domingo, 13 de abril de 2014

...e se o Monte do Seixo fosse o Medúlio?



Por Carlos Solla
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A Blanca García Fdez.-Albalat, André Pena Granha e José Manuel Barbosa, com amor



A Terra de Montes –no antigo, Montes Meta– foi a pátria dos metácios, um dos povos celtas da Gallaecia (ou Kalláikia), imortalizados no Parochiale suevum, Divisio Theodomiri ou Concilium Lucensis, ata que dimanou do Concilio de Lugo celebrado o dia de Ano novo de 569.

O topónimo Montes Meta é um oro-topónimo tautológico, quer dizer, a forma Meta também significa “montanha” “elevação”. A expressão latina Montes Meta é o resultado de identificar como “monte” uma realidade já reconhecida como tal em língua celta.
Concilio Galaico-Suevo com Martinho de Dume como guia.

As raízes *med-/*met- célticas aparecem em inúmeros oro-topónimos galegos: Meda, Medo, Medeiros, Medela, Medelo (sem irmos muito para além, no vizinho Caroi-Cotobade)..., dando testemunho da sua rendibilidade sustratística (E. Rivas Quintas, 1982).

Por outra banda, o sustantivo meta-ae latino significa “coluna cónica” ou “extremidade” “termo”. Compare-se com o irlandês metho “fito de deslinde”.

F. Cabeza Quiles (Os nomes de lugar, 1992, pág. 259) diz que o vocábulo “meta” pervive na toponímia de Galiza dando nome a elementos de topografia mais ou menos cónica que são sempre montes e montanhas.

Uma meda (metoca ou metouca), termo agrícola, (1) Conjunto cónico demolhos, principalmente de trigo e de centeio, ainda que também podeser de milho sem a maçaroca, que se coloca ao redor de um pau, com o objecto de que se sequem. Diz o refrão: Homem caçador ou truteiro, nem boa meda nem bom palheiro.
Meda

Cónica é a feição do monte do Seixo (Outeiro do Coto, 1.015 m), alviscado desde a estrada de Cerdedo a Soutelo de Montes e, parafraseando a Floro e a Orósio, a 30 km em linha reta –de cara ao NO– do rio Minho (Riba d'Ávia). O próprio Cabeza Quiles acrescenta: Topónimo notável, que pode provir da prolífica “meta” latina, é o do mítico monte Medúlio [...] que ainda que de difícil ou impossível localização há de ter forma cónica (páx. 260). Meda, medorra, medonha... são outras formas com as que se nomeia uma mamoa, sepultura neolítica, v.g.: Chão de Mamas, no alto do Seixo.

O verbo latino metor significa “fixar os lindes” “chantar fitos”. Tomando em consideração ambas as duas soluções, a Terra de Montes, Montes Meta, traz implícito o significado de “montanha cónica que serve de fronteira”. Mas, fronteira de que?


Voltemos ao Parochiale. Neste documento, recolhe-se a divisão paroquial –as treze cadeiras– que a “potestas” sueva arbitrou para o reino da Galiza no século VI, reconhecendo Lugo como diocese metropolitana, a semelhança de Braga. A província romana da Gallaecia segregava-se, após o sínodo, em duas sés arcebispais, Lugo e Braga, respeitando as áreas de influência destes dous antigos conventos jurídicos romanos. A sé de Lugo vai perder o seu caráter de metropolitana depois da época sueva.

Mapa físico da Comarca de Terra de Montes.
Na romanidade, as derregas do conventus lucensis e do conventus bracarensis adaptaram-se aos acidentes naturais do país (o terceiro dos conventus era o asturicensis, a Galiza do leste). Desde o oeste, os lindes seguiam o vale do rio Lérez –ou o do rio Verdugo– e as serras interiores da atual província de Ponte Vedra (a serra do Cando e a serra do Candão), fontes fluminum, atingindo de cara ao leste as ribeiras do Sil. Como se deduz, a tribo dos metácios, os indígenas da Terra de Montes, se assentavam em prédios fronteiriços.

No momento de organizar a província da Gallaecia, a autoridade romana valeu-se duma mais antiga divisão política (oinaikoi) de época celta. A federação de territórios políticos (trebas, mais tarde civitates, populi) na que se adscreviam os metácios era o oináikos Growion, localizado ao sudoeste da Kalláikia, tendo como capital a Bracara (Braga). Ainda pertencendo á dita federação, os metácios (uma das tribos dos artódioi) habitavam a carão da marca do oináikos Ártabron, a federação céltica do norte, com capital em Lucus (Lugo). Já naquela altura, a estrema estava debuxada pela ria de Ponte Vedra, o rio Lérez e as serras do Cando e Candão. A treba metácia viveu, portanto, desde a mais remota antiguidade, no limes, no cabo dum território e no começo do outro. (Consulte-se: Atlas histórico da Galiza, Barbosa-Gonçales Ribeira, 2008).

