Em
textos anteriores temos manifestado a nossa opinião relativamente à
adoção da bandeira da faixa azul como bandeira galega
representativa do nosso país. A minha argumentação vai baseada na
sua origem como distintivo militar da armada espanhola, facto
que partilhamos com a bandeira de Cantábria, mas que a diferença desta última, a galega
foi modificada na sua feição original, branca com uma aspa de Santo André azul,
pelo governo de Isabel II de Bourbon por pedido do Império Russo
para não ser confundida com a bandeira da armada russa.
A
seguir acrescento umas nótulas relativamente às origens das
distintas bandeiras das restantes Comunidades Autónomas do Reino da
Espanha para podermos comparar com o nosso caso e vermos a
oportunidade do caso galego de sermos representados por uma bandeira
cuja origem não radica no povo galego, nem na tradição simbólica galega ou qualquer instituição
favorável à nossa consideração como nação.
Iremos
vendo cada uma das Comunidades por ordem alfabético:
Andaluzia:
A Arbonaida ou لبُلَيْدة , pronunciado /al-bulaida/, que significa país pequeno em árabe andalusi. A
primeira referência de um vexilo andaluz de cor verde
é
de 1051 em um
poema do Vizir da Taifa de Almeria Abu Asbag ibn Al-Arqâm que a faz aparecer na Alcaçaba da cidade de
Almeria mas a sua origem parece estar no turbante verde de Abderramão I,
que o tinha como o símbolo
dos Omíadas e converteu em pendão na batalha de Al-Musara em 751.
(Bandeira içada na Taifa de Almeria em 1051)
Esta referência seria uma das primeiras que existem de uma bandeira ou pendão na Europa e portanto, não seria excessivo acreditar no facto de ser a bandeira andaluza uma das mais antigas do nosso continente, quando não a mais antiga.(imagem: www.paginasarabes.com)
Uns anos depois, na Batalha de Alarcos (1195), os almóadas do Sultão Abu Iúçufe Iacube, após a vitória das suas tropas contra os castelhanos de Afonso I de Castela (VIII, segundo o cômputo historiográfico espanhol) penduram do minarete da Mesquita de Sevilha dous estandartes: o verde como representativa de Al-Andalus e outro branco, símbolo e cor do Império almóada.
(Bandeira da Batalha de Alarcos em 1191)
É na conquista de Granada em 1492 quando a maior parte da vexilologia incautada aos exércitos do Reino Nacérida de Granada contêm o branco e o verde, atualmente exposta em lugares públicos de Córdova ou de Sevilha.
Posteriormente, em 1521, aconteceu em Sevilha o chamado Motim do Pendão Verde que ergueu em armas a população mourisca contra a autoridade castelhana pela situação de falência da cidade e o preço dos alimentos ao que tinha levado a política da Coroa de Castela.
(Bandeira do Motim do Pendão Verde de 1521)
Estas cores, verde e branca, foram também usadas na rebelião que o Duque de Medina Sidónia levou a cabo contra os Áustrias pela independência de Andaluzia em 1642 mas a referência que temos é que foi um dos seus aliados quem a portou, o líder dos mouriscos, Tahir Al-Horr, nas regiões orientais andaluzas, obrigados poucos anos antes ao exílio ou à conversão ao catolicismo. Como sabemos, a rebelião foi sufocada por Filipe IV mas a simbologia perdurou na imaginaria andaluza.
Finalmente, é Blas Infante, pai do nacionalismo andaluz apresenta em
1918, em assembleia celebrada em Ronda o projeto de
bandeira de Andaluzia com a feição que hoje conhecemos. O projeto é aprovado e assim adotado desde esse momento. Blas Infante recorreu à memória histórica para elaborar a arbonaida que é reconhecida como bandeira da nação andaluza desde essa altura, e oficialmente a partir do Estatuto de Autonomia de 1981 e posteriormente reafirmado pelo segundo Estatuto de Autonomia de 2007.
