domingo, 25 de março de 2012

Galiza: a Galtia, berço dos celtas.

Por David Outeiro

Segundo o Lebhar Ghabála Érenn (Livro das invasões de Irlanda, S II) a última vaga chegou a Irlanda desde o reino de Brigántia, a terra de Breogan e dos Milesianos, a atual Galiza. Foi Ith, filho de Breogan, quem alviscou a ilha desde uma Torre. Ith embarcou-se de cara aquela ilha, mas os nobres nativos decidiram assassiná-lo. Os Milesianos, celtas goidélicos de Brigántia (Bergantinhos), embarcaram-se rumo a Ilha para vingar a morte de Ith. Após chegar a Irlanda, encaminhar-se-ia a Tara para reclamar a soberania da ilha. Durante o caminho aparecem-se Banba, Fodla e Ériu; tríade divina que representa as deusa-mãe da soberania, a mulher do rei celta. Os Milesianos, com a ajuda do seu druida Amergin, vencem finalmente aos Tuatha Dé Dannan. Por causa disto, os Irlandeses sempre acreditaram ser descendentes de galegos.
Em 2006, Bryan Sykes ex-professor de Genética humana da  Universidade de Oxford publicou o livro com o título de “The blood of the Isles”. O livro é o resultado dum estudo genético com o fim de pesquisar a origem da população das Ilhas Britânicas. Os resultados avaliaram o dito pelo Lebhar Ghabála; os Irlandeses descem de “Galegos”. Uma história conservada durante milénios pôde ser avaliada. Mas não só isso.. A identidade de Breogan existiu entre os galaicos, tal e como evidenciaram os jazigos do Facho de Donão (Cangas do Morraço). Era o deus dos mortos, o hospedeiro do Além, o Dis Pater do que diziam descer os galos.
Faz mais de 2500 anos, um nobre da “viril” Treba ou Teuta (Tribo) galaica dos Nérios morreu  em Tartessos. Lá se achou a sua lápide, e no epígrafe está a menção mais antiga á Galiza; a Gáltia. Quer dizer, a Céltia, o povo céltico genuíno, o berço dos celtas. Um povo que tinha uma “consciência nacional” e que tinha uma estruturação complexa comum aos outros povos celtas. Mas este nome também têm  a ver com a origem da sua linhagem de heróis fundadores da estirpe. É por isso que os galaicos se nomeavam a si próprios de Célticos, e é por isso que os autores do mundo clássico os identificaram como tais. Damos começo a uma viagem à génese mesma do nosso povo, da nossa origem; a “linhagem de celtiato”.
 A Europa do Paleolítico final faz 20.000 anos apresentava um panorama muito distinto ao de hoje. O Último Máximo Glacial supus que as populações se vissem forçadas a ir para o sul pelo avanço do gelo. Isso fez com que procurassem refúgios glaciais, lugares onde o clima fosse mais benigno e permitisse a vida humana. O NW Peninsular foi um importante refúgio glacial que deu acolhimento a estas populações. Pelo outro lado da Europa, os Balcãs e o Mar negro também foram refúgios glaciais similares mas os três estavam isolados e afastados. A população do NW da P. Ibérica passa-se por um gargalo de garrafa demográfico, quer dizer, a população sofre uma importante descida. É neste refúgio onde se origina o gene R1B do que falaremos a continuação. Ao Norte, a Europa estava sob uma grossa capa de gelo, e o nível do mar era 120m inferior ao atual, o que o mantinha afastado 12 km da costa atual.. Irlanda estava coberta pelo chamado Manto Fito-escandinavo, o qual empecia  a vida humana. As capas de gelo puderam supor que o NW da P. Ibérica esteve unida as Ilhas Britânicas neste período.
 Ao NW Peninsular chega uma população procedente do atual País Basco com o marcador genético Rox. Após milhares de anos produz-se uma mutação e surge o marcador Rory que só uma parte dos galegos possuem. Portanto, nesta altura existiriam dous haplotipos: o Rox e o Rory. Deste último gene, o chamado “Haplotipo Modal Gaélico” é do que fala Oppenheimer no livro “The origins of the British”. Este gene está fortemente vinculado a homens irlandeses com  nomes gaélicos.
 18.000 anos atrás chega a fim este máximo glacial, o gelo começa a fundir-se e o nível do mar vai em aumento. A população do NW Peninsular dá começo a repovoamento dos territórios do N. Parte desta população desloca-se às Ilhas Britânicas por via marítima. A colonização pelo continente não é possível por uma razão simples: Citando ao professor Manuel Díaz Regueiro (In Labirinto. Revista galega de divulgação científica) “A história, ainda na atualidade, está contada de tal jeito que se obvia a climatologia, determinante nos movimentos das populações europeias. Os grandes rios Europeus do noroeste de Europa confluíram num super-rio no Canal da Mancha há 20.000 anos, segundo nos contam na Universidade de Cambridge”. É por isto que as populações teriam grandes dificuldades para atravessarem a pé este rio por via continental. Também por via fluvial, já que a corrente e a amplitude do rio faria impossível o seu trânsito com tecnologia da época. Temos de ter também em conta que a corrente marítima chamada hoje Gulf Stream favorecia esse trânsito da península às Ilhas. Esta migração está portanto bem definida como resultado dos estudos genéticos Acrescentamos ao dito o resultado do projecto National Geographic/IBM Genographic Project dirigido por Spencer Wells: “DNA analysis shows that the ancestors of most Irish people came from the Iberian Peninsula, who moved north after the last Ice Age, which had depopulated Ireland”. Portanto, esta população do NW Peninsular levou até as Ilhas a sua cultura, a sua língua céltica (precedente do gaélico) e a sua religião. Sendo esta a origem dos povos que denominamos de celtas cuja população se foi expandindo desde o nosso Fisterra até o N e L de Europa.

