segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Nom vos imos guardar o segredo.


Crivou-nos a TVG, semanas atrás, com duas campanhas publicitárias: “Guardas-me o segredo?” e “Cuida até o último recanto desta terra”, argalhadas pola Junta e pagas com o dinheiro de todos. Insiste o canal “auto-gnómico” (umha televisom aná para um País de anons) até a saciedade, baseando-se em aquilo de “a por de repetir umha mentira, fai-se verdade incontrovertível”.
Eu, botando mao dum versinho do Pan prós crocodilos (2009), clamo: “nom me andedes mais no país!”. E nom insinuo a interdiçom de vadiar pola nossa Terra, bem ao contrário, parafraseando a hipócrita propaganda institucional, cumpre conhecê-la até o último recanto para poder estimá-la e protegê-la também até o último recanto. Quando imploro que os responsáveis pola gestom cultural e meio-ambiental deixem de “meter as suas sujas maos” é porque já nom se pode aturar mais a impune vulneraçom da nossa integridade.
Falamos, sim, de hipocrisia. Fagam quilómetros, atravessem a Galiza de norte a sul, de leste a oeste. Exceto exceçons, todo ao nosso arredor semelha fruto da improvisaçom, da grossaria e da provisoriedade: a preservaçom da paisagem, a gestom do património, o planeamento urbanístico…
Nom eximo de responsabilidade os particulares, entre os que me incluo. Está nas nossas maos trocar o cancelo “somier” polo de arte em forja, a uralita por telha país, arear a parede de tijolo vista ou inovar a pintura. Porém esta diatribe vai especialmente dirigida às instituiçons (ministérios e conselharias do ramo, deputaçons, cámaras municipais… incluam-se as comunidades de montes), porque elas som, por excesso ou por defeito, as causantes dos maiores estragos, muitos deles, infelizmente, nom emendáveis.
O referido spot em que o “Padre Casares” exorta os fiéis para teimarem no cuidado do meio é um insulto à inteligência. Cada qual vive onde pode e como pode. Se o dinheiro nascesse abaixo das telhas, a ninguém poria medo enfrentar a aquisiçom e manutençom do paço Baiom ou do castelo de Soutomaior. Cada qual dispom a sua vivenda segundo as suas possibilidades e o seu entendimento -e ainda bem que se tem onde se guarecer-, mas se as autoridades fossem estritas na prescriçom dumha congruente normativa de construçom e reabilitaçom dos imóveis, outra seria a realidade do nosso país, devastado pola praga do feísmo. Falamos de onde, que e como construir. Falamos de nom transigir, ainda que isto suponha a perda dum manhuço de votos.
As distintas administraçons nom som modelo nem referentes de nada. Eu acuso a autoridade de dilapidar (”gastar o dinheiro em cousas inúteis”) a nossa riqueza. Eu acuso a autoridade de nom cuidar até o último recanto desta terra.
Durante a era Fraga, a anarquia imobiliária atingiu quotas de perfeiçom nunca vistas. O mausoléu do monte Gaiás (Compostela), pomposo epitáfio político do de Vilalva, glosa à perfeiçom quanto se valoriza o nosso acervo, desde o momento em que se atribui mais releváncia ao continente do que ao conteúdo. Apesar do evidente, todos os partidos políticos dixérom amém ao fastoso pendelho. 
Na mesma linha, o traste que, na atualidade, se constrói para abeirar -eu diria assovalhar- a anta de Dombate (Cabana de Bergantinhos), ou o galpom que pretende interpretar -eu digo ocultar- a citánia de San Cibrao de Lás (Santo Amaro) podem-se incluir, à perfeiçom, nesta desafortunada listagem de desatinos.
Derrogam-se as leis que mal protegiam o nosso litoral para o deixar, definitivamente, a mercé dos especuladores: ar para a bolha imobiliária. Investem-se inquantificáveis somas de dinheiro em obras de duvidosa ou redundante utilidade. Vejam por exemplo o acontecido com o castro da Ponta de Muros (na Corunha), onde as obras do denominado porto exterior -gémeo do de Ferrol-, destinados a apanhar quanto Prestige sulque o nosso mar, destruírom sem remissom e pola calada um depósito castrejo da Idade do Bronze, excecional na sua cronologia, arquitectura e funçom. Neste malfadado assunto, todas as administraçons estivérom e estám envolvidas.
