Por Sandra Pinho
No dia 15 de março, a entrada do
Forte de São Francisco – Chaves, com os seus canhões imponentes e
a estátua do General Silveira, serviu de ponto de encontro para mais
um roteiro do Desperta do Teu Sono (DTS).
Pela mão de Luís Carvalho, professor
de história numa das escolas da cidade, um grupo de “Despertos”
percorreu as ruas da cidade viajando no tempo em fraterno e alegre
convívio.A aventura começou no interior do Forte que hoje alberga um hotel mas em tempos idos foi Convento Franciscano. Ao longo da história serviu, durante as invasões francesas, de quartel-general das tropas invasoras, abrigou o 10º batalhão de caçadores e os “retornados” das ex-colónias portuguesas em África. Dentro deste monumento encontra-se a Igreja de N. a S. do Rosário, inicialmente capela, construída no século XVII pelos frades da Ordem de São Francisco.
Esta Igreja é constituída por uma só nave com capela-mor e para além da sua beleza ainda guarda dois mistérios. Um, descobre-se entrando por uma pequena porta disfarçada no altar-mor que nos faz recuar no tempo e perceber como esta preciosidade foi construída.
Um emaranhado de pedaços de madeira de vários formatos sustenta a estrutura do altar e uma escada estreita e muito inclinada leva o visitante até ao topo onde uma portinhola permite vislumbrar o interior da igreja. O outro, descobre-se levantando um alçapão que esconde a entrada do misterioso túnel que, dizem os entendidos, liga vários monumentos em Chaves e serviria de rota de fuga em caso de ataque. O Largo General Silveira, antigo Jardim das Freiras, foi local de paragem do grupo para poderem apreciar a beleza arquitetónica de alguns edifícios, nomeadamente a Biblioteca Municipal, os Correios e a Escola Secundária Fernão de Magalhães, antigo convento. A Rua da Trindade ou Ladeira da Trindade, como é mais conhecida, levou-os até à Praça da República. No nº17 desta rua está situado o edifício Polis, que em tempos foi a cadeia de Chaves, e onde actualmente funciona o gabinete de apoio técnico da Eurocidade Chaves-Verín. Na Praça da República, que terá sido cemitério em tempos que já lá vão, está hoje um pelourinho do século XX constituído por cinco escadas, um pedestal e, no cimo, um capitel que exibe a esfera armilar e o brasão do município.
Nestas andanças a manhã passou e o
estômago anunciou a hora do almoço, jantar por estas bandas que
almoço é a primeira refeição do dia. O retemperar de energias e
a partilha de saberes realizou-se na companhia de vitela assada no
forno regada com vinho tinto nacional e para alguns água, também
nacional.
As varandas em madeira, avançadas
sobre as ruas para rentabilizar o espaço das habitações e pintadas
com tons garridos são típicas das casas desta cidade. Na Idade
Média, Chaves estava rodeada de muralhas, no interior das quais a
população vivia em ruas estreitas e em pequenas casas de vários
pisos. A Rua Direita ilustra muito bem esta época da história da
cidade. O grupo de “despertos” foi surpreendido ao longo desta
rua com pormenores nas varandas, nas janelas, nos brasões e mesmo no
interior de algumas casas (uma sapataria com o tecto original da
capela que ali existiu). De estômago em paz era hora de visitar a Torre de Menagem, os seus jardins e o museu militar. A Torre e a muralha que envolve os jardins são o que resta do antigo castelo de Chaves, destruído no século XIII, e reconstruído no século seguinte por D. Dinis. O castelo, situado no ponto mais alto da cidadela medieval, evoluiu, possivelmente, de uma edificação romana.
A Torre apresenta seteiras estreitas nas suas paredes, ameias no topo e nela está instalado desde 1978 o museu militar. Este museu contém, ao longo de quatro pisos, uma exposição de armas, uniformes, plantas militares, bandeiras e troféus desde a Idade Média até à actualidade. No topo da Torre, o visitante saboreia uma vista magnífica da cidade aos pés da Serra do Brunheiro e rendilhada pelo brilho do Rio Tâmega.
Os “Despertos”, já em ritmo mais lento, seguem para o Museu da Região Flaviense (Núcleo de Arqueologia e de Pré-História). Este museu fica situado na Praça de Camões tal como os Paços do Concelho, a Igreja Matriz, a Igreja da Misericórdia e a estátua de bronze de D. Afonso, conde de Barcelos. O edifício onde estão instalados os Paços do Concelho foi construído em meados do século XIX, o seu interior foi remodelado em 1980 com o objectivo de aumentar a sua funcionalidade. O Museu da Região Flaviense situa-se no Paço dos Duques de Bragança. Este edifício foi construído no século XV como residência de D. Afonso I, duque de Bragança. O seu aspeto atual data do século XVIII, época em que serviu como quartel do batalhão de Caçadores. O acervo arqueológico do museu vai desde o IIIº milénio a. C. e o período correspondente à Romanização, nomeadamente, o que se refere à metalurgia pré-romana, estatuária da idade do bronze e vestígios da pré-história até à proto-história. Entre as peças de origem romana destaca-se o Padrão dos Povos, uma pedra com uma inscrição descoberta em 1980 no leito do rio Tâmega. A réplica deste padrão encontra-se na ponte de Trajano.
A Igreja de Santa Maria Maior, Igreja
Matriz, foi, provavelmente, construída no século XII sobre
escombros de edificações anteriores. Foi ali, como figura no indicativo, onde os suevos prenderam ao historiador Hidácio Lémico e o levaram ao cárcere.
A torre sineira, o pórtico e
imagens de Cristo e de Santa Maria são do estilo românico, o
restante conjunto é renascentista. Esta igreja tem três naves
separadas por colunas de granito cilíndricas unidas por arcos de
volta inteira. A Igreja da Misericórdia é
considerada por muitos como a mais bela da cidade de Chaves. Esta igreja é do estilo barroco, foi construída no século XVII. A sua fachada está decorada com pilastras e janelas, o interior, de uma só nave, tem as paredes inteiramente revestidas de azulejos do séc. XVIII, ilustrando cenas bíblicas. O tecto é de madeira pintada tendo representada a cena da Visitação e o altar é de talha dourada. Não foi possível visitar o interior desta Igreja porque estava a decorrer uma cerimónia litúrgica.
Os visitantes e o seu guia continuaram este périplo em direcção às Termas ou Caldas mas fizeram uma breve paragem no “João Padeiro” para comparem pastéis de Chaves e folar. Nas termas brotam águas a 73ºC, de composição química bicarbonatada, sódica e gasocarbónicas. Estas águas têm tradição milenar na cura de afecções músculo-esqueléticas, do aparelho digestivo e respiratórias. Aproveitando esta tradição houve alguns dos “Despertos” que saborearam estas águas na Fonte do Povo com a esperança de irem destas terras mais saudáveis. Outros houve que preferiram deleitar-se com uns “panaches” e tremoços numa esplanada, aproveitando para descansar.
Após o descanso dos “guerreiros” a batalha pela cultura continua na outra margem do Rio Tâmega. Aqui encontra-se o Jardim Público, o mais antigo espaço verde da cidade. Antes de ser transformado em jardim público, no princípio do século XX, era propriedade privada, tendo sido doado à população pelo banqueiro Cândido Sotto Mayor. A Ponte de Trajano, conhecida como ponte romana, foi edificada sobre o rio Tâmega, entre finais do séc. I princípios do séc. II DC e concluída no tempo do imperador Trajano. Esta Ponte, em granito, tem cerca de 150 metros de comprimento e assenta sobre arcos de volta perfeita. Doze arcos são visíveis e há mais seis soterrados de um e de outro lado. A meio da ponte erguem-se duas colunas, a montante e a jusante, com inscrições que invocam os nomes dos imperadores Trajano, Vespasiano Augusto e Tito Vespasiano, e as populações que contribuíram para a sua construção. A noite já estava instalada e a lua brilhava por cima do belo e exuberante zimbório da Igreja de São João de Deus. Chegara a hora das despedidas para alguns e para outros a hora do jantar, ceia por estas terras. Algum cansaço, muito boa disposição, partilha de ideias e uma bela posta de bacalhau com batata a murro fizeram as delícias dos resistentes deste dia em que se tentaram edificar pontes de cultura entre pessoas que querem despertar do seu sono.