Por
Carlos Solla
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A
Terra de Montes –no antigo, Montes
Meta– foi
a pátria dos metácios, um dos povos celtas da Gallaecia
(ou
Kalláikia),
imortalizados no Parochiale
suevum,
Divisio
Theodomiri ou
Concilium
Lucensis,
ata que dimanou do Concilio de Lugo celebrado o dia de Ano novo de
569.
O
topónimo Montes
Meta é
um oro-topónimo tautológico, quer dizer, a forma Meta
também
significa “montanha” “elevação”. A expressão latina Montes
Meta é
o resultado de identificar como “monte” uma realidade já
reconhecida como tal em língua celta.
Concilio Galaico-Suevo com Martinho de Dume como guia. |
As
raízes *med-/*met-
célticas
aparecem em inúmeros oro-topónimos galegos: Meda, Medo, Medeiros,
Medela, Medelo (sem irmos muito para além, no vizinho
Caroi-Cotobade)..., dando testemunho da sua rendibilidade
sustratística (E. Rivas Quintas, 1982).
Por
outra banda, o sustantivo meta-ae
latino
significa “coluna cónica” ou “extremidade” “termo”.
Compare-se com o irlandês metho
“fito
de deslinde”.
F.
Cabeza Quiles (Os
nomes de lugar,
1992, pág. 259) diz que o
vocábulo
“meta” pervive na toponímia de Galiza dando nome a elementos de
topografia mais ou menos cónica que são sempre montes e montanhas.
Uma
meda (metoca ou metouca), termo agrícola, (1) Conjunto cónico demolhos, principalmente de trigo e de centeio, ainda que também podeser de milho sem a maçaroca, que se coloca ao redor de um pau, com o objecto de que se sequem. Diz o refrão: Homem
caçador ou truteiro, nem boa meda nem bom palheiro.
Meda |
Cónica
é a feição do monte do Seixo (Outeiro do Coto, 1.015 m), alviscado
desde a estrada de Cerdedo a Soutelo de Montes e, parafraseando a
Floro e a Orósio, a 30 km em linha reta –de cara ao NO– do rio
Minho (Riba d'Ávia). O próprio Cabeza Quiles acrescenta: Topónimo
notável, que pode provir da prolífica “meta” latina, é o do
mítico monte Medúlio [...]
que
ainda que de difícil ou impossível localização há de ter forma
cónica (páx.
260). Meda, medorra, medonha... são outras formas com as que se
nomeia uma mamoa, sepultura neolítica, v.g.: Chão de Mamas, no alto
do Seixo.
O
verbo latino metor
significa
“fixar os lindes” “chantar fitos”. Tomando em consideração
ambas as duas soluções, a Terra de Montes, Montes
Meta,
traz implícito o significado de “montanha cónica que serve de
fronteira”. Mas, fronteira de que?
Voltemos
ao Parochiale.
Neste documento, recolhe-se a divisão paroquial –as treze
cadeiras– que a “potestas” sueva arbitrou para o reino da
Galiza no século VI, reconhecendo Lugo como diocese metropolitana, a
semelhança de Braga. A província romana da Gallaecia
segregava-se,
após o sínodo, em duas sés arcebispais, Lugo e Braga, respeitando
as áreas de influência destes dous antigos conventos jurídicos
romanos. A sé de Lugo vai perder o seu caráter de metropolitana
depois da época sueva.
Mapa físico da Comarca de Terra de Montes. |
Na romanidade, as derregas do conventus
lucensis
e
do conventus
bracarensis
adaptaram-se
aos acidentes naturais do país (o terceiro dos conventus
era
o asturicensis,
a Galiza do leste). Desde o oeste, os lindes seguiam o vale do rio
Lérez –ou o do rio Verdugo– e as serras interiores da atual
província de Ponte Vedra (a serra do Cando e a serra do Candão),
fontes
fluminum,
atingindo de cara ao leste as ribeiras do Sil. Como se deduz, a tribo
dos metácios, os indígenas da Terra de Montes, se assentavam em
prédios fronteiriços.
No
momento de organizar a província da Gallaecia,
a autoridade romana valeu-se duma mais antiga divisão política
(oinaikoi)
de época celta. A federação de territórios políticos (trebas,
mais tarde civitates,
populi)
na que se adscreviam os metácios era o oináikos
Growion,
localizado ao sudoeste da Kalláikia,
tendo como capital a Bracara
(Braga).
Ainda pertencendo á dita federação, os metácios (uma das tribos
dos artódioi)
habitavam a carão da marca do oináikos
Ártabron,
a federação céltica do norte, com capital em Lucus
(Lugo).
Já naquela altura, a estrema estava debuxada pela ria de Ponte
Vedra, o rio Lérez e as serras do Cando e Candão. A treba
metácia
viveu, portanto, desde a mais remota antiguidade, no limes,
no cabo dum território e no começo do outro. (Consulte-se: Atlas
histórico da Galiza,
Barbosa-Gonçales Ribeira, 2008).
Assumido
o cristianismo pelo povo suevo –muitos galaicos já eram
priscilianistas desde o século IV–, o rei Miro (570-583) fez
realidade o projeto de seu pai, Teodomiro, de organizar a Igreja
nacional sueva. O plano reestruturador contou com o apoio do
influente bispo Martinho de Dúmio (515c-580c), flagelo do arianismo
de Ájax –“o inimigo da fé católica e da Divina Trindade”,
segundo o cronista Hidácio–, impulsor, que foi o dumiense, da
conversão religiosa dos bárbaros do Noroeste.
O
reino suevo da Galiza ficou dividido em treze “sedes” (hoje,
dioceses). Cada uma das “sedes” dividia-se à vez em “dioceses”
(hoje, na Galiza Compostelana, comarcas ou arciprestádegos).
As treze Sés galaicas em época sueva. |
Segundo
se lê no Parochiale,
à diocese de Íria, inserida no arcebispado de Lugo,
correspondia-lhe a gestão do seu próprio território e o das
paróquias (antigas trebas
celtas)
dos Morracio, Salinense, Contenos, Celenos, Metacios,
Mercienses, Postamaricos (Coporos, Celticos, Bregantinos, Prutenos,
Prucios, Besancos, Trasancos, Lapaciencos e Arros); todos eles
etnónimos.
No
Chronicón
Iriense,
composto em época posterior (sécs. XI-XII), corroboramos a
atribuição da Terra de Montes à diocese de Íria por parte do rei
Miro: Mirus
Rex Sedi suae Iriensi contulit Dioeceses, scil. Moracium, Salines,
Moraniam, Celinos, Montes
(Terra
de Montes),
Mertiam, Taberiolos (A
Estrada),
Velegiam, Loutum, et Pistomarcos, Amercam, Coronatum, Dermianam,
Gentines, Celtagos, Barchalam, Nemancos, Vimiantium, Salagiam,
Bregantinos, Farum, Scutarios (Cotobade),
Dubriam, Montanos, Nemiros, Prucios, Visancos, Trasancos, Lavacengos,
et Arras, et alias, quae in Canonibus resonant.
Baixo
o reinado de Afonso II o
Casto (760c-842),
acha-se em Íria Flávia (ano 813), capital da diocese, o suposto
sepulcro do apóstolo Santiago. As constantes razzias viquingues vão
propiciar, posteriormente, o traslado da sé iriense –e dos
veneráveis despojos (com certeza, de Prisciliano)– a Compostela,
que se vai converter em metropolitana no transcurso do século XII,
em tempos de Gelmírez, e até os nosso dias.
Porta Nigra em Trier onde decapitaram Prisciliano. |
Recuemos
de novo no tempo. Durante as campanhas militares que o Imperador
romano Octávio Augusto (63 a. C.-14 d. C.) levou a cabo no norte da
Península, aconteceu, num lugar impreciso, mas montuoso, do interior
da Galiza, a célebre batalha do monte Medúlio, decisiva na
conquista do território galego.
Por
volta do ano 20 a. C., os superviventes daquele feroz combate
resistiram afoitamente o delongado assédio ao que os someteram as
legiões romanas de Caio Fúrnio e Públio Carísio. Os celtas da
citânia do Mons
Medulius preferiram
o suicídio –depois da ingesta de bagas de teixo–, antes de se
entregarem com vida ao inimigo: “Denantes mortos que escravos”,
escreveria Castelão. Lembremos que o episódio de Trentinão, a
mítica vila assolagada do Seixo, amenta os romanos no alto da
montanha. Na mesma, ergue-se majestosa a peneda fortificada do Castro
Grande.
Se
atendemos a uma das etimologias propostas para Medulius
(Mediolanum),
este viria significar “a chaira do medio” “lugar central”. A
profesora Blanca García Fdez.-Albalat descreve o mediolanum,
por causa das suas características, como lugar assembleário,
cenário ritual, santuário, feira, foro, oenach,
onfálica encruzilhada...
Blanca Garcia Fernández-Albalat |
Chegados
a este ponto, a vista volve-se de novo, sem esforço, para ao alto do
Seixo, para ao cruzamento de Portalém (a porta do Outro Mundo), cara
o Marco do Vento, descomunal pedra-fita (a trebopala),
ali, na Feira Velha, onde como diz a lenda, todos os ventos dão a
volta.
Desde
tempos imemoriais, os 30 m3
de
pedra de granito do Marco do Vento (ou Marco do Seixo) –6 m de
altura– e as cruzes de termo gravadas nas suas faces vêm exercendo
de chanta divisória. A chaira onde se ergue, relanço sacro, terra
de ninguém e de todos, confluência de caminhos, foi senlheiro
cenário do ciclo festivo celta. Os metácios, o populus
que
morou na redonda da montanha, condensam no seu nome o caráter
singular dos que habitaram ao pé do outeiro da marca, na fronteira
final.
Portalém, na Montanha Sagrada do Monte do Seixo (Cerdedo) |
Muitas
são as candidaturas apresentadas para acolher o nemeton
meduliano,
mas nenhuma tão ricamente adubada como a proposta pelo monte do
Seixo. Quem dá mais?
Publicado
n’O
código da vincha. Retrincos da intra-historia de Cerdedo,
2012,
páxs. 159-63.
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