Em termos de crise política, social e económica, é vulgar ouvir
cidadãos que, com a memória curta ou/ e parcial e com muita falta
de informação, se relembram do passado com nostalgia, como uma
época em que se era pobre, andava descalço, não se tinha acesso à
educação, se passava fome, se sofria torturas ou se era morto por
ser contra o regime ditatorial, mas em que tudo, mesmo assim, parecia
estar no seu lugar. Tal facto é absolutamente abominável em países
que sofreram ditaduras e mais ainda de longa duração, tenham sido
elas de direita ou de esquerda.
O esquecimento das atrocidades e crimes cometidos comprova-se então
com a publicação de muitas obras sobre os ditadores e na atitude de
fanáticos que surgem devido à frustração doentia por saberem
inconscientemente que são criaturas que só através do Mal poderão
obter alguma relevância. Em Portugal, têm surgido inúmeros livros
sobre Salazar e grupos neofascistas no Facebook; em relação a
Espanha, existem ainda fascistas que usam t--shirts e pulseiras com as cores do fascismo franquista, como
constatámos numa praça em Oviedo.
Neste contexto e porque há que acordar e avivar a memória de
muitos, importa-nos aqui apresentar alguns autores galegos e uma obra
de cada um em que se denuncia o horror da ditadura de Franco.
Esperamos assim contribuir para que nomes menos conhecidos e menos
salientados do que Rosalía e Castelao sejam relembrados, pois a
literatura tem a obrigação de revelar a verdade e é isso que
acontece nas obras dos escritores a seguir apresentados.
Começamos por Xosé Fernández Ferreiro (n.1931), membro do grupo
literário nacionalista Brais Pinto,
que apresentou e denunciou o início do mundo repressivo da ditadura
fascista. Começando por publicar poemas, na década de 1950,
dedicou-se depois à narrativa, a par da sua atividade jornalística
nos jornais Faro de Vigo, La Noche, El Correo
Gallego e La Voz de Galicia.
Da sua obra narrativa, destacamos Agosto do 36 (publicado em
1991 e que mereceu o Prémio Xerais) pelo quadro de horror que
apresenta da realidade que se viveu durante os terríveis anos da
Guerra Civil Espanhola, de que são exemplo o martírio e fuzilamento
das personagens Sara e Gregorio, na Touça, símbolo espacial e
microcosmos do terror vivido em todas as nações que integram a
atual Espanha.
Refere o narrador que tudo começou quando Gregorio, republicano,
soube que os falanxistas o tiñan na lista para “darlle o
paseo” (Ferreiro: 1991, 15), agravado pelo facto
de Sara o ter preferido a Manuel, que aderira às tropas
nacionalistas. Tudo isto obrigou-o a ter de fugir para escapar à
morte, uma vez que aquelas, procurando descobri-lo, montaram
sistematicamente guarda à sua casa: empezaron a presentarse de
improviso na aldea polas noites, ás altas horas, e rexistraban non
só o seu fogar senón outros onde supuñan ou sospeitaban que podía
estar escondido (Ferreiro: 1991, 17). Os que engrossavam estas
tropas eram naturalmente homens sem valores e com uma desmedida ânsia
e desejo de poder, ambicionando um cargo que os fizesse ultrapassar
obstáculos sociais e o sentimento de inferioridade que sentiam, na
aldeia em que viviam, símbolo de pobreza material e de falta de
importância e ascensão social, e colmatar igualmente frustrações
pessoais persistentes. Perseguindo, controlando, matando, vían
“naquilo” unha oportunidade
para deixa-lo traballo da aldea e ser alguén. Desertores do arado.
Homes que non lle tiñan apego á terra. Soamente tiñan odio (...)
a forza das armas, e aqueles uniformes que os convertían en seres
poderosos contra os que nada se podía (Ferreiro: 1991, 18).
Do ponto de vista material, eles conseguiam enriquecer, apoiados por um regime ditatorial que
recompensava largamente os que o ajudavam a espalhar o terror e os
informasse de forma conveniente acerca dos seus inimigos. Foi o que
aconteceu com a personagem Manuel, quen despois dunha prolongada
ausencia, cando volveu, construíu unha casa (Ferreiro: 1991,
18), o que auxiliou a população a ter a certeza da sua adesão à
fação falangista.
