Associação Cultural Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa (Pro-AGLP)
Abril 2014
No Estado espanhol as normas
ortográficas de qualquer das línguas oficiais do estado não são
objeto jurídico. Por isso não existem normas ortográficas
"oficiais" e não vigora disposição jurídica alguma que
obrigue os administrados à utilização duma norma ortográfica concreta.
As normas de escrita das línguas
são só princípios orientadores, que as pessoas aplicam com maior
ou menor grau de conhecimento. De maneira estrita, se as normas
ortográficas fossem "oficiais", qualquer escrito que
contivesse o que se entende por "erros" (acentuação,
irregularidades ortográficas, etc.) seria juridicamente inválido.
Mas isto não acontece. Juridicamente não cabe o estabelecimento de
fronteiras entre o que se entende como um escrito "correto"
ou "incorreto". Na expressão escrita de qualquer língua
cabe um amplíssimo leque de variabilidade e criatividade - incluindo
quaisquer formas mistas de expressão que combinem princípios
normativos - variabilidade que, desde que a compreensão básica do
texto não se veja afetada, fica fora de qualquer regulação e
sanção jurídica
Velho e certeiro desenho de Xaquin Marin. |
como exceção parcial, o Decreto
173/1982, do 17 de novembro, de normativización da lingua galega,
estabelecia a obrigatoriedade de ensinar nos centros escolares sob
competência autonómica a norma da Real Academia Galega, mas sem
afetar outros âmbitos administrativos nem impedir que também
puderam ser ensinadas nos centros escolares outras normas distintas
da citada. O antedito decreto fixava três normas de correção
idiomática para serem ensinadas nos estabelecimentos educacionais:
1.- A norma NOMIGa ILG-RAG, só
para a formulação de 1982-1983, dado que as posteriores, dos anos
1995 e 2003, não foram acompanhadas do correspondente decreto.
2.- O vocabulario ILGa, que decaiu
por não cumprir o prazo.
3.- A norma mista ILGa-RAGa,
resultado das duas anteriores, aliás, decaídas.
No caso da Galiza, a Disposição
adicional da Lei 3/1983, de 15 de junho, de normalización
lingüística, refere-se à correção idiomática para estimar "como
criterio de autoridade o estabelecido pola Real Academia Galega"
indicando claramente que a opinião desse organismo é apenas um
critério de autoridade que não se define como único ou exclusivo,
nem como obrigatório para os administrados e muito menos como
oficial.
A Sentença 1992/1993, de 4 de
maio, do TSJG, confirmada pela sentença do Tribunal Supremo de 2 de
outubro de 2000, defende a legitimidade do uso de "outras regras
ortográficas do idioma galego assumidas e praticadas em eidos
intelectuais e por capas sociais que atopam o seu fundamento e
legitimidade em razões históricas, consuetudinárias, geográficas
e de polimorfismo próprio das falas", acrescentando que
"Consequentemente, constituirá um atentado ao direito à
liberdade ideológica, científica, de expressão e de livre
circulação das ideias, todo intento por parte dos poderes públicos
de seiturar, com o galho da defesa a ultrança duma normativização
oficial, posturas linguísticas que, não apartando-se do seio comum
de origem e convivência idiomáticas, se amossem como discrepantes".
Ampliando o Artigo 5.4. do Estatuto
de Autonomia da Galiza, a Lei 3/1983, de 15 de junho, de Normalização
Linguística, indica em seu Artigo 3º que "Os poderes públicos
da Galiza adoptarão as medidas oportunas para que ninguém seja
discriminado por razão de língua", não devendo excluir-se as
escolhas ortográficas individuais desta garantia. Deve ressaltar-se
que o próprio Tribunal Superior de Justiça da Galiza tem utilizado
normas ortográficas distintas das da Real Academia Galega
na hora de emitir sentenças, como são a 177/1986 ou a 378/1989.
Desenho de Xaquin Marin |
Por isto, a Administração,
conforme à lei, deve admitir qualquer texto duma língua oficial
redigido em qualquer norma ortográfica baseando-se no critério de
inteligibilidade. Se um texto é inteligível, se pode entender-se,
deve ser admitido a trâmite. Qualquer rechaço dum texto por razão
de norma ortográfica é discriminatório.
Como reconhece a Sentença
1992/1993 do TSJG, de 4 de maio, existem outros critérios
ortográficos para a escrita da língua galega distintos e
concorrentes com o da Real Academia Galega. Estes critérios de
autoridade são estabelecidos igualmente por entidades em cujos
estatutos, legalmente reconhecidos, consta o fim ou objetivo de
estabelecer critérios de correção idiomática para a língua
própria da Galiza, como é o da Academia Galega da Língua
Portuguesa, conforme a Orden CUL/1075/2011, de 1 de marzo, por la que
se inscribe en el Registro de Fundaciones la Fundación Academia
Galega da Língua Portuguesa (BOE, 29 de abril de 2011). A AGLP
propõe, como continuadora da Comissão Galega do Acordo Ortográfico,
a adoção do Acordo Ortográfico de 1990 como norma para a escrita
do galego. A citada Comissão Galega foi responsável pela delegação
de observadores da Galiza que tomou parte nas reuniões do Acordo
Ortográfico de 1990, tratado internacional que inclui a Galiza no
seu primeiro parágrafo e que foi ratificado por sete Estados
signatários.
Desenho de Xaquin Marin. |
A Lei 1/2014, de 24 de março, para
o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a lusofonia, a
"Lei Paz-Andrade", reconhece a importância dessa Comissão
- cujo vice-presidente dá nome à lei -, citando-a na sua exposição
de motivos, e estabelecendo ainda em seu Artigo 1.º a
responsabilidade dos poderes públicos em promover o conhecimento da
língua portuguesa como fundamento da potencialidade e utilidade da
língua própria da Galiza, e o fomento do conhecimento de português
por parte dos empregados públicos.
Um crescente número de galegas e
galegos, tanto pessoas como entidades judíricas cívicas e de
investigação, em consonância com o espírito da Lei Paz-Andrade,
utilizam diariamente uma escolha ortográfica distintada proposta
pela Real Academia Galega para a representação escrita das falas
galegas conforme a uma visão