(Bandeira de Andaluzia com escudo)
Aragão: O primeiro símbolo aragonês é o pendão do Eneko Aritza (Íñigo Arista para a historiografia espanhola), quem criou o primeiro reino vascão medieval cujo centro político estava ao redor de Pamplona mas que com o tempo ocuparia desde a atual CAV (Comunidade Autónoma Basca) e o atual norte de Aragão até Sobrarbe e Ribagorça. A sua base territorial foi a Marca Hispânica carolíngia donde agiu como ponte entre os cristãos francos e os muçulmanos dos Banu Qasi nas regiões do Ebro. O seu primeiro símbolo foi o pendão da Cruz de Eneko Aritza, de fundo em azur com uma cruz patada em branco e apontada no seu extremo inferior por estar vinculado o território à influência pamplonesa. Estamos a falar do século IX em que o Condado de Aragão surge como território fronteiriço com os muçulmanos criado pelos próprios reis carolíngios com fins defensivos, ocupando os vales dos rios Ansó, Echo, Aragão e Canfranc, que é o que lhe dá nome ao país. Aureolo ou Oriol foi o seu primeiro lider nomeado pelo próprio Carlos Magno.
(Bandeira com a Cruz de Eneko Aritza)
A união do Condado de Aragão com os Condados de Sobrarbe e Ribagorça criou em 1035 o Reino de Aragão que foi independente de Navarra.
Durante os séculos XI e XII, Aragão aumentou em território e população a custo da Taifa de Saragoça embora os vínculos com Navarra levasse a uniões pontuais e a uma comunidade política de interesses comuns.
Foi em 1091 quando o rei Pedro I na batalha de Alcoraz derrota, com a oposição de Castela, aliada com a Taifa de Saragoça, a quatro reis muçulmanos na luta por Huesca. A lenda conta que a intervenção de São Jorge foi fundamental para a vitória cristã e foi a consequência desta batalha que mais de um século depois, um descendente do rei que conseguiu aquela vitória, neste caso, Pedro III, começou a usar a representação armorial que se considera privativa e propriamente aragonesa tendente ao espírito de Cruzada, típica da altura. Nela a cruz de São Jorge divide o corpo do escudo em quatro quartéis, cada um dos quais ocupado pela representação de uma cabeça de cada um dos reis muçulmanos vencidos nessa batalha por Huesca. Como os pendões ou vexilos têm a sua origem nas representações armoriais, consideramos que a bandeira originária de Aragão poderia ser esta, embora não tenhamos fontes que no-lo confirmem.
Anos mais tarde, a finais do século XV, quando Sardenha fazia parte da Coroa Catalano-Aragonesa, foi esta a bandeira adotada pela ilha até a atualidade.
(Bandeira da Cruz de Alcoraz)
Foi, finalmente em 1137, quando a herdeira do trono de Aragão, Petronila, casou com o Conde de Barcelona, Raimon Berenguer IV, configurando-se assim o que de agora em adiante vai ser considerado com o nome de Casal d'Aragó, Regno, dominio et corona Aragonum et Catalonie, Regnes d'Aragó, València i comtat de Barcelona ou a partir do século XVIII, já com os Bourbons, Corona de Aragón. A simbologia adotada há de ser a tradicional catalã da bandeira das quatro faixas em gules (vermelhas) sobre fundo ouro (amarelo). É o que se vai chamar Senyal Reial da Casa Condal de Catalunha.
É a partir do século XX e da constituição de Aragão como Comunidade Autónoma do Reino da Espanha que no Estatuto de Autonomia da região com categoria de nacionalidade é aceite a bandeira de Aragão seguindo a tradição simbólica catalano-aragonesa coincidente com a Catalunha. A distinção radica no escudo de cada uma das CCAA.
Astúrias: A bandeira usada pelos primeiros reis que tinham a sua Corte no atual território asturiano é desconhecida documentalmente mas o arqueólogo da Universidade de Oviedo, Elias Carrocera, mantém que o primeiro vexilo ou estandarte que poderiam ter sido usado pelos primeiros reis cristãos após a ocupação muçulmana da Península, foi em ouro (amarelo) com uma cruz bizantina no centro em gules (vermelho) com a alfa e a ómega também em gules, segundo ele, as cores que representavam a igreja na altura e ainda as cores da auriflama imperial carolíngia.
Mais alguma informação temos, sobre a suposta bandeira usada pelo rei Ordonho I na Batalha de Albelda, a qual foi mitificada por Rodrigo Ximenes de Rada, gerando a lenda da Batalha de Clavijo na que supostamente, e segundo a narração fantástica do Bispo de Toledo, Ramiro I, pai de Ordonho I, venceu os muçulmanos na Rioja com a ajuda do Apóstolo Santiago. Há uma bandeirola no Museu do Exército, em Madrid, que se identifica como o vexilo em questão mas também podemos achar uma representação no Tombo A da Catedral de Santiago de Compostela. A imagem da bandeirola é a seguinte: (Bandeirola da Batalha de Albelda mitificada como a Batalha de Clavijo)
As bandeiras recolhidas nos diferentes armoriais europeus durante a Idade Moderna apresentam uma estética na que o corpo está quartelado, onde no quartel superior
esquerdo aparece a bandeira tradicional de Castela em gules e ouro, no inferior
direito a bandeira tradicional de Leão e nos quartéis superior
direito e inferior esquerda aparece sobre fundo em azur um graal galego
em em gules com as cruzes também em gules.
Daí em diante as representações são diferentes, fugindo da estética galega ou castelhano-leonesa. É durante a invasão napoleónica que Junta Geral do Principado
organiza a resistência contra o francês e considerando que não tem
bandeira, cria uma que modificada ligeiramente por Jovellanos deriva
na atual bandeira azul com a Cruz da Vitoria em amarelo no meio. Em origem era com fundo em gules (vermelho) e a cruz da vitória em ouro (amarelo) com a legenda, também em ouro Hoc signo tuetur pius. Hoc signo vincitur enemicus cujo significado é Com este signo os pios são defendidos. Com este signo os inimigos são vencidos.
(Bandeira de Gaspar Melchor de Jovellanos)
Já posteriormente a bandeira de Jovellanos tomaria a cor azur com a mesma cruz da vitória em ouro (amarelo) e seria assim que se popularizou durante o século XX para ser reconhecida pelo Estatuto de Autonomia de dezembro de 1981.
Baleares: As referências que temos das bandeiras da Taifa de Maiorca ou de Dénia-Maiorca são desconhecidas para quem isto escreve. São conhecidas as ilhas com o nome de Al-Jazira al-Sharqiya li-l-Andalus mas uma vez aconteceu a conquista por parte de Jaume I el Conqueridor, o Papa designou um vexilo dividido horizontalmente em duas metades, vermelha a superior e branca a inferior:
Ainda que poucos anos depois, no Libro del conoscimiento de finais do XIV se nos descreve uma representação armorial ou vexilar composta de faixas verdes e pretas de difícil reconstrução a partir da narração.
O reino foi repovoado por catalães durante a sua pertença à Coroa Catalano-Aragonesa e portanto adotou a simbologia da monarquia regentes. Assim, a sua bandeira adquiriu as formas das barras vermelhas e amarelas mas com o elemento identitário insular do Castelo de Maiorca. Esta bandeira, em início estava quartelada, sendo dous dos quadrados representativos do senyal reial barrat e os outros dous representando o castelo em branco sobre fundo azul.
Atualmente a bandeira o balear está baseada na tradicional senyera cujo corpo está composto das tradicionais quatro barras vermelhas horizontais sobre fundo amarelo com um quartel na parte superior esquerda representando o Castelo de Maiorca em branco com cinco torres sobre fundo roxo.
Bibliografia e linkografia
Turbante verde de Abderramão: https://paginasarabes.com/2018/03/23/el-turbante-arabe-simbolo-de-poder-y-religion/