Gregorio, pelo contrário, simboliza a resistência republicana,
defensora dos direitos do povo, controlado não só pelos militares
como também pelos seus aliados representantes da Igreja Católica.
Por isso, aquela personagem critica o clérigo Xenaro, representante
da aliança daquela com os falangistas, supostos defensores da moral
e da nação contra a ameaça comunista: vostedes os cregos (...)
non fan máis ca enganar á xente contándolle mentiras desde os
altares e púlpitos, en lugar de lle dici-las verdades e abrirlle os
ollos (...) interésalles máis que o pobo siga cego e
analfabeto,pois así, coma os bois capados, é máis manexable
(Ferreiro: 1991, 31).
As tensões acumuladas e as discórdias políticas culminaram com o
rebentar da guerra e com o horror dos fuzilamentos, os paseos
e encarceramentos, arrancando a vida aos que se opunham ao regime que
se revelava monstruoso. Os falangistas chegavam a revelar o seu
orgulho pela crueldade que cometiam e disto também o narrador nos dá
conta, nesta obra, quando refere a atitude de Manuel, numa das vezes
em que regressa pomposamente a Abades e expressa bem a ideologia já
fermentada pelo falangismo, mostrando-se máis empoleirado ca
nunca, coa súa pistola ó cinto e o fusil ó ombro. Logo, ó
marcharen, soltou (...):
-Imos limpar España de herexes e comunistas (Ferreiro: 1991,
34).
Do lado oposto, deparamo-nos não só com Gregorio como também com
Sara, a trágica heroína representante das mulheres do povo que tudo
faziam para defender o seu homem da perseguição, símbolo da
poderosa proteção feminina que, determinada, não se importa de dar
a própria vida por Amor. Ela aqui simboliza igualmente a Justiça,
não apenas política como também a moral e ética, contra a falta
de valores e de preservação da vida humana: ben sabía que de
caer nas súas mans mataríano sen piedade (...) estaba
disposta a atura-lo que fose. A facer todo o que tivese que facer,
con tal de que a Gregorio non lle pasase nada malo. Sobre todo que
non o maten (Ferreiro: 1991, 37).
Para se esconder e sobreviver, Gregorio refugia-se na serra,
limitado nos seus movimentos e condições de sobrevivência e
ajudado por Sara, que lhe prestava um apoio incondicional,
levando-lhe o que precisava e informando-o acerca do que se passava
na aldeia, à semelhança de muitas outras mulheres que eram o elo de
ligação entre os homens que encontravam refúgio no monte e
o contacto com a realidade, mantendo-os ao corrente do que acontecia
e levando-lhes mantimentos.
Devido ao perigo que tais incursões na serra acarretavam, o pai de
Sara, na povoação, trancava bem a casa com medo dos falangistas.
Sabía que andaban agachados polos camiños, as hortas e as eiras,
para coller ó mestre se baixaba dos seus tobos da serra para verse
con Sara (Ferreiro: 1991, 40), havendo o perigo acrescido dos
outros habitantes serem falangistas ou seus informadores, sendo uns
conhecidos e outros suspeitos, o que criava um ambiente de tensão e
desconfiança que prejudicava e alterava a vida diária e o
relacionamento entre os aldeãos.
Tal situação evoluiu de tal modo negativamente que se pressentia um
acontecimento nefasto, trágico, no zunir do vento contra as
follas do millo (...) ou no cheiro a rastrollo que viña das
leiras recén segadas. De noite os cans semellaban nerviosos, e
ladraban dun xeiro desacostumado. (...) Unha
madrugada, o branco luar que prateaba as chairas do val de Abades e
Santos e mailos cumes da serra, escureceu por uns minutos. “Foi
entón cando vímo-la cara da lúa tinxida de sangue.
(...) Non só era a lúa: o ceo todo aparecía vermelho, coma
se fose de lume” (Ferreiro: 1991, 42).
Os falangistas Manuel, Luís, Leonardo e Xan levaram Sara para a
Touça, no dia 13 de agosto, dizendo aos habitantes da aldeia que
avisassem Gregorio: a tragédia evolui a passos largos. Procurando
ajudar Sara, aqueles recorreram ao padre Xenaro, que,
assumindo a posição da Igreja, defendeu que os falanxistas
queren limpar España de herexes e de comunistas
(Ferreiro: 1991, 44) e que deveriam avisá-los da localização do
noivo de Sara, escondido na serra.
