que decides partilhar a tua experiência? Porquê apresentar-se com um pseudónimo?
R – Serei bem directo: - Porque tu me pediste e, sendo assim, é porque é tempo de o fazer, não é verdade? O ser Lobo de Lug, é o que sou, simplesmente, sem qualquer questão de pseudónimo. O Lobo de Lug é quem te fala, respondendo às tuas perguntas.
2 – Como é que foi o desenvolvimento das tuas capacidades e com anos? Tiveste algum mestre ou mestra na tua iniciação?
R – Durante toda a minha vida, em nada tive outra mestra que a própria vida. Desde que me conheço, e conheço-me há muito tempo, aprendi a aprender sozinho, ouvindo tudo e vendo atentamente o que me rodeava, e esta “qualidade” esteve a ponto de me custar a vida ao atravessar, sem me dar conta que o fazia, uma rua de Lisboa, a que mais propriamente devia chamar de avenida. Este facto, divertido, aconteceu por não estar “neste mundo” nesse momento. Mais engraçado é que o condutor do carro era um grande amigo que da janela me gritou: - Quase te mandava para esse mundo em que vais a pensar, maluco!
Aos cinco anos, após a morte do meu Pai, o meu médico recomendou à minha Mãe que me levasse para fora do Porto, para eu não estar no ambiente que se respirava lá por casa, dado eu ter uma sensibilidade muito grande a tudo quanto me rodeava. Assim fomos para uma quinta de umas tias, que eu adorava, no Ribatejo, mais propriamente em são João da Ribeira. Era um casarão velho escuro, cujos corredores eu percorria durante a noite, nos meus ataques de sonambulismo. Poucos dias após a chegada, caí doente e o médico de Santarém que foi chamado para me ver, disse não perceber o porquê da minha febre e conversou com os familiares, dizendo que não havia mais nada a fazer senão esperar. Como mais tarde me contou a minha criada Clementina, a que nos criou a todos e estava particularmente ligada a mim, eu falava que estava ali no quarto o meu Pai e uma Senhora vestida de branco. Dizia-lhe que tivesse cuidado ao andar pela habitação para não embarrar neles. Decidiram então que a Senhora era a Virgem de Fátima, muito em “moda” naquela época, 1950, e foi um carro buscar um garrafão de água bendita à Cova de Iria. Com essa água, a Clementina deu-me um banho e, a partir desse momento, comecei a arribar e fiquei bom. Logo foram feitas promessas, rezadas missas, benzeduras pelo cura da terra. 
Mas a Clementina sempre me disse que quem me tinha curado tinha sido a Senhora da Fonte, e que eu devia, um dia, ir à fonte agradecer-lhe. Fi-lo muitos anos depois.Antes desta época, durante ela e até aos 11 ou 12 anos, passava a vida a ver “coisas” que não me pareciam estranhas mas, quando as contava à minha Mãe eram transformadas em sonhos, coisa que eu não entendia, pois estava bem acordado quando as via.
Aos 10 anos fomos viver para uma quinta, na Chamorra, perto de Canelas e aí havia uma quantidade de crenças em bruxas, curandeiras e videntes, sendo a Sra. Maria, Mãe da caseira, uma das ditas cujas, mas a meu ver mais curandeira. Chamava-me o seu Menino de Luz, ou Luzeirinho. Quase todos os dias dava-me para beber água de uma bilha, não me deixava beber da torneira, fazendo o mesmo ao neto, o meu grande amigo Manel. Eu já sabia que as estrelas não tinham luz fixa, e os planetas sim. Então, nas noites de Verão, com o céu bem estrelado e o piar arrepiante, para todos das corujas, eu juntava o Manel, o António, a Fernanda, a Marinha e o meu irmão Zé Pedro, e íamos para o campo fazer rir as estrelas…A coisa consistia em eu apontar as estrelas, fazer uma reza que já não recordo mas inventada para a ocasião e apontava para o firmamento. Eles seguiam a direcção do meu dedo e viam a estrela a cintilar, ou seja, a rir-se. Era muito respeitado por isso. Ahahahahaha! A Sra. Maria dizia que os outros não podiam apontar as estrelas, quando nos reunia-mos ao lume a ouvir as suas história, pois se o fizessem ficariam com as mão cheias de cravos. Só eu o podia fazer saindo incólume do acto. Isso aumentava a admiração que me tinham. Falo com saudade desses tempos de felicidade.