Nengum espaço natural, por muita figura de proteçom que se lhe atribuir, está isento de padecer a pouta da desmesurada obra pública e privada: vias de comunicaçom quadruplicadas (eixo Ponte Vedra-Vigo), pedreiras abertas em parques naturais (Ancares, Courel), parques eólicos e aquícolas na Rede Natura (Serra do Cando, Serra do Candám; Tourinhám…), turismo sobredimensionado no parque nacional (Ilhas Cies), atomizaçom das zonas industriais (Forcarei, Cerdedo…), rias poluídas, rios inçados de hidroelétricas, pirófito monocultivo florestal…
Eis, perante os nossos olhos arregalados, a conjunçom da ignoráncia, da soberba e da perfídia; o triunfo assovalhador dumha ars politica dimanada do complexo de inferioridade e substanciada num arteiro proceder etnicida.
Os exemplos enumerados som os mais conhecidos, já que pola sua transcendência atraem, em maior ou menor medida, a atençom dos media mas, assim que aplicamos o zoom, a casuística medra em progressom geométrica.
Com o zoom bem esticado, em Cerdedo (Terra de Montes), quando alguns ainda nom bem assumimos a desfeita eólica do monte do Seixo, já se pensa em instalar mais martabelas no vizinho monte de Quireza. Dou por feito que, como aconteceu no Seixo, os estudos de impacto ambiental e arqueológico serám águas de bacalhau. Quem cala outorga.

Calros Solla é professor

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O fracasso do Imperialismo fracassado


Por José Manuel Barbosa


Visto o percurso do acontecer imperialista espanhol e o seu fracasso, podemos tirar umas conclusões e reconhecer umas causas de tão má gestão histórica da Espanha. As causas do fracasso histórico espanhol foram:
·A intolerância tanto religiosa, nacional e étnica que levou ao confronto, e portanto, em muitos casos, à perda de territórios e ao desastre económico.
·O centralismo, que gerou uma má gestão e a uma deficiente administração do império, razão principal argumentada pelos que se revoltaram contra a Espanha.
·A corrupção foi consequência do centralismo e ajudou a conscientizar muitos povos da incomodidade de ser governados por espanhóis.
·Embora o centralismo tenha sido forte, o imobilismo da administração e a posse dela por mãos interessadas vinculadas ao poder e alheias aos interesses das nações submetidas, favoreceram a desordem, o que, unido ao centralismo, empeceu a administração dos países, que, por si próprios, teriam sido mais prósperos e ordenados.
·O uniformismo castelhanizador tem sido mais outra razão do conflito. A impossição cultural da língua, leis, e costumes castelhanas a povos que não aceitaram o assimilismo, ajudou no posicionamento anti-espanhol. A falta de respeito às particularidades nacionais faz com que o conflito seja fácil e o confronto bélico seja visto como uma saída possível para preservar a idiosincrasia dos povos agravados.
Portanto as conseqüências de todo isto foram:
·Confrontos sangrentos com nações de dentro do império que se viram impulsadas à independência ou a revolução por não existir possibilidades de convivência.
·Confrontos com outras potências imperiais, melhor organizadas e com uns imperialismos mais inteligentes, que engrandeceram os seus territórios coloniais ou imperiais à conta da Espanha.
·As soluções aos problemas em que se viu a Espanha sempre foram ofensivos e agressivos, o qual, longe de solucionar os conflitos, ainda os complicavam mais. Exemplos: A matança de São Bartolomeu contra os neerlandeses; ataques à França e a outras potências no começo da Guerra dos Trinta Anos que acabou com a hegemonia espanhola na Europa e com a perda de muitos territórios; centralismo de Olivares que gerou as revoltas de Catalunha -que acabou perdendo o Rossilhão- e Portugal que consegiu a independência.
·A Espanha, pelo facto de expansionar-se passando por acima de povos e nações, viu o seu futuro complicado pelos chamados, com terminologia de hoje, “conflitos nacionalistas”, que ela desprestigiou e que ela provocou, sendo o pior nacionalismo de todos o nacionalismo espanhol que resultou sempre agressivo, e não os outros que só foram defensivos.
·Os melhores contributos, para a emancipação dos diferentes povos, foram essas características espanholas das que falamos acima: a intoleráncia, o centralismo, a corrupção, a desordem e o castelhanismo cultural e lingüístico.
Afinal, vemos que o que nos séculos XV e XVI surgiu como um poder imperial de projeção inter-continental, com mais territórios do que nenhum outro no mundo, nem na história, acabou sendo um Império de segunda que ficou só com os territórios Ibéricos, excepto Portugal, -que sempre figurou nos seu planos-, Gibraltar, -ainda británica quando se escreve este trabalho, e que seguirá sendo muitos anos mais-, e Andorra; além do mais, conta com os territórios das ilhas Baleares, as ilhas Canárias e as praças de Ceuta e Melilha, assim como pequenos ilhéus mediterráneos entre Andaluzia e Marrocos.
Toda a história da Espanha, entendida como tal, tem sido a história dum ente intolerante que pretendeu assimilar todo aquilo que fez seu para a “Castilian way of life”, sendo as suas principais armas: a religião católica, pela qual surgiram problemas em Centro-Europa, contra o protestantismo e que foi utilizada como médio de repressão, mercê da Inquisição; também a religião foi a excusa para submeter América e transculturizar civilizações inteiras, muito superiores em algumas cousas concretas, do que a “Civilização Superior” que os espanhóis quiseram e seguem querendo deixar como herança à humanidade.
Outra arma foi o exército, elemento que entrou em jogo quando qualquer país que ficasse em desacordo com as pretensões imperiais manifestasse a sua vontade real de não participar no projeto imperial espanhol, o que sempre foi obrigatório para todos os súbditos dos diferentes e católicos reis espanhóis. A submissão, a ordem, a paz e o normal desenvolvimento do processo castelhanizador ou espanholizador, foi sempre garantido pelo exército, que segue mantendo hoje esse labor, como garante o artigo 8.1. da Constituição espanhola de 1978, que faz que o próprio povo não seja tão soberano, que não poda impedir um pronunciamento militar perante uma situação, que qualquer outro Estado como por exemplo o Canadá ou a ex-Checoslováquia não tenham podido solucionar por via pacífica, democrática e civilizada.
Por fim, o terceiro elemento de assimilação é a língua castelhana ou espanhola, à qual lhe esteve e lhe estão garantidos todos os seus direitos, enquanto às que concorrem territorialmente com ela lhe são negados os mais básicos. Ultimamente, na segunda metade do século XX a língua vê-se rearmada com os meios de comunicação audio-visual, mesmo nos últimos anos com a ideologização dos mesmos, marcando linhas de opinião que são adoptadas pelas pessoas menos preparadas culturalmente e mais fáceis de manipular.
Aliás, percebemos no percurso da história política do espaço territórial peninsular que hoje chamamos Reino da Espanha, uma sucessão de momentos conflituosos originados por uma situação anterior de intolerância que à sua vez teve a sua origem numa crise provocada por alguma perda territorial. A atidão centrípeta tem como contestação a ação centrífuga. Isto podemo-lo demonstrar centrando a nossa atenção nos seguintes momentos históricos:
A política imperial de Filipe II traz como conseqüência a guerra de Flandres. Seguidamente o debilitamento hispânico dos Áustrias menores traz o ideal centralista do Conde-Duque de Olivares que provoca tentativas de separação em Catalunha e Portugal, além de noutros territórios da península, mesmo em Andaluzia ou Aragão. Portugal logra a independência e Catalunha perde o Rossilhão. Estas guerras debilitam o poder hispânico que junto com a decadência física dos últimos Áustrias trazem como resultado a guerra de Sucessão, pela que têm que pagar com os Países Baixos do Sul e a Itália espanhola, Menorca, Gibraltar e territórios americanos.
Uma vez instalados os Bourbons impõe-se a Nova Planta e assentam o novo poder, mas com isto chega a crispação até as Américas que aproveitando a entrada dos franceses na península proclamam as suas independências. Como resposta a Espanha constitue-se em reino unitário e mais centralista, provocando à sua vez o surgimento das primeiras forças políticas que defendem os, chamados por eles, “nacionalismos periféricos”. Com a perda de Cuba, Porto-Rico e Filipinas, o nacionalismo espanhol cria o regeneracionismo e a reafirmação da vontade de “vertebração da Espanha” que ainda se tenta levar a cabo nos finais século XX e começos do XXI. Nesta linha dialética está o endurecimento do nacionalismo espanhol a final do século XX e a conseqüente reação dos nacionalismo galego, catalão e especialmente basco.
Todo isto fez da Espanha um projeto nacional tremendamente agressivo, repressor e violento, que criou reação por ali por onde passava: Os Países Baixos reagiram a uma imposição religiosa no Norte e económico-nacionalitária tanto no Norte como no Sul; Portugal reagiu a uma imposição económica, institucional, dinástica e de falta de respeito e cuidado com os seus interesses coloniais; as colonias espanholas da Itália e Franco Condado pagaram cara a política imperial espanhola no centro da Europa, vendo-se envoltas en guerras, desastres e mortes, os antes prósperos e pacíficos países; na América o poder espanhol vaziou de indígenas países inteiros e imensas zonas do continente, rebaixando os que ficaram a algo parecido a uma raça inferior; a mesma política de olhar narcisistamente o próprio umbigo posicionou os crioulos, filhos de espanhóis, a libertarem-se da vampírica metrópole que não foi o suficientemente lúzida como para decatar-se de que o abuso não é rendível...