Na diversidade humana apresentada e respetiva motivação para
aderir ao Falangismo, encontramos Lázaro, taberneiro de Abades, que
abastece os carcereiros de Sara de provisões e os informa do que se
passa na aldeia, ajudando-os assim a delinearem estratégias para
atraírem Gregorio à Touza, com Sara como chamariz: no forno da
Piedade parece que onte algunhas mulleres murmuraron de ti
(Ferreiro: 1991, 118) e dixo com mellor ânimo:
-Hoxe tráiovos un bo xantar (Ferreiro: 1991, 118).
Uma forma que os falangistas encontraram de tentar acabar com essa
articulação foi a intimidação incutida com os disparos noturnos:
de cando en vez oíanse disparos, de noite e de día, nos camiños
próximos a Abades, Santos, Xestosa e Fondodevila. (...) Os
falanxistas facían prácticas de tiro contra as árbores e contra os
outeiros para amedoñar á xente mediante o terror que isso
orixinaba (Ferreiro: 1991, 37). Tal como aos restantes habitantes
de locais em que se ouviam tais disparos, a Sara batíalle com
forza o corazón no peito cando chegaban ata ela aquelas detonacións.
Sempre lle parecía que disparaban contra Gregorio (Ferreiro:
1991, 37), pois os disparos desde logo que tiñan o seu efecto
sicolóxico, pois que enchían os camiños, as aldeas e mailas mentes
de impotencia. Era coma se a guerra se fose achegando a nós pouco a
pouco, inevitavelmente (Ferreiro: 1991, 37), guerra
na qual o povo, impotente, era um inimigo fácil de dominar, preso
pelo medo às suas casas: moito medo había, e moita confusión,
entre as xentes de Abades. Cerrada a noite metíanse nas súas casas
e asexaban polas fiestras de cara á serra (Ferreiro: 1991, 89).
E o povo tinha muitas razões para sentir medo. Além dos
fuzilamentos, pressões e prisões, outra situação está retratada
nesta obra de Xosé Fernández Ferreiro: a violação de mulheres
companheiras de homens foragidos, o que quase acontece com a
protagonista, isco usado para atrair Gregorio: achegou-se á
prisioneira e mirouna un momento. De repente, sen máis,
desabotooulle o vestido á altura do peito, e arrincoulle o xustillo
cun forte tirón de man (Ferreiro: 1991, 93). A ação triplica
em horror e violência psicológica e física quando, incapaz de
atrair Gregorio para o fuzilar, o ódio de Manuel o leva a praticar
tiro em Sara, que se cobre gradualmente de sangue: deulle nun
brazo. Volveu logo, e foille dar nunha coxa. O corpo da mestra,
enteiramente espido, comenzou a cubrirse de sangue (Ferreiro:
1991, 152), até que finalmente clama desesperadamente pelo socorro
do noivo, que não aparece, uma vez que fora já atingido pelos
falangistas, que ainda não sabiam que o tinham atingido: de
súpeto a mestra comenzou a berrar, coma se tolease de repente. Daba
gritos horribles, como adoecida de dor. Chamaba por Gregorio,
clamando pola súa axuda para que a sacase daquel inferno. Pedíalle
que a matase cun dos seus certeiros disparos (Ferreiro: 1991,
152).
Este quadro de horror é um fiel exemplo da repressão fascista,
sádica e brutal, e esta última passagem da obra relembra-nos os
dramáticos depoimentos presentes no documentário Memória
recobrada, apresentado por Manuel Rivas. Nele, deparamo-nos com a
existência do terrível sadismo falangista e é bem patente a
memória ainda viva de quem sofreu a repressão e teve de viver
escondido para resistir e salvar a própria vida, relatando-o com uma
memória ainda bastante fresca das atrocidades sofridas, assim como
também se sente o terror do relato do fuzilamento de galegos, as
mortes nas cunetas (valas ou bermas das estradas),
sendo depois os corpos atirados aos rios para fazerem tremer de
terror e intimidarem as populações que viviam nas suas margens.
As mortes nas cunetas e o horror
por elas causado é denunciado no poema com aquele nome (“Cunetas”),
de Luis Pimentel (1895-1958), publicado pela primeira vez na obra
Galicia hoy, da Editorial Ruedo Ibérico, París-Buenos Aires,
em 1966, embora esteja datado de 1937, e do qual aqui transcrevemos
alguns dos versos mais significativos: outra vez, outra vez o
terror!/ Un día e outro día,/ sen campás, sen protesta./ Galicia
ametrallada nas cunetas/ dos seus camiños./ Chéganos outro berro./
Señor, qué fixemos?/ -Non fales en voz alta-,/ Hasta cándo durará
iste gran enterro?/ -Non chores que podem escoitarte./ Hoxe non
choran máis que os que aman a Galicia-,/ Os milleiros de horas, de
séculos,/ que fixeron falla/ para faguer un home!/ Teñen que se
encher aínda/ as cunetas/ con sangue de mestres e de obreiros./
Lama, sangue e bágoas nos sulcos/ son semente (Rodríguez Fer:
1989, 277-278).
Como facilmente se verifica, este texto é de extrema importância
na denúncia da repressão, no território galego, durante a Guerra
Civil Espanhola, do fuzilamento das vítimas à beira dos caminhos,
deixando os corpos nas bermas ou valetas, durante os paseos a
que nos referimos anteriormente, sabendo as vítimas de antemão qual
seria o seu destino. Devido a estes ocorrerem em tão grande número,
Pimentel usa a metonímia e também hipérbole Galicia
ametrallada nas cunetas, o que causava um gran enterro,
pois eram muitos os corpos encontrados de resistentes galegos.
Assim, todos os dias, as populações sentiam o terror, não
sabendo quem seria o próximo a ser levado, tendo até de chorar os
seus mortos em silêncio, para que ninguém ouvisse o seu choro, uma
vez que, entre o povo, havia os que passavam informações aos
falangistas, traindo a própria família, amigos e comunidade, em
troca de favores ou bens, como já revelámos na breve análise de
Agosto do 36.
Os que sofrem em silêncio são os que aman a Galicia e o
sangue dos que morrem é essencialmente de mestres e de obreiros,
gente simples que luta pela sua terra e pelo direito à Liberdade e
que nenhum crime cometeu. Daí a invocação à entidade divina, a
quem o sujeito poético lança uma pergunta retórica (Señor, qué
fixemos?), tendo o povo de engolir a sua revolta e o seu
sofrimento porque a sua voz podia causar ainda mais mortandade e
sangue. Assim, tem de viver amordaçado (-Non fales en voz alta-),
pois o ser humano ainda não está construído, produzido, acabado.
Ainda faltam milleiros de horas, de séculos,/ que fixeron falla/
para faguer un home!, um ser humano com sentido de Justiça,
Democracia, Liberdade e Bem, sem a sede de sangue que fazia correr os
algozes falangistas, causando um enterro gigantesco que demorava a
acabar (Hasta cándo durará iste gran enterro?).
O poema passa posteriormente para um sentido mais introspetivo e
intimista, a partir daqueles acontecimentos, havendo uma correlação
entre o exterior e o interior do sujeito poético: docemente
chove./ Enviso, arrodéame unha eterna noite./ Xa non teréi palabras
pra os meus versos./ Desvelado, pola mañán cedo/ baixo por un
camiño./ Nos pazos onde se trama o crimen/ ondean bandeiras pingando
anilina./ Hai un aire de pombas mortas./ Tremo outra vez de medo./
Señor, isto é o home./ Todas as portas están pechadas./ Con
ninguén podes trocar teu sorriso./ Nos arrabás,/ bandeiras batidas
i esfarrapadas./ Deixa atrás a vila./ Ti sabes que todos os días/hai
un home morto na cuneta,/ que ninguén coñece aínda./ Unha muller
sobre o cadáver do seu home/ chora./ Chove./ Negra sombra, negra
sombra!/ Eu bem sei que hai un misterio na nosa terra, /máis alá da
néboa, / máis alá do mar,/ máis alá da
chuvia,/ máis alá do bosque (Rodríguez Fer: 1989, 278).
Contrastando com a amarga situação, a chuva cai serena e
brandamente, como se não quisesse contribuir para um ambiente ainda
mais negro e agressivo, pois a noite já chegou, eterna,
como se pretendesse apagar ou tapar os atos violentos cometidos e os
corpos que jazem à beira das estradas, mas a anteposição do
adjetivo pode também significar que esta noite, este ambiente
de terror, demora a acabar, não tem fim, causando cada vez mais
vítimas.
Devido ao horror dos acontecimentos que ele próprio presencia, o
sujeito lírico não encontrará, depois do que viu, mais vocábulos
que expressem a violência e o terror, pois o tempo verbal usado é o
futuro, expressando o sucumbir da sua inspiração perante a
realidade a que assiste: non teréi palabras pra os meus versos.
Perante o que o rodeia, chega então à conclusão de que isto é
o home, apresentando a Deus o resultado da sua criação: um ser
que pratica o Mal, que tem prazer em praticá-lo e sente poder ao
aterrorizar quem não se pode defender, matando sem qualquer motivo
ou sentimento, a não ser ódio. Assim, receando a loucura inimiga
insensível a qualquer bom senso ou apelo, todas as pessoas da vila
fecham as portas, refugiando-se nas próprias casas, de modo que o
sujeito poético, dialogando consigo mesmo, aconselha-se a afastar-se
da vila, porque todos os días/ hai un home morto na cuneta,/
que ninguén coñece aínda e o próximo, no dia
seguinte, poderá, quem sabe, ser ele próprio. Entretanto, observa
ainda uma mulher que chora sobre o corpo do seu home, ao
mesmo tempo que a chuva dela se condói e com ela se solidariza.
Profundamente abatido, desolado e carregando consigo as marcas
daquilo a que assistiu, o sujeito lírico, sozinho na escuridão,
sente a força do mistério sobrenatural do território galego. Por
que razão o sente? Talvez porque o ambiente propicia esse
sentimento: a noite, a chuva, a névoa, o mar e o bosque são
elementos naturais que criam uma auréola de misticismo que
contribuem inclusivamente para cristianizar as vítimas dos
fuzilamentos. Estes mártires tornam-se também elementos da
Natureza, confundindo-se com ela: os seus corpos jazem na terra e
talvez as suas almas integrem os bosques envoltos na névoa, dando
origem a lendas (não podemos esquecer que a Galiza é um manancial
de misticismo, ajudado pelos elementos da natureza que Rosalía de
Castro tanto exaltava). No entanto, é referido que esse mistério
está além da chuva, da névoa, do mar e do bosque, sendo usada a
anáfora para reforçar a ideia de que o mistério está acima de
todos estes elementos, portanto, próximo ou ao nível da entidade
divina. Esta é a única que poderá saber e entender os
acontecimentos trágicos que então ocorriam, interpretação que
consideramos pertinente, tendo em conta que, no território galego,
os elementos pagão e cristão fundem-se, criando um ambiente de
significativa espiritualidade.
O campo semântico predominante relaciona-se com a morte, horror e
sofrimento: terror; ametrallada; berro; gran
enterro; sangue de mestres e de obreiros; Lama, sangue
e bágoas; eterna noite; crimen; esfarrapadas;
home morto na cuneta; cadáver; chora; Negra
sombra e, de todo o vocabulário usado, poucas são as palavras
que têm alguma conotação positiva, como semente, indicadora
de que, de tantas mortes e sangue, poderá nascer a revolta e a
vitória que acabarão com tanta tragédia. No entanto, até lá,
teñen que se encher aínda/ as cunetas/ con sangue de mestres e
de obreiros, hipérbole que não estaria muito longe da
realidade, na Galiza rural (seus camiños; baixo por un
camiño.) ou urbana (Nos arrabás), sendo os assassinatos,
fuzilamentos e prisões, pensados e planeados nos pazos onde se
trama o crimen. Todas estas ações construíram o quotidiano dos
galegos, entre julho de 1936 e março de 1937, sendo assim este poema
um resumo esclarecedor da situação vivida nesse espaço de tempo e
que perdurou muito além desse ano.
Os galeguistas do interior lutaram, pois, contra situações
duríssimas e extremamente adversas, tentando discretamente manter
contacto com outros grupos de oposição clandestina não deixando
morrer o Galeguismo.
BIBLIOGRAFIA
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La memoria recobrada, RTVE/TVE, Edivisa, dirigida por Alfonso
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Referências: