Para a maior parte da gente falar na Atlântida é como tratar um tema baseado na irrealidade, afastado do concreto e de pouca utilidade historiográfica, mas uma narração que nos surge lendo os “comentários” de Platão, que ele próprio qualifica de “verídico e longe do mithos” deixa caminho aberto à curiosidade e evidentemente à investigação. Isto vem acrescentado por ser motivo de possível investigação no que diz respeito do mundo atlântico e os vínculos, que como galegos temos ou deveríamos ter, históricos, económicos, culturais e étnicos com ele.
A Atlântida foi uma terra insular situada para além das Colunas de Hércules (o estreito de Gibraltar), no Oceano que leva o seu nome: Atlântico, sendo submergida ha 11.600 anos (9.000 na época de Platão) por um grande terramoto e um posterior tsunámi.
Platão fala dela no seu “Timeu ou a Natureza” e no “Crítias ou a Atlântida” assegurando que existiu realmente e cujo conhecimento veio dado pelos sacerdotes da cidade egícia de Sais a Solon e este ao avô do próprio Platão quem à sua vez lho narrou ao seu neto, o escritor e filósofo de quem estamos a falar.
A sua capital era Atlântis, fundada pelo Atlas, filho de Clito e o deus Poseidon o qual para proteger à sua amada rodeou a cidade de dez anéis circulares de água e fossos aquíferos. A ilha era rica em ouro e minerais e chegou a construir um império que ocupou grandes partes da Europa, África e América, mas a sua corrução fez com que os deuses provocassem uma grande catástrofe natural que acabou afundindo-a sob as águas do oceano ficando dela só a memória que o tempo transformou em lenda.
Esta ideia foi mantida como real por muitos autores da antiguidade como Estrabo, os dous Plínios, Teopompo, Diodoro Sículo, Cláudio Eliano, Eustácio ou outros que não nomeio por ser a lista grande. Eles diziam possuir informação textual e documentos históricos dos que se falava da ilha, o problema é que a maior parte da informação pôde ter sido perdida com a biblioteca de Alexandria.
Também os humanistas do quatrocento italiano recuperaram a ideia, esquecida na Idade Média, apanhada posteriormente pelo espanhol López de Gomera que impulsionou de maneira importante a procura de terras no ocidente atlântico em épocas de descobrimentos ou mais hodiernamente por Ignatius Donnelly, inteletual e político liberal norteamericano do século XIX que pela sua defesa do voto feminino, o seu posicionamento contrário à escravatura, favorável a um incipiente ambientalismo ecologista mas também pela sua curiosidade e apertura de mente em temas científicos foi qualificado de radical perigoso.
Todos estes autores procuraram uma ubiquação mais ou menos central dentro do oceano Atlântico embora em 1950 com o surgimento da teoria da deriva continental por causa das placas tetónicas a ideia vem-se abaixo invalidando a existência duma massa continental entre a Europa e a América.
Esta lenda ou suposta história é familiar para muitos povos e etnias do mundo que falam em cidades submergidas por um grande cataclismo marino. Alguns povos ameríndios falam disso: aztecas, máias, mapuches...mas sem irmos muito longe temos aqui na Galiza as lendas da cidade de Antioquia na Lagoa de Antela, antes chamada Lago Béliu ou Beão; a cidade de Valverde de Lucerna na Lagoa da Seabra; a cidade de Doninhos perto de Ferrol; a cidade de Béria sob a Lagoa de Cospeito; a cidade submersa da Lagoa de Macide, perto do Carvalhinho; outra na Lagoa de Traba; na Lagoa de Lucença, etc...
Mas também para mais ao Norte do nosso País, na Bretanha armoricana temos a lenda da cidade de Ys ou Is a qual também foi assolagada por ser uma cidade por baixo da linha costeira e afastada por diques que não puderam conter o mar um malfadado dia. Acrescentariamos a cidade assolagada da Baia de Cardigan, em Gales; a cidade submersa do lago de Lough Neagh em Irlanda; a do Reino perdido baixo as águas de Lyonesse em Cornualha...
Na maior parte destas lendas a protagonista feminina acaba convertendo-se em sereia. Ela é a que causa o mal à cidade pelo seu comportamento incorreto alheio a toda norma moral que traz a desgraça perante as tentativas do seu pai, o Rei.
Também em todas elas há uma história similar de castigo divino aplicado contra a ilha porque esta usava no seu governo a corrução ou como falavamos antes a corrução nos comportamentos morais de algum ou alguma das protagonistas, o que gera uma ação divina de limpeza perante esse pecado ou a falta de retidão dos seus governantes.
Todos estes elementos cristianizados com o tempo são os que chegam aos nossos dias, ocultando elementos pré-cristãos que nos fornecem duma informação de muito interesse para o tema que nos ocupa e nos dá a conhecer um denominador comum que estimula a nossa curiosidade e nós leva a conclusão de que algo deveria de ter acontecido porque não seria lógica tanta coincidência se não tivesse existido algo realmente. O problema é a falta de dados suficientes que nos levem ao conhecimento da realidade.
Quero lembrar, falando nestas cousas, a conferência do nosso amigo Manuel Díaz Regueiro em Março do passado 2010 em Ourense falando sobre o “Labirinto Atlântico”. Nele falava como tema central nos petróglifos na Europa e a sua expansão desde a Galiza para o resto do continente.
Comentava Manuel entre outra cousas que durante a última era glacial o mapa da Europa incluía umas Ilhas Britânicas unidas ao continente do mesmo jeito do que o Rio Reno se prolongava pelo canal da Mancha paralelo às atuais costas de Inglaterra e França. Os rios Sena, Escalda e o Tâmisa, eram afluentes desse Reno que teria a sua foz em algum lugar entre a atual Cornualha e a Bretanha num imenso delta tão grande como o do Amazonas ou o do Nilo.
Manuel Regueiro insinuava que os petróglifos espirais tinham uma forma muito parecida à Atlântida rodeada de vários anéis de água e terra e fossos aquíferos. Comentava o nosso amigo que mesmo poderiam ser uma representação mitológica, idealizada dum evento de lenda que poderia estar na cabeça dos europeus daquela altura histórica e ainda de alguns povos americanos que herdaram essa tradição hagiográfica que perdurou em pedra até os nossos dias.
Do nosso humilde ponto de vista, se em algum lugar pôde ter estado a Atlântida, esse lugar teria sido a parte da Europa submersa pela subida das águas após a última glaciação. O lugar é para além das Colunas de Hércules como tinha dito Platão embora pensemos que não é rumo ocidente, mas rumo Norte.
O tamanho desse território seria continental e as terras seriam o suficientemente baixas como para se irem submergindo segundo os gelos se derreterem. É fácil pensar que alguns lugares supostamente habitados dessas regiões se protegeriam com grandes diques adequados à época histórica e à tenologia do momento, mais ou menos como hoje se protegem os chamados Países Baixos, mas qualquer problema natural poderia facilmente provocar uma catástrofe e isso ficar na memória da humanidade como algo digno de ser lembrado de muitas formas.
Se analisarmos a palavra Atlântis e desde o nosso pouco conhecimento que podemos ter destas cousas, vem-se-nos à cabeça uma união de três desinências: Art, Land e Is ou Ys. Todas elas explicáveis desde as línguas celtas:
- “Art” está presente na palavra “ARTOS” que quer dizer “Urso” e que designaria a Ursa Maior, o lugar onde os antigos situavam o Norte. Daí “ártico” ou “ártabro” (*).
- Land” é uma palavra também celta que originariamente significa “país de tojos, giestas e monte baixo” mas por extensão e ampliação de significado “país, região, território”. Da língua celta se passou, por exemplo, ao francês donde vem “Les Landes”. Mesmo tem o correlato germânico em “Land” que significa “país” (“Eng-Land” ou País dos anglos).
- Is ou Ys é outra palavra celta que significa “terreno baixo ou sob o nível do mar”. A lenda da cidade de Ys nomeia-a de Ker-Is o Ker-Ys, isto é “cidade baixa”. Em atual bretão a palavra é Izel. Daí Breizh Izel, quer dizer, “Baixa Bretanha”.
Portanto a forma Atlântis seria uma forma helenizante de Art-Land-Ys que viria a significar algo assim como “As terras baixas do Norte”.
Os bretães localizam estas terras por causa da sua lenda nas costas da Bretanha, concretamente na baia de Douarnnenez mas tendo em conta vários elementos, acho que tanto bretães como galegos, como outros povos celtas conservamos essa ideia muito vinculada com invasões vindas de ocidente, de Ilhas misteriosas de Poente (veja-se a história da Ilha de Ibrasil), de guerreiros que povoam países celtas porque as suas terras deixam de existir levadas pelo mar, de ilhas da eterna mocidade onde iam as almas dos mortos, etc...
Aliás as terras baixas foram todas aquelas que puderam ver-se submergidas pelas deglaciações, terras coincidentes com a plataforma continental europeia. Se a isto acrescentamos que ficavam ao Norte poderemos imaginar ainda territórios para Oeste da Irlanda, próximas à sua altitude e muito para Sul de Islândia e Gronelândia que bem puderam ter uma situação por acima do nível do mar e mesmo não estarem geladas por causa do Gulf Stream, corrente quente que ajudou muito a que as terras dessas regiões se vissem livres dos gelos, muito antes do que outras mais ao Sul, em épocas em que estavam em retirada.
Em 2001 o russo N. Zhirov após examinar a geologia, climatologia e a oceanografia desta zona da que falamos quis demonstrar que poderia ter existido um arquipélago no planalto de Rockall, atualmente submarino, tendo em conta que o mar há 12.000 anos aproximadamente estaria na zona a mais de 130 metros por baixo do nível atual.
A dia de hoje há um penedo isolado no meio do mar nessa zona. Esta rocha situada para Oeste de Grã-Bretanha, aproximadamente a quase 350 km da costa de Gearraidh Hogh, aldeia escocesa do N.W. do País e a 420 km de Donnegal em Irlanda. Este penedo é bem conhecido pelos marinheiros, tem origem vulcânico e a sua posse está discutida entre a Islândia, Irlanda, Reino Unido e Dinamarca.
(*) Lido, por exemplo, desde o bretão “Art Vro” significaria “Pais do Urso” quer dizer, “Pais do Norte” onde “Vro” é país e “Art” é urso.