Vê-se com isto que toda perda territorial radicaliza o espanholismo e este posicionamento radical leva consigo a contestação do “nacionalismo periférico” mais maduro do momento. Deduzimos que no momento em que escrevemos estas linhas, a agressividade centrípeta está preparando algo que não saberíamos concretizar por não sermos adivinhos, mas que podemos intuir.
Esta intolerância espanhola, unida à sua incompetência de Império governado por ineptos, à prepotência e à incompreensão para solucionar os problemas que ela própria provocou, foram os argumentos fundamentais de todos aqueles povos que um dia estiveram submetidos e que em todo isso encontraram a razão e a força da sua libertação. Para além de todo isto, quando historicamente têm surgido dirigentes brilhantes, como alguns ilustrados, ou certos progressistas dos séculos XIX ou XX, as forças reacionárias esforçam-se em botá-lo do meio.
Não houve século em que a Espanha não perdesse territórios desde a época de Filipe II. Todos, foram, desde o XVI, séculos de modificação e variações de limites, e em todos os casos o resultado foi negativo, excepto no século XVIII, que foi um século em que, além de perder uns, ganhou outros que mais tarde também acabou perdendo. O processo de contração sistólica tem sido continuo e constante e não temos razões para pensar que esse processo se vaia deter, tanto mais quanto que razões e vontade dentro do atual Estado Espanhol seguem existindo. Não vemos que Espanha mude caracterologicamente, segue sendo intolerante, militarista, prepotente, corrupta, centralista, uniformista e castelhana embora se adapte aos tempos. As causas do seu declive, que foram estas, seguem existindo, e povos agraviados também há. Não somos capazes de predizer o futuro, mas sim podemos dizer que, a seguirmos assim, a Espanha seguirá tendo problemas com os “nacionalismos periféricos”. O que sim desejamos com todo o coração é que esses problemas se solucionem em paz, em harmonia e civilizadamente.
As conclusões que podemos tirar a respeito do percurso histórico que atinge à Galiza na sua relação, primeiro com a Coroa de Castela e posteriormente com o Reino da Espanha é o seguinte:
A Galiza sofreu e sofre intolerância nacional e étnica manifestada em todos os ámbitos do seu ser: no económico, no sócio-político, no histórico-cultural e lingüístico e no psicológico, como se leva demonstrado. Só há que ter curiosidade para ler história. O etno-centrismo castelhano-espanhol tem incidido e incide muito negativamente não só no espiritual, mas também no material, pois a corrupção é o normal na nossa vida política por causa da sua dependência, e com isto não falamos duma corrupção na mesma medida que se pode dar em qualquer sociedade civilizada e progredida, não, falamos do caciquismo, fenómeno tipicamente galego favorecido pela situação política excentrica do nosso país, mal histórico e endémico da Galiza que não se dá em outros contextos nacionais ou estatais da Europa Ocidental, embora sim da América Latina ou África; o imobilismo da administração do Estado tem sido e é obstáculo para o nosso desenvolvimento, pois não só não ajuda ao nosso progresso, mas também impede que nós o façamos pela nossa conta; o uniformismo do que falava Castelão no seu Sempre em Galiza e a imposição das leis, língua e cultura procedente do Centro e Sul peninsular e um facto, assim como a falta de respeito ao que é genuinamente galego com o argumento de que todos somos espanhóis...
A Galiza sofreu no seu corpo os confrontos sangrentos aos que a Coroa de Castela e/ou posteriormente o Reino da Espanha ou Republica espanhola a levou, embora não estiver de acordo com eles. Os galegos têm sido historicamente carne de canhão, mesmo contra os seus próprios e legítimos interesses, mesmo, até, em alguns conflitos como a francesada a começos do Século XIX contra o Império Napoleónico, no que a Galiza lutou pela Coroa Hispânica desde a sua independência e com exército próprio como Reino de Galiza por não existir poder central para que finalmente os monarcas não lhe deram nem o pão nem o sal.
Ali onde a Galiza decidiu rebelar-se contra o poder do Estado, ali foi esmagada pelo mesmo, sofrendo o agressivo nacionalismo espanhol; sofreu empobrecimento cultural e o impedimento de enriquecer-se e tornar-se prospera por não poder tomar contato com outras culturas europeias por causa da intolerância religiosa dos Áustrias e dos Bourbons; sofreu o exercito espanhol em épocas tão próximas como no 1936-1939, por não falar de épocas anteriores mais afastadas no tempo e na memória mas não por isso menos selvagens. Todo o acontecer da história da Galiza desde o momento em que se integrou na Coroa de Castela, e o que logo foi a Espanha, tem sido um brutal e histórico desprezo que tem levado à Galiza à humilhação e à progressiva perda da autoestima
E todo isto, porquê?
Achamos que se deve ao medo, também histórico, que o poder espanhol de signo castelhano nos teve e nos tem, devido à força da personalidade da Galiza que mesmo concorreu com Castela por um projeto nacional e que no pior dos momentos nunca se deixou assimilar facilmente, assim mesmo deve-se ao medo à reação duma Galiza organizada e consciente de si própria. Isto vem reafirmado pelos seguintes factos:
* A Galiza perdeu a sua independência em 1230, muitos séculos antes do que outros territórios peninsulares que perderam a sua identidade política no século XVIII, e mesmo passou uma época histórica, de fins do XV até o XIX e mesmo até hoje, em total e absoluto silêncio, sem nada que dizer como povo e no entanto a Galiza ainda existe hoje como nação. Esses outros povos, como Aragão, por exemplo, não têm hoje personalidade nacional diferenciada e original ou não têm a força partidária nacionalista como a tem Galiza, embora conservem a sua personalidade nacional, como Valência, ou mesmo legal-institucional, além de nacional basca como Navarra. Se compararmos relativamente e não absolutamente a situação nacionalitária da Galiza com a da Catalunha, que perdeu a sua personalidade política recentemente e não teve nenhuma época histórica paralela ou semelhante aos nossos Séculos Obscuros o resultado poderia ser favorável à Galiza que perdeu a sua personalidade política há quase oitocentos anos, e o cultivo da sua língua no seu território há aproximadamente cinco séculos.
*De perdermos a nossa língua, signo e símbolo absoluto de nacionalidade, temos a possibilidade sempre real de recuperarmo-la via português. Daí a vontade proveniente do poder de diferenciarem galego e português, para que não fique consciência de identidade e impedirem de todas as formas possíveis a regeneração e a recuperação.
*Portugal é originariamente um retalho da Galiza, como diz o Castelao, e produto histórico do projeto nacional galaico, dizemos nós, portanto, um Estado independente fruto do nosso génio nacional ao qual podemos e devemos recorrer em caso de necessidade, uma vez salvada a situação de adormecimento que Portugal tem a respeito da Galiza e ao invês e da qual só nós nos podemos tirar. Essa necessidade de Portugal não só é válida do ponto de vista lingüístico-cultural mas também do ponto de vista político e essa é uma vantagem que não têm bascos nem catalães. Portanto, o nacionalismo galego entendido na sua plenitude é muito mais incómodo para o projecto nacional panibérico de signo castelhano do que o basco ou o catalão, daí a estratégia do desprezo e do ocultamento histórico, de ignorarem-nos na sua história oficial.
*A Galiza não está morta, vive, resiste e manifesta-se, pelo qual o sentimento de medo que o centralismo historico manifesta com a reação dos partidos políticos espanhóis contra o nacionalismo galego gera mais injustiça contra a Galiza e sentimento de agrávio nos galegos, e isto devém em consciência, que o Estado tenta frear com as armadilhas oportunas facilitadas pela posse do poder, mas sabemos que toda ação tem a sua reação, e a mais ação contra a Galiza mais reação criará esta por necessidade.
Todo isto leva-nos a uma conclusão final: A pertença da Galiza à Coroa de Castela primeiro e ao Estado Espanhol posteriormente, este herdeiro da primeira, não leva sido beneficioso para o nosso país, nem pouco, nem muito, veja-se do ponto de vista que se queira, nem antes, nem agora, portanto achamos que é normal que na Galiza exista uma reação necessária contra essa situação de agrávio histórico que se vem dando na Galiza desde o século XIX com o nome de galeguismo, ou nacionalismo desde o começo do XX, algo que não é estranho nem inesperado num povo que se tem de defender duma situação de desprezo moral, de empobrecimento económico e cultural e de humilhação. Assim, a finalidade desse nacionalismo galego é em princípio a finalidade de qualquer outro “nacionalismo periférico” do que tenhamos falado neste trabalho, isto é, a recuperação da autoestima, do orgulho de sermos quem somos sem desprezo de nada alheio, a recuperação das rédeas do nosso destino, da memória histórica, da liberdade para caminharmos onde nos convier ao lado do resto da humanidade com a qual conviver em paz e harmonia, a capacidade para fazermo-nos respeitar como povo e a capacidade de conseguirmos um desenvolvimento e uma prosperidade digna de qualquer ser humano, o enriquecimento humano, espiritual e mental e a integração dentro da humanidade como povo criador, positivo, solidário e aberto.
Sabemos porém que o atual Estado Espanhol tem uma tradição imperial da que não se tem livrado ao dia de hoje; uma tradição de intolerância e imposição historicamente demonstrada que nos ajuda a pensar que essa reivindicação que temos feito acima é totalmente subversiva e atentatória contra o projeto nacional que o primitivo Condado de Castela se marcou a si próprio no momento em que se independizou da Coroa Galaica com o fim de sobrepor-se a todos os territórios da península, por isso usou, usa e vai usar todo nas suas mãos para impedir algo tão justo como o que acima propusemos. Por isso a Galiza tem duas saídas:
a) A consecução dum Estado plurinacional onde todas as nações incluídas tenham a capacidade e o poder da autorrealização e onde qualquer cheiro a imposição de uns sobre os outros ou de imperialismo insolidário fique anulado.
A contrapartida é uma lousa histórica a respeito da nação central peninsular com uma trajetória no percorrer do tempo que não favorece a confiança, e aliás, uma situação legal e uma praxe política atual que também não ajudam porquanto parece que não vão mudar no futuro próximo.
b) A mesma saída que tomaram Flandres, Portugal, os países americanos, etc.
Finalmente diremos que a Galiza existe, resiste e persiste na sua dignificação e a sua libertação o qual, independentemente de como fique o nosso país ao final do processo, faz pensar que a Espanha segue a opositar, como leva sido a tónica de toda a sua história, para seguir sendo, também a respeito da Galiza, um imperialismo fracassado.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Marcial de Passarim


Autor: José Manuel Barbosa
Quando o Marcial teve notícia de que tinha de ir à guerra pensou que ia morrer irremediavelmente, pelo que pensou em deixar um bom recordo em Passarim para que todo o mundo soubesse quem era ele muitos anos mais tarde. Não se lhe ocorreu outra cousa mais do que deixar sem teitos todas as casas da aldeia. Telhados de colmo ou de telha, tanto fazia, nem um ficou são.
Elvira, a sua mulher, quando se inteirou de que o seu homem ia ir à guerra, disse “Que é a guerra?”. O seu pai, o papai Camilo, respondeu que era uma peleja a tiros na que morrem muitos homens, como foi a de Cuba. Elvira, grávida de um mês sentiu-se desfalecer quando soube que não ia ver mais ao seu homem, e que iria ficar sem o seu apoio durante a gestação. Tentou convencer ao seu Marcial para que não fosse a semelhante lugar. A quem se lhe ocorre ir buscar o mal pela mão?. Mas quando soube que se não ia por própria vontade, a própria Guarda-Civil, que teoricamente é quem nos protege dos malvados, matá-lo-iam por não querer ir, quase toleia. “Mas não estão para nos ajudarem”? comentou sem acabar de perceber bem o assunto.
Aquela noite houve que agarrá-la para evitar que não impedisse a marcha do Marcial. Ele tinha que estar às seis de manhã em Chantada, se não, viria a Guarda-Civil buscá-lo, mas pouco antes dispus-se para deixar os teitos nus
Assim foi. Comeu e bebeu até a total fartura. Depois oculto nas sombras da noite botou um par de horas a andar pelos telhados a quebrar o colmo das palhaças de Passarim e deitar as telhas das casas. “Hei de morrer, -disse- mas vão lembrar sempre o Marcial”.
Depois da falcatruada foi para a casa onde estava a Elvira chorando e berrando com ele convencendo-o de que não fosse de que melhor poderia ser fugisse ao monte. O Marcial não queria ser um perseguido e colheu o necessário para viajar a pé uns quantos quilómetros até a Comandância da Guarda-Civil de Chantada onde chegou sem dormir por volta das 6:00 da manhã.
Em Chantada Marcial foi recrutado e mandado para Marrocos onde esteve uns dias antes de voltar à península onde também percorreu muitos lugares que não pensara nunca que existiam. Não percebia como podia haver gente em lugares sem árvores, chairos, onde a terra não dava nada em absoluto, onde o calor dava sede e não havia uma miserável fonte onde poder molhar os lábios. Sei-que lhe chamavam Castela, àquilo.
Pela sua experiência com os animais puseram-no com um cavalo para repartir a comida entre os soldados da força de choque que eram os que melhor podiam matar vermelhos, cousa que também ele devia fazer. “Matar Vermelhos!?. Como vou matar vermelhos se eu nunca vim ninguém vermelho!. E como vou fazer isso se a mim nunca me fizeram mal!?” - Pensava Marcial - “Eu sei que existem os pretos ... em Cuba, e os mouros em África, que também são um bocado pretos... mas, Vermelhos?”. Era o pensamento que viajava pela sua cabeça embora não se atrevesse a perguntar porque aqueles militares que governavam a sua vida, borrachos, violentos, malfalados, putanheiros e que falavam espanhol, podiam dispor da sua vida e matá-lo como se fosse um animal da corte. Tinha muito claro que enquanto ele pudesse demorar o momento de topar-se com uma bala de caminho, melhor.
Levaram-no de cá para lá, viajando as vezes no carro do exercito, outras vezes a pé. Passou muitas batalhas e safou como pôde em cada uma delas. Todos os dias os seus mandos falavam dos vermelhos e diz-que deviam ser muito ruins porque roubavam o ouro de Espanha, matavam os curas, eram ateus e queriam quebrar a unidade da pátria.
Tal como o diziam, semelhava que todo aquilo devia ser grave. Roubar o ouro de Espanha!?. Isso não o ia consentir. Ele próprio tinha uma mó de ouro que lhe custou muito cara. Não ia consentir que nenhum vermelho lha roubasse... Matar aos curas!? Pobre Padre Felisindo, o cura de Temes, que foi o que o ensinou a falar um pouco em espanhol e lhe dava figos quando era pequeno. E isso da unidade de pátria que é onde vives, onde trabalhas, onde tens a família??... como ia consentir ter que passar uma fronteira entre Passarim e Ourense!. Depois dir-se-ia que ele era estrangeiro em Ourense!!!... E o de ateus?. Deus me livre!. Por todo isso os vermelhos não deviam ser muito bons. Seriam vermelhos porque o diabo também é vermelho e quiçá ... estejam emparentados.

Marcial seguia viajando. Conheceu lugares e batalhas como Brunete, Madrid, etc, e conseguiu não fazer um só tiro contra ninguém. Nem contra os vermelhos, pois o Padre Felisindo sempre lhe tinha dito aquilo do “Não matarás” que era lei. Por certo! porquê matavam os seus mandos se eles eram os que diziam defender a religião?
Isso foi um grande mistério que nunca chegou a compreender. Havia algo errado em tudo isto.
Um dia de neve teve a obriga de levar comida entre os soldados da trincheira, que depois de horas e horas metidos ali necessitavam repor energias para poderem com os vermelhos que estavam a poucos metros deles acejando e aguardando o momento para tirarem-lhe o ouro das mós ou pôr uma fronteira em qualquer lugar...Ainda que aquilo não lhe semelhava muito a “Espanha”. Diz-que lhe chamavam Teruel e como o Padre Felisindo dizia que a pátria é o lugar onde vives, onde trabalhas...Aquilo não devia ser Espanha porque era muito diferente a Passarim onde há regos com água, vacas, leiras pinas, árvores e casas.
Marcial viu que lhe caia a noite acima e tentou procurar um lugar acolhido onde poder passar a noite. Depois de percorrer o monte topou-se com uma cova à que se achegou. Parecia que havia alguém dentro pois uma cativa luminescência de fogo ardendo fez-lhe crer que haveria ali um pequeno grupo de companheiros também perdidos que se acolheriam naquela espelunca á espera da luz do dia. Marcial seguiu-se achegando, e quando estava a poucos metros alguém saiu da cova com uma arma na mão. Marcial pensou. E se era um vermelho?.
- Alto aí - disse o homem - Achega-te com as mãos na cabeça e vai devagar - terminou em perfeito espanhol
Marcial cheio de medo avançou, mas o homem não parecia um vermelho... um bocado louro sim, mas o que se diz vermelho, vermelho... não era. Mais do que vermelho...roxo. Sim, roxo, como era o próprio Marcial.
- Passa dentro da cova.- ordenou -.
Marcial obedeceu e viu dentro da cova mais dous homens.
- Como te chamas? - disse um deles lançando um cigarro longe com um hábil jogo de dedos -.
- Marcial, Marcial de Passarim - contestou com medo-.
- Que te leva por estes lugares? - perguntou outro -.
- Pois, procurava um lugar onde dormir. Vinha a noite e os meus estavam longe...- contestava enquanto o que o recebeu revistava as suas roupas vendo que estava desarmado -.
- És galego, eh ? - respondeu o terceiro de forma afetuosa -.
- Pois sim - contestou Marcial querendo responder afetuosamente também -.
- Pois nos somos asturianos, e como podes ver somos o que vos chamades “vermelhos”.
Esta conclusão fez com que os três botassem a rir de primeiras, mas uma vez o Marcial se deu conta de que estava entre “inimigos” ficou frio, começou a suar e a lhe tremerem as pernas. Ainda assim reparou neles e comentou:
- Mas, se vos sodes brancos como eu! - os republicanos asturianos botaram-se a rir compreensivos-.
- Senta connosco - disse o do recebimento colhendo-o polo ombro com afeto
- Comiche algo? - continuou à vez que lhe passava uma tarteira com comida -
Marcial comeu e falou com aqueles "vermelhos" tão amáveis, perdendo o medo pouco a pouco, passando o tempo, rindo e contando-se as suas vidas. Chavam-se Xuacu, Lluisin e Valente. Sabia-o porque lho tinham dito no meio da conversa e eles mesmos lhe ensinaram que os seus nomes estavam escritos no peito das suas camisas bordados pelas suas namoradas, como mais tarde comentaram. Marcial não sabia ler, mas observou as letras do cosido da camisa com interesse.
Ele não sabia que os vermelhos eram pessoas com famílias, com esperança, humanos, como ele. Com eles descobriu que quem começara aquela absurda guerra não foram os que se creia, que tinha sido cousa da política. Isso veio confirmar-lhe a ideia de que o alcaide de Carvalhedo, ao qual pertence Passarim, nunca lhe parecera boa pessoa. Sempre detrás da gentinha para que o votassem. Para que pudesse continuar mandando neles e para se fazer rico enquanto em Passarim todo o mundo tinha de trabalhar as leiras para comer.
Marcial acreditou naqueles “vermelhos” e realmente não pensava que alguém que fosse o seu inimigo pudesse compartilhar com ele umas lentilhas, chouriço e vinho. Alguém tinha que ter-lhe mentido sobre muitas cousas. Aqueles asturianos republicanos não podiam ser maus, pensou, à vez que já cansados de falar e rir acabaram dormindo todos ao calor daquela fogueira acolhedora que os livrava do frio extremo do exterior.
De manhã, Marcial despediu-se dos seus amigos e marchou rumo do lugar onde ficaram os seus companheiros. Caminhou bastante tempo. Como umas duas horas até que por fim deu com eles. Parecia que ninguém achara em falta Marcial. Algum, mesmo, lhe comentou com total indiferença que pensara que tinha morto às mãos dalguma patrulha republicana. Todos viam todo do mais normal e Marcial não tinha pensado soltar nem um chio para não descobrir os seus amigos asturianos. Todo voltou à normalidade.
Poucos dias depois, Marcial teve a ordem de repartir alimentos na frente onde aqueles dias se estava a levar a cabo uma forte ofensiva contra as posições inimigas. Os tiros eram contínuos, as bombas estouravam continuamente e às vezes perto donde ele estava. Os mortos e os feridos cresciam de vez em vez e a cruz vermelha tinha trabalho extra. Por duas vezes dous estoupidos caíram a poucos metros do Marcial ferindo a gente conhecida dele. Um, após o impato, berrava sem uma perna, cheio de sangue escorregando pelo rosto, a roupa e as mãos; outro morto com gesto de medo e dor, e outro caíra após receber um troço de metralha no corpo para morrer, sem fala, dali a uns segundos alçando os braços para que o ajudassem.
Marcial aquele dia ficou terrivelmente fundido, deprimido e canso. Quando acabaram os combates e já pela noite, quando os seus companheiros riam, bebiam e cantavam ao redor do lume celebrando a “Vitoria” contra as tropas republicanas que defenderam aquele lugar viu algo que o deixou frio e mudo. Ele não queria saber nada de divertimentos com os companheiros até que tomando um pouco de café num lugar afastado do ruído que faziam os soldados, viu como vários falangistas traziam três corpos atados de pés e mãos a um pau como javalis ou veados vindos de caçar. Marcial alertado creu reconhecer aqueles corpos e botou a correr cara a eles. Os camisas azuis riam e juravam contra aqueles mortos e Marcial a poucos metros deles ficou sem respiração. Nas suas camisas apareciam bordadas aquelas letras que ele não sabia ler, mas pôde reconhecer sem qualquer dúvida os bordados nas namoradas do Xuacu, do Lluisin e do Valente. Não se podiam reconhecer pelo rosto desfigurado pelas feridas, a deformação e o sangue. Aqueles eram os “vermelhos” tão amáveis que o ajudaram quando estava perdido. Eram os seus amigos. Marcial jurou para si próprio que ainda que o obrigassem não ia matar nunca ninguém por muito republicanos e vermelhos que fossem. Marcial botou muitos dias a chorar, mas também, felizmente, nunca ninguém aqueles dias lhe ia perguntar porque chorava. Todo era dor ao redor, para todos. Havia razões para não estarem felizes, mas ele também não ia responder com veracidade.
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