Um dia, andando com o Manel às pinhas, ouvimos um estranho trovão, num dia de Sol. Ficámos aterrados e corremos para casa que ainda ficava longe, pela viela por onde, nas noites de luar, passava a Porca dos Sete Porquinhos, assim se chamava o caminho. Chegados, perguntámos se tinham ouvido o trovão e ninguém tinha dado conta de tal. Fomos contar à Avó Maria e ela disse que não devíamos ir para o pinhal sós pois ali andava o Dianho e o estrondo era ele a falar.
Comecei então , numa leira, a construir uma lura grande, onde eu cabia, mas a terra de cima estava sempre a aluir. Então o Manel arranjou uma tábua grande, roubou-a ao Pai o Augusto caseiro, o que lhe valeu uma bofetadas, e colocámo-la por cima do buraco. Depois de acabada a escavação e devidamente alargada, para entrarmos os dois, tapámos a parte de cima com terra. Aquele buraco foi o meu lugar de refúgio durante muito tempo. O sítio onde de escondia, adormecia, sonhava e me sentia perfeitamente bem. Mais tarde, a filha de uma amiga inglesa da minha Mãe disse-me com a maior das naturalidades que eu tinha aberto uma porta para as Fadas.
A Clementina e a Sra. Maria, decidiram levar-me à Bruxa de canelas, que era muito conceituada, para que ela visse o Luzeirinho… e ali soube, sem perceber nada, que tinha o corpo aberto. Adorava lá ir. Apareciam umas mulheres que me punham a mão na cabeça, falavam muito umas com as outras e, maravilha, cobriam-me de doces e refresco de limão com mel. A condição para que estas visitas se pudessem prolongar, era o mais completo segredo, sobretudo no que dizia respeito à minha Mãe.
Deixo isto para fazerem uma pequena ideia de como fui crescendo…
3 – Podias falar um bocado sobre a tua experiência com os xamãs San durante a guerra?
R - E cresci tanto, que acabaram por me meter numa guerra, estúpida, como todas as guerras, tendo partido para Angola.
Eu, a partir dos dezassete anos, comecei a dar-me com um grande homem, o Jorge Dias, antropólogo a quem tanto se deve, e aos seus amigos, os irmãos Veiga de Oliveira, que andavam pelo país a fazer recolhas por conta própria.
Assim cheguei a África com alguns conhecimentos e muitas ganas de conhecer novas civilizações, tribos, costumes e, como me haviam ensinado, com muito respeito por tudo quanto visse e ouvisse.
Para abreviar, três anos são um livro, digo eu, comecei a fazer patrulhamentos na região dos Muílas e dos Mucancalas, povos que maravilharam o rapazote de vinte anos que eu era. Os livros, as conversas, as aventuras, estavam abertas diante dos meus olhos. Por essa altura, a PIDE começou a interessar-se por mim, infelizmente, pois todos os apontamentos que vinham na minha mala de porão, no regresso, desapareceram do navio sem deixar rasto. Nunca me fizeram outro mal, mas esse foi revoltante.
Mas o que queres saber, aconteceu mais tarde, no norte de Angola, numa povoação de nome Quiquiemba, para onde fui destacado com o meu pelotão.
Apreendi que havia outras coisas na vida, para lá do que me tinha ensinado a sociedade “civilizada” que eu habitara.
Estava de conversa com um século, um velho, durante a pesagem do café da sanzala. E dizia-lhe eu:
- Século, porque não cultivas o café como os brancos, com sombra?
- Para quê?
- Ora, para teres mais café.
- Para quê?
- Para ganhares mais dinheiro.
- Para quê?
Foi como uma paulada na cabeça. Que besta eu era. Que vida tinha vivido? Para que me serviam tanto estudo, tanta filosofia, tanta merda? Em menos de um minuto tinha-se aberto outro universo diante de mim.
Fomos grandes amigos, o século e eu, até à sua morte, dois meses depois. Decidi fazer-lhe um enterro digno do grande homem que era. Coloquei o caixão feito de ramos de palmeira, onde meteram o corpo envolvido num cobertor, em cima de uma viatura do exército e conduzi-o para a cemitério. Foi feito o enterramento em silêncio, o que me surpreendeu, pois sempre acompanham os mortos com danças e batuques. Sobre a campa deixei-lhe uma garrafa de White Horse, dizia que bebida de branco iambote, era boa, e os familiares deixaram as suas oferendas. Passados dois dias, apareceram em minha casa uns velhos para falar comigo, muito excitados. Disseram-me que o século andava na aldeia e assustava toda a gente. Não entendi, mas acabei por perceber que tinha cometido um grande erro. Ao levá-lo de carro, a alma tinha ficado para trás. Foi assim que o desenterrámos, voltámos a trazer para casa e depois, no dia seguinte fizemo-lo regressar ao descanso, desta vez numa marcha dançada ao som do batuque, das lamúrias das carpideiras e dos cantares das mulheres. Descansava em paz e eu aprendera a respeitar as tradições dos outros.
Na semana seguinte fui convidado pelos velhos para uma cerimónia. De principio tive medo e pensei levar dois soldados armados comigo, mas depois achei que estava a ser mais uma vez ridículo. Fomos para baixo de uma palhota sem paredes laterais, afastada da povoação. Dois troncos de árvore, paralelos, ladeavam uma fogueira sem chama, que deitava um cheiro desagradável e sufocante. Ali nos sentamos, eles falando uma língua incompreensível, eu só sabia meia dúzia de palavras da sua língua, e eu protestando com o fumo, mudando de lugar sempre que a fumarada vinha para mim, o que lhes provocava muitos risos. Comemos peixe seco com fuba e bebemos bastante marufo, seiva de palmeira pura. Comecei a ficar tonto, mas estranhamente lúcido, com uma visão de pormenor espantosa e com um ouvido que captava muitos mais sons que aqueles que eu ouvia usualmente. A minha cara deu origem a uma conversa surda entre os velhos e ouvi falarem em Nzambi, ou Zambi, que é deus, o deus deles evidentemente, pois não estavam, felizmente cristianizados. Deram-me a fumar um cachimbo cheio de tabaco misturado com maconha, erva, e pouco a pouco entrei num mundo que posso considerar divino.
Entrei em contacto com Yami, que na língua dos Yorubas significa minha Mãe, e segui as suas instruções.  Quando um homem entra em contacto com a Terra, depois de ter pedido permissão a Onilé, pode ser possuído por todo o universo e explicaram-me que eu podia ser como o vento forte ou como uma briza boa. Se fosse o vento forte teria uma energia destruidora e faria coisas más, tendo de ser julgado pelas Yami que estão debaixo do poder de Oso que é um grande feiticeiro marido de todas as grandes mães. Vi os espíritos das florestas, dos animais que foram homens, do javali que tem o poder de tirar aos homens o que eles gostam mas que, se arrepende e oferece como alimento, vi muita destruição feita pelos seres demoníacos e mergulhei, por fim, num grande espaço de luz. Nada mais te posso dizer a não ser que acordei com o médico do exército ao lado na enfermaria do quartel, para onde me tinham levado. Estava super feliz e apanhei um castigo. Evidentemente.
A guerra deixou de ser o que era, a partir dali. Praticamente, deram-me como afectado mentalmente. Que maravilha.
 4 – Qual a tua religião? És cristão ou praticas a velha religião celta? Em que deuses acreditas?
R - Não tenho que ter uma religião. Não sou cristão porque considerei ter sido baptizado sem ter noção do que me estavam a fazer e fiz a negação do catolicismo diante de um cura, na igreja. Não sou mais filho de deus, mas pertenço a todos os deuses. Pertenço à energia cosmocêntrica, antropocêntrica e teocêntrica.  Sou um animista e, portanto, acredito na anima como princípio vital. E, por isso mesmo, sinto-me muito ligado aos princípios religiosos dos celtas, mas não só. Estou muito ligado ao pensamento de Lao Tsé, mas não abdico totalmente do confucionismo. Respondi?
5 – Que as crenças celtas chegassem até hoje pode parecer muito forte. Há gente que pode pensar que isto tem a ver com o movimento “New Age” ou o “Neodruidismo”, o reconstrucionismo..., mas acho que este não é o caso. Que achas sobre o Neodruidismo?
R – Se estivessem aqui uns amigos das artes já estariam a rir-se por causa do Neo. Eu não gosto mesmo nada de neos. Ahahahahaha
Eles são animistas, é verdade, e estão em sintonia com a minha maneira de pensar, com sabes, no que diz respeito ao acreditar na sacralidade da Natureza e no politeísmo. Mas eu não gosto de grupos e a situação destes se denominarem dos Bosques, das Clareiras, dos Ramos, dos Carvalhos, dos Castros, não vai comigo. Sou de opinião que as pessoas se devem juntar naturalmente, vestidos como lhes apetece, sem mascaras e imitando os de outras épocas, e falarem do que pensam e das suas crenças. Nem mesmo no meu campo da pintura pertenço a qualquer grupo. Claro que sofro com isso, mas há sempre que pagar qualquer atitude que se tome, de uma maneira ou outra.
Se eles pregarem a nova consciência, o novo pensamento a que todos nos temos de dedicar nestas circunstâncias que esta parte da Terra atravessa, ajudando o homem a regressar ao amor do planeta e a esquecer toda uma doutrina de positivismo que tem sido como um cancro que corroeu o Mundo, serão muito necessários.
Sei que, muitos deles fazem estudos muito profundos de história e arqueologia, dentro da sua busca da religião dos devanceiros, isso é útil, sim, mas tu sabes bem que a luta terá de ir por outros caminhos. E há muitos trilhos para se atingir o cume da montanha, não é verdade
Nesta luta, há que ter em mente que 30.000 contra 3.000, é uma derrota; mas 3.000 contra 30.000, é vitória. Entendes? Claro que sim.

domingo, 3 de junho de 2012

Uma crítica pontual a respeito da historiografia castelhanista


Por José Manuel Barbosa

Conta-nos a história oficial que América foi descoberta por Cristóvão Colombo um 12 de outubro do ano de 1492; pelo menos a história oficial espanhola. Nos países como Islândia, Dinamarca, Suécia ou Noruega estuda-se nas aulas que lá pelo ano 1000 Erik Thorvaldsson, um chefe viquingue, chegou desde Islândia à terra de Gronelândia e o atual Canadá, ao que denominou com o nome de Vinland, quer dizer, Terra das Vinhas. Diz-que os viquingues, grandes marinheiros, elaboraram cartas de navegação com as costas norte-americanas desenhadas em pergaminhos de coiro as quais e sem qualquer dúvida passaram à posteridade de mão em mão de grandes navegadores, conhecedores da existência dessas terras do sol-pôr.
 Não se explica de outra forma que haja mapas como o do grande cartógrafo turco Piri Reis, conservado no Museu Topkapi de Estambul e feito a começos do século XV, mesmo muito antes do nascimento do descobridor oficial para a Coroa Castelhana: Colombo. Naquela altura foi quando os portugueses, fechadas as suas fronteiras pela Monarquia Hispânica, decidem se botarem ao mar para poderem fazer do Reino de Portugal um Estado viável e não caírem nas mãos de Castela. É por isso que começam as suas navegações. África foi a saída natural para estas explorações com o qual penetrar no Atlântico tenebroso cheio de lendas era uma saída possível e muito mais se conheciam a tradição secular iniciada por aquele Erik Thorvaldsson, o Ruivo e o seu filho Leif Erikson continuada da mão de posteriores navegantes medievais italianos, turcos e de outras nacionalidades até chegarem aos povos marinheiros do ocidente atlântico peninsular ibérico, como neste caso é Portugal. Há muitas notícias das navegações rumo ocidente que eram favorecidas pela coroa portuguesa e que eram olhadas como uma saída que mesmo servia para premiar servidores esforçados. Temos referências de expedições nos anos 40 do século XV. 
Fala-se que o Diogo de Teive, navegante e descobridor dalguma das Ilhas atlânticas portuguesas dos Açores chegou até terras americanas por volta do ano 1452, e ainda de alguma outra expediçom nos anos 60 do próprio Diogo juntamente com o seu irmão João de Teive que exploraram as partes mais orientais de Norte da América. Nessa situação, com provas documentais reais, está a descoberta da “Terra Nova dos Bacalhaus”, ou “Terra Nova dos Corte Real” como era denominada nesta altura histórica a actual Terra Nova canadiana.  Em 1471 ou 1472 os navegadores João Vaz Corte Real e Álvaro Martins Homem chegaram ao atual Canadá, numa aventura conjunta Luso-Dinamarquesa efetuada a pedido de D. Afonso V. É interessante reparar no nome galego-português que se lhe dá à Terra Nova, já não em latim, como se nos tem dito, pois originariamente era como tínhamos dito acima: “Terra Nova dos Bacalhaus”. 
 Pêro de Barcelos e João Fernandes Lavrador partiram em 1491 rumo ao atual Canadá, um ano antes de que o Cristóvão Colombo “descobrira” as Ilhas das Caraíbas. Foi o segundo quem lhe pôs o nome de Península de Lavrador ao grande território onde está assente o actual Quebeque. É por isso pelo que muitos historiadores suspeitam que o Cristóvão Colombo já sabia da existência destas terras muito antes de ele falar com Isabel de Trastâmara, a Rainha Católica. Mesmo o facto de lhe pedir a propriedade das terras descobertas por ele numa exposição perante a rainha que dava a entender que o queria tudo -por isso não aceitou o Rei Português- faz-nos pensar nisso quase com total segurança. A firmeza que o navegador pseudo-genovês, manifestada em todo o momento, de que ele ia achar territórios para além do conhecido comumente, os muitos segredos que tinha aos olhos dos castelhanos e o ter vivido anteriormente muitos anos em Portugal fazem-nos acreditar na ideia de que estava bem informado do que poderia haver ao final do Atlântico. Diz um bom amigo nosso, amante deste tema referido à descoberta de América que ao “Colón” (aqui com nome em espanhol) lhe chamavam assim porque de ser o último em chegar ao Novo Continente passou-se a ser o primeiro sem licença dos primeiros descobridores. 
 A História sempre é uma narração que cada um interpreta segundo o seu jeito e os seus interesses, daí o dito famoso de que “Cada um fala feira segundo lhe vai nela” mas no caso da  mal chamada descoberta da América é muito evidente a mentira histórica na que nos meteu o a historiografia castelhanista, que tanto criticamos. Esta não se vem abaixo pelo sustento político que tem dum poder político que transcende qualquer premissa científica. Esse castelhanismo historiográfico é dos mais irreais e manipuladores de Ocidente fazendo com que a grande maioria dos cidadão sob a sua influência fiquem convencidos duma falsa narração. O problema é que está tão assumida pelos cidadãos do Estado que mesmo insinuar simples eventos facilmente demonstráveis, como o protagonismo do Reino da Galiza durante a Idade Média ou a chegada dos europeus à América são temas de muita controvérsia pois são os eventos que lhe dão sustento a ideia da Espanha castelhana tal qual no-la ensinam ainda a diade hoje. Sem essas usurpações historiográficas, esse construto nacionalitário não seria mais do que uma autêntica caricatura do que se nos faz ver. Só a preocupação da gente em procurar a realidade faria com que ficássemos totalmente desiludidos e com a visão perante os nossos olhos dum ente estatal e nacional muito diferente ao que vemos atualmente . O dia que conhecermos uma interpretação mais em harmonia com as fontes existentes, esse dia, o modelo “cañi” tal qual o conhecemos hoje, vai deixar de existir para bem de todo o mundo dentro e fora da  península.
Mesmo uma dos ocultamentos pode ser a origem galega do Cristóvão Colombo. Há uma importante teoria bem argumentada que defende essa possibilidade. 
 Capitulo 1

Alfonso Philippot: Luz para un enigma 2/5

 Capitulo 3
Capitulo 4
Capitulo 5

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