A recente Teoria da Continuidade Paleolítica aponta a esta evidência. Citando novamente ao Professor Manuel Díaz Regueiro (Labirinto. Revista galega de divulgação científica p. 41-40): ”Nos anos 90, três arqueólogos e três linguistas, apresentaram independentemente uns dos outros, uma nova teoria das origens do indo-europeu -semelhante á Teoria da Continuidade Urálica-, na que se reclama a ininterrupta continuidade paleolítica também dos povos e das línguas indo-europeias. Os três arqueólogos e pré-historiadores são: o americano Homer L. Thomas, o belga Marcel Otte, um dos maiores expertos do mundo do Paleolítico Meio e Superior, e o alemão Alexander Haurler, um especialista na pré-história da Europa Central. Os linguistas são: Mário Alinei, Gabriele Costa e Cicerone Poghirc. “A ‘misteriosa chegada’ dos Celtas ao ocidente de Europa, obrigatória tanto do ponto de vista da Teoria Tradicional como da Teoria da Discontinuidade Neolítica (TDN), é substituída pelo panorama duma mais primitiva diferenciação dos celtas, entendido como grupo indo-europeu mais ocidental da Europa. É evidente que a Europa Ocidental deve ter sido sempre celta e a recente pré-história do Ocidente Europeu -desde a cultura megalítica, atravessando pela cultura do vaso campaniforme, até colonizar La Téne- deveu ser celta. Em consequência, a duração da expansão colonial dos celtas foi muito mais alargada do que se tem pensado e cresceu de oeste para leste, e não ao invés”.
 Durante milhares de anos as populações dos países celto-atlânticos continuariam interagindo após a migração por causa do seu posicionamento “geo-estratégico”. Esta evidencia é salientável no transcurso dos milénios, o qual deu lugar ao que o prof. André Pena Granha denomina Direito Celta Comum ou “Celtic Common Law”.
Temos de salientar o facto de os Irlandeses conservarem em forma de lenda esta realidade histórica. Mas não só isso, pois em certo modo os galaicos viviam na genuína céltica: a Gáltia. Temos a prova num epígrafe Tartéssico da Idade do Bronze.
O linguista e especialista em estudos celtas John T. Koch decifrou a língua tartéssica como  língua celta. Um interessante epígrafe pertencente  a uma lápide, decifrado por Koch diz o seguinte:
 “A invocação dos Lúgoves da gente Néria, por um nobre da Kaltai/Galtai(=Celtia =Gal(i)tia) descansa ainda dentro. Invocando todos os heróis, o sepulcro de Tasionos recebeu-o”
Com curiosidade sinala o Professor Moralejo "...que Callaecia tendría sus allegados etimológicos en latín callus ‘callo” y collis ‘colina, en el (pre)griego colofón… Y Celtae también podría entrar en la opción etimológica *kel-. Serían algo así como los ‘altivos’(…)”. (Juan J. Moralejo Álvarez. In Callaica Nomina)
Os Nérios, etimologicamente “os viris” eram uma treba galaica. Plínio IV,111” Celtici cognomine Nerii et Supertamarci, quorum in paeninsula tres arae Sestianae Augusto dedicatae” (Os célticos ditos de Nérios e Além-Tamâricos, em cuja península há três aras Sestianas dedicadas a Augusto). Mela III,11.  “Cetera Supertamarici Nerique incolunt in eo tractu ultimi” (aliás, Além-Tamáricos e Nérios moram nessa região última). Para o professor Higino Martins, Nérios e Supertamâricos eram os mesmos.

Todo isto quer dizer que nesta altura já existia uma complexa estruturação na sociedade galaica, a qual tinha portanto uma “consciência nacional”. As relações eram próprias duma sociedade estratificada, partindo desde os castros que se agrupavam em filiações de reinos tribais até grandes reinos ou confederações, chegando a ter um centro real como em Irlanda. Em certas datas do ano, principalmente Samhain (Sâmanos galaico), Beltaine (Beltónios), Imbolc (Ambíwolka) e Lughnasad (Lugunastada)  reuniam-se nas Óenach (Oinaikoi); assembleias políticas, religiosas, judiciarias mas também com características festivas. Estas assembleias realizavam-se em lugares com carácter sacro e não habitado onde confluíam distintas tribos ou até grandes reinos. A mais importante, o umbigo da Gáltia, a qual poderia estar vinculada o Rei Supremo era Nemetóbriga. O equivalente galaico de Tara.
Um ônfalon (umbigo) é um centro desde o qual se acha que foi criado o mundo. Neste caso o mundo dos Galaicos: a Gáltia. Este lugar, este Axis Mundi, era um eixo de comunicação entre o mundo dos homens e o mundo superior dos deuses. Mas também era uma volta ao centro, às origens, ao vínculo com os devanceiros e aliás por que isso, neste ponto central celebrava-se o grande Óenach, Oinaikos em galaico) da Gáltia. Citando a Manuel Almendro: “A Óenach representava assim o retorno à unidade original e à recriação da ordem. Servia para manter os simbolismos e o “Status quo”(…).” Era um regresso às origens, ao principio de todas as cousas, uma comemoração e uma representação do acontecimento mitológico que deu origem á sacralidade do lugar. Era um velório ao defunto fundador e as carreiras e competições de jogos funerários. Na Óenach, em presença de reis, nobres e povo em geral, o completo passado mitológico e cronológico da nação era conjurado ao presente pelos druidas (na Gáltia chamados de Durbedes”. Este Ómphalos era Nemetóbriga (Situado em Trives) onde à sua vez convergiam as três grandes confederações: Os Oinaikos dos Ártabroi, dos Gróbioi e dos Austúroi que com a chegada do Império Romano deram lugar aos Conventos (=Oinaikos/Óenach) Lucense, Bracarense e Asturicense.
Em Nemetóbriga deveu existir uma mâmoa fundacional, ao igual do que em muitos campos sacros da nossa terra. Estas mâmoas puderam pertencer a famílias das elites dirigentes. Eram uma referência para justificar o seu poder proveniente legitimamente do devanceiro ou herói fundador. É o caso duma mâmoa fundacional calcolítica de Cela-Nova cuja estela dizia “Aqui jaze Lateron, filho de celtiato” ou mesmo um epígrafe provavelmente vinculado ao guerreiro de Rubiães que diz “Latronus Veroti Filius”: ”Ladron (de Lateronus, que anda ao par do príncipe da treba), filho de Veroto, c.f Proto-celta *U(P)ERO>UERO>VERO “alto”, ”elevado”, ”importante mais o sufixo latino –tus- veja-se comparativamente Uero Breo “Senhor da Alta Casa”( André Pena Granha: Narão, um concelho com história de seu I. pág 38). Temos de ter em conta que as magníficas estátuas galaicas estiveram originalmente sobre grandes mâmoas dizendo: Esta é a nossa terra porque aqui descansam os nossos devanceiros.
E quem será o “herói fundacional” da Gáltia (=Céltia) e dos Celtas (os altivos)? Qual será a origem da linhagem galaica?. Os gauleses diziam ser descendentes de “Dis Pater”. E se os celtas eram os altivos e a Gáltia era a altiva…todos seriam filhos do “Altíssimo”, do “Dis Pater” do senhor da elevada fortaleça, da Bero-Briga da que falam as aras do Facho de Donão. Como diriam os cristãos “todos somos filhos de Deus”.
No Facho de Donão (Cangas do Morraço) acharam-se mais de 170 aras votivas dedicadas a um Deo Lari Bero-Breo ou Bero Breogoco, quer dizer, “O Senhor da Alta Casa (dos mortos)”, o senhor de Bero-briga…a elevada fortaleça. É o deus Hospedeiro, relacionado com a palavra Irlandesa Briugú e que aparece num epígrafe galaico como “Vestio Allonieco” (O Hospedeiro do Além(?)). Mas este deus têm outros epítetos, entre eles Cernunnos. O deus cornudo, soberano do Além. A cornamenta, como a do cervo, é também uma promessa de regeneração, de nova vida.


É, como sustém o prof. André Pena Granha, “O deus do terceiro passo (do sol)”. Mora lá onde se oculta o Astro-Rei, na ilha paradisíaca a onde se dirigem as almas: Tír na nÓg, Tir Na Ambam, Ávalon, Beróbriga...
Lateron dizia ser filho de Celtiato (o altivo) para justificar a sua linhagem e Latronus dizia ser filho de Veroto (o alto, elevado ou importante). É por isso que os celtas, entre eles os gauleses que diziam descer do Dis Pater, eram filhos do “Senhor da Alta Fortaleça” criador da estirpe, da linhagem da Gáltia.
E esse Senhor…Bero-Breo ou Bero Breogoco não é outro que ao que o Lebhar Gabhála Érenn é que se refere como Breogan.
Com razão o Hino galego, escrito por Eduardo Pondal, é que se refere à Nossa Terra como “Fogar de Breogan” ou “Naçao de Breogan”.

 http://www.calameo.com/read/0012929578820193f534d?authid=FfCi9pTFPgnJ

6 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom!

Parabéns!!

David Outeiro disse...

Obrigado,amigo ou amiga.

joseluis cardero disse...

Muito interessante, David. Uma aperta.

David Outeiro disse...

Obrigado mestre¡

kallaikoi disse...

O mapa R1b (Y-DNA)da unha idea da extensión que debeu ter na Europa prerromana o Imperio de Kalekia. De seguro que tamén aparacerán % en todo o norte de África e Asia Menor.

Anónimo disse...

Muito rica a história. ...apaixonada.

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