domingo, 3 de novembro de 2013

A manipulação do paradigma: Árabes ou Celtas?


 Por José Manuel Barbosa

O jornal "La opinión" da Crunha reproduz um artigo que leva por título “El origen árabe de los gallegos”. Nele o jornalista afirma que num estudo realizado pela Universitat Pompeu Fabra de Barcelona e a Leicester University (Reino Unido), no qual colaborou o diretor do Instituto de Medicina Legal da Universidade de Santiago, o Professor D. Ángel Carracedo, -conhecido das pessoas que participamos no Congresso “Os celtas da Europa Atlântica” celebrado em Narão (Comarca de Trasancos) os passados 15, 16 e 17 de Abril de 2011- se considera a origem dos galegos como árabe.

No artigo comenta-se que os galegos, asturianos e leoneses (não fala dos portugueses do Norte) têm uma herança genética muito importante proveniente do Norte da África mais alta do que outras zonas, nomeadamente, Valência, Granada ou Castela-A Mancha onde supostamente houve mais muçulmanos. As causas, diz-nos o artigo, foram expostas pelos investigadores. Fala-se-nos que são os geneticistas quem opinam, mas não espertos em história, pré-história, arqueologia, linguistas ou antropólogos... e guardariam relacionamento com as deportações massivas de mouriscos de Granada para outros lugares da Espanha no século XVI. Parece ser que o Doutor Carracedo indicava já em 2002, nas Jornadas sobre Genética e História no Noroeste Peninsular, que isto mesmo poderia ser causa dos primeiros povoamentos árabes que chegaram a Galiza no século VIII.



Sobre isto quereríamos comentar o seguinte:

Lembramos que o Professor Angel Carracedo comentou-nos em Narão, algo parecido sobre o vínculo genético entre os galegos e os norte-africanos mas naquele caso dissera que eram os norte-africanos os que conservavam as achegas genéticas do norte peninsular cantábrico. Justo ao invés de como se nos expõe no jornal.

A investigadora Paula Sanchez, colaboradora da equipa do professor Carracedo também nos expus nas II Jornadas de História da Galiza celebrado em Ourense em março de 2009, o seu pensamento não muito distante do diretor do seu gabinete


O próprio Carracedo nos contou em conferência organizada pelo Facho em novembro de 2011 o que aqui podemos ouvir:


No Congresso de Narão, Carracedo reafirmou as teses que confirmavam as migrações pré-históricas que levaram as populações do norte da península até as Ilhas Britânicas mas também até o Norte de África, dizendo-nos a todos, com a presença de professores de diversas nacionalidades cujo prestígio científico internacional é indiscutível que os atuais irlandeses e britânicos são descendentes daquelas populações paleolíticas e neolíticas que chegaram às Ilhas em épocas de deglaciação. 
O E3b de origem norte-africano no UK
A sua admirável exposição naquela altura levou-o a considerar que "a xenética aínda ten moitas limitacións cando as poboacións son moi próximas pode falar de migracións, particularmente mediante o uso de marcadores do cromosoma Y e do ADN mitocondrial que falan das liñas paterna e materna, pero non pode dicir cal era a cultura ou a fala das persoas que levaban esos linaxes"

Reparemos em que...:

não se pode dizer qual era a cultura ou a fala das pessoas que levavam essas linhagens...”. 
Reparemos por outra parte nas notícias que se deram e em como a deram: 




Durante o seu discurso sobre os movimentos de população do Noroeste galego à luz da genética, Carracedo confirmou que Galiza serviu de refúgio glacial e que depois das glaciações, parte desta população se deslocou até Inglaterra e Irlanda mas também até África...

Mas apesar dessa afirmação, quis deixar claro que ele, quando se está a referir aos movimentos da população, não fala de celtismo, nem de culturas ou línguas mas de genética dos povos. E para analisá-la disse que “se usam marcadores do cromossoma e do ADN mitocondrial”

Consequentemente Carracedo  não se pronunciou em favor ou em contra da celticidade da Galiza, simplesmente manifestou que as investigações oferecem resultados de mapas populacionais que indicam parentesco, direções nos movimentos de povoamento e que o labor de interpretar historicamente os dados não corresponde ao geneticista mas ao historiador. As suas achegas são ferramentas de muita utilidade para que os espertos em história, língua, arqueologia e antropologia usem com precaução e objetividade para integrar no entramado de reconstruirmos a realidade passada, presente e futura da Galiza.

Do que concluímos com esses dados objetivos não é o que o irresponsável jornalista diz duma suposta procedência árabe. Os dados falam-nos de vínculos com o norte de África e os povos nativos daquela zona são basicamente berberes, não árabes. Esses povos têm uns vínculos muito antigos com outros grupos humanos geograficamente atlânticos e europeus até o ponto de ser em pontos das Ilhas Britânicas, da própria Gália e de outros lugares do continente onde encontram uma manifestação também importante.
Tom Jones, um celta-galês que muitos acreditariam norte-africano

Não há muito a dizer sobre a presença física, de muitos habitantes do Atlas, com elementos muito similares a quaisquer outros territórios europeus mais nortenhos. A pela branca em muitos casos, os cabelos loiros ou ruivos, os olhos claros... são caraterísticas históricas unidas de forma importante aos norte-africanos.
Não sabemos se isto tem a ver com a hipótese trabalhada pelo professor John T. Koch sobre a celticidade ou proto-celticidade da língua tartéssica, emparentada portanto com as falas celtas do ocidente da Europa.



Também algo sabemos, igualmente sobre o périplo norte-africano dos povos cuja genética reconhecemos a dia de hoje como culturalmente celta..

O ADN do Rei Tut e Aspecto Fisico do Rei Tut 
...para além de todas as lendas que ao redor do assunto estão presentes ainda hoje na vida dos povos atlânticos. Na memória mitológica dos celtas está a ideia de que Egito e sobre tudo Scythia foram lugares de origem. 
Anthroeurope

Contrariamente a isto e dum ponto de vista etnológico, antropológico, filológico, (pré-)histórico, arqueológico e mesmo genético não há restos de presença árabe na Gallaecia entendendo por árabe a cultura, língua, etnia, tradições.... provenientes do Meio-Oriente. Se algum jornalista iletrado relaciona islamismo ou norte-africanismo com arabismo está errado. Os três elementos não têm porque coincidir.
Mulher do Rif com o seu neno.

Do nosso ponto de vista a presença, importante, de elementos genéticos comuns com o Norte de África, nem tem a ver com as deportações mouriscas do século XVI, nem tem a ver, pelo menos de forma maciça com a entrada dos berberes como tropa da invasão islâmica na Espanha visigoda. Segundo os dados que contamos fornecidos pessoalmente pelo meu professor Anselmo Lopez Carreira na época na que eu era o seu aluno de História, o Al-Andalus do século X tinha aproximadamente uma população de uns 10 milhões de pessoas entre os que se achavam vários grupos etno-religiosos diferentes: Uma minoria de umas 1000 famílias de origem árabe (sírios ou palestinianos e iemenis) estabelecidas nos vales do Guadalquivir e do Ebro; um grupo importante de berberes que conformavam o exército, sobre tudo os mandos estabelecidos nas zonas montanhosas do Planalto do centro peninsular, Serra de Ronda e o Algarve e por baixo destas minorias dirigentes a grande massa da população conformada por moçárabes (cristãos nativos hispano-godos) e muladis (hispano-godos muçulmanos) que ocupavam a totalidade do território. Aliás havia grupos de origem judeu junto com africanos pretos e eslavos procedentes estes últimos do mercado de prisioneiros e escravos de Bizâncio e de África.

Neno árabe. Algo a ver com os galegos?


Ainda contando com a possibilidade de que a Galiza fosse povoada na Idade Média com elementos étnicos andalusis, cabe perguntar-se quantos eram berberes e quantos hispano-godos islamizados, quer dizer, muladis. Acho que era a populaçao do comum a que fugia das guerras e dos conflitos procurando paz e por isso nem eram árabes, nem provavelmente eram militares berberes por serem ambos grupos dirigentes num conjunto populacional basicamente nativo e hispano. Em qualquer caso não caberia a possibilidade de que fossem muitos mais dos que hoje andam pelas nossas ruas sem que isso faça da Galiza (nem da França ou do Reino Unido... ) um país herdeiro de qualquer ponto de vista da cultura norte-africana. Pensamos que a hierarquia árabe nunca foi deportada à Galiza medieval, porque eram os grupos dirigentes da Al-Shban, não assim outros grupos que ainda de religião islâmica não eram de procedência árabe.

Do nosso ponto de vista os restos genéticos norte-africanos existentes em maior número na área astur da Gallaecia (Leão e zonas orientais das atuais províncias de Lugo ou Ourense) podem ser provenientes de grupos de escravos trazidos às minas pelos romanos ou por populações proto ou pré-históricas existentes aqui, quer por contatos... ou mesmo porque fossem originárias dessa região e que partissem de aqui para Sul em tempos pré-históricos.. como nos indica Carracedo na sua exposição no ivoxx acima apresentada.


Reconstrução do morfotipo caraterístico do oito zonas geográficas nas que o fenotipo R1b1a2 atinge percentagens superiores ao 80% da população. De esquerda a direita e de arriba para abaixo apresentam-se Galiza, Astúrias, Cantábria, Euskadi, Irlanda (Mayo), Irlanda (Ferry), Sudoeste de Inglaterra (Devon) e Cornualha. Nenhuma das fotografias se corresponde com uma pessoa real. Graças a Anthroeurope.
É importante salientar que as traças genéticas norte-africanas estão presentes em boa parte da Europa, mesmo da Europa que nunca fez parte do Império Romano e que calculamos, nunca foi culturalmente berbere (independentemente das suas marcas genéticas).
A incomodidade que para o paradigma historiográfico castelhanista supõe a existência duma região, não só étnica e culturalmente celta, mas matriz desse mundo no seu imaginário hispânico é importante. Levam anos tentando botar por terra a ideia de que a velha Gallaecia seja celta e portanto não vão permitir a ideia muito mais contundente e radical de sermos o berço etnocultural e linguístico das Ilhas Britânicas e do ocidente atlântico europeu em geral. A falta de auto-estima dos espanhóis, alimentada durante os últimos séculos pelo complexo de serem um grupo humano dificilmente aceite pelas nações civilizadas da Europa pelos seus vínculos históricos com o islão, manifesta o seu sintoma mais agudo em que não gostam de que dentro da “sua” península haja uma nação que não termina de se assimilar e que represente de forma viva a presença desse inimigo ancestral politica, económica e culturalmente mais desenvolvido e próspero (nunca deixaram prosperar à Galiza por causa desse medo) ao qual nunca terminaram de se parecer e do qual sempre recebeu desprezo. De volta, o mundo hispâno-castelhano-mediterrânico despreza, ignora, desidentifica, agrede, provoca, deturpa e adoece por causa duma Galiza não castelhana nem mediterrânica mas céltica, atlântica e europeia embora empobrecida pela nefasta gestão histórica de Madrid. É essa Galiza que representou os cristãos velhos que nunca foram islamitas enquanto eles se arrogavam essa etiqueta de cristãos velhos como escusa para limpar etnicamente os muçulmanos ou lhe exigirem conversão. Como forma de pobre reafirmação de identidade nacional, manifestavam em épocas obscuras que África começava nos Pirenéus sem tomarem consciência de que onde realmente estava o limite dum ponto de vista étnico e cultural entre África e Europa foi sempre aproximadamente a linha do Douro-Ebro. Risco falava da Euroibéria e da Afroibéria... Esse sentimento infelizmente racista do espanhol surgido do seu complexo de inferioridade manifesta-se hoje no anti-galeguismo (Artigo do Perez Reverte) que mesmo muitos galegos assimilam e aceitam em forma de endofobia gerada na educação emanada desde o paradigma oficial do Estado e incutida desde a escola primária. Os “mouros” sei-que somos nós... não eles. Como se o facto de ter sido adetos da religião islâmica fosse motivo duma legítima infravaloração... Os “párias” da Europa criam os seus próprios “parias” dentro do seu próprio Estado localizando-os no noroeste peninsular com gente próxima etno-culturalmente aos "amos" do mundo para terem em quem malhar, em quem mandar e com quem se sentirem superiores. Uma forma de dopagem auto-identificativa


2 comentários:

Anónimo disse...

A rapaza loira non parece bereber, pola roupa eu diría que pertence á etnia Kalash.

Anónimo disse...

Um erro desse jornalista é atribuir os gens árabes as deportações de mouriscos do reino de Granada, o que ignora esse homem é que esses mouricos eram mais que árabes , arabizados , eram iberos islamizados e arabizados.

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