Assumido o cristianismo pelo povo suevo –muitos galaicos já eram priscilianistas desde o século IV–, o rei Miro (570-583) fez realidade o projeto de seu pai, Teodomiro, de organizar a Igreja nacional sueva. O plano reestruturador contou com o apoio do influente bispo Martinho de Dúmio (515c-580c), flagelo do arianismo de Ájax –“o inimigo da fé católica e da Divina Trindade”, segundo o cronista Hidácio–, impulsor, que foi o dumiense, da conversão religiosa dos bárbaros do Noroeste.

O reino suevo da Galiza ficou dividido em treze “sedes” (hoje, dioceses). Cada uma das “sedes” dividia-se à vez em “dioceses” (hoje, na Galiza Compostelana, comarcas ou arciprestádegos).
As treze Sés galaicas em época sueva.

Segundo se lê no Parochiale, à diocese de Íria, inserida no arcebispado de Lugo, correspondia-lhe a gestão do seu próprio território e o das paróquias (antigas trebas celtas) dos Morracio, Salinense, Contenos, Celenos, Metacios, Mercienses, Postamaricos (Coporos, Celticos, Bregantinos, Prutenos, Prucios, Besancos, Trasancos, Lapaciencos e Arros); todos eles etnónimos.

No Chronicón Iriense, composto em época posterior (sécs. XI-XII), corroboramos a atribuição da Terra de Montes à diocese de Íria por parte do rei Miro: Mirus Rex Sedi suae Iriensi contulit Dioeceses, scil. Moracium, Salines, Moraniam, Celinos, Montes (Terra de Montes), Mertiam, Taberiolos (A Estrada), Velegiam, Loutum, et Pistomarcos, Amercam, Coronatum, Dermianam, Gentines, Celtagos, Barchalam, Nemancos, Vimiantium, Salagiam, Bregantinos, Farum, Scutarios (Cotobade), Dubriam, Montanos, Nemiros, Prucios, Visancos, Trasancos, Lavacengos, et Arras, et alias, quae in Canonibus resonant.

Baixo o reinado de Afonso II o Casto (760c-842), acha-se em Íria Flávia (ano 813), capital da diocese, o suposto sepulcro do apóstolo Santiago. As constantes razzias viquingues vão propiciar, posteriormente, o traslado da sé iriense –e dos veneráveis despojos (com certeza, de Prisciliano)– a Compostela, que se vai converter em metropolitana no transcurso do século XII, em tempos de Gelmírez, e até os nosso dias.
Porta Nigra em Trier onde decapitaram Prisciliano.

Recuemos de novo no tempo. Durante as campanhas militares que o Imperador romano Octávio Augusto (63 a. C.-14 d. C.) levou a cabo no norte da Península, aconteceu, num lugar impreciso, mas montuoso, do interior da Galiza, a célebre batalha do monte Medúlio, decisiva na conquista do território galego.

Por volta do ano 20 a. C., os superviventes daquele feroz combate resistiram afoitamente o delongado assédio ao que os someteram as legiões romanas de Caio Fúrnio e Públio Carísio. Os celtas da citânia do Mons Medulius preferiram o suicídio –depois da ingesta de bagas de teixo–, antes de se entregarem com vida ao inimigo: “Denantes mortos que escravos”, escreveria Castelão. Lembremos que o episódio de Trentinão, a mítica vila assolagada do Seixo, amenta os romanos no alto da montanha. Na mesma, ergue-se majestosa a peneda fortificada do Castro Grande.

Se atendemos a uma das etimologias propostas para Medulius (Mediolanum), este viria significar “a chaira do medio” “lugar central”. A profesora Blanca García Fdez.-Albalat descreve o mediolanum, por causa das suas características, como lugar assembleário, cenário ritual, santuário, feira, foro, oenach, onfálica encruzilhada...
Blanca Garcia Fernández-Albalat

Chegados a este ponto, a vista volve-se de novo, sem esforço, para ao alto do Seixo, para ao cruzamento de Portalém (a porta do Outro Mundo), cara o Marco do Vento, descomunal pedra-fita (a trebopala), ali, na Feira Velha, onde como diz a lenda, todos os ventos dão a volta.

Desde tempos imemoriais, os 30 m3 de pedra de granito do Marco do Vento (ou Marco do Seixo) –6 m de altura– e as cruzes de termo gravadas nas suas faces vêm exercendo de chanta divisória. A chaira onde se ergue, relanço sacro, terra de ninguém e de todos, confluência de caminhos, foi senlheiro cenário do ciclo festivo celta. Os metácios, o populus que morou na redonda da montanha, condensam no seu nome o caráter singular dos que habitaram ao pé do outeiro da marca, na fronteira final.
Portalém, na Montanha Sagrada do Monte do Seixo (Cerdedo)

Muitas são as candidaturas apresentadas para acolher o nemeton meduliano, mas nenhuma tão ricamente adubada como a proposta pelo monte do Seixo. Quem dá mais?















Publicado n’O código da vincha. Retrincos da intra-historia de Cerdedo,

2012, páxs. 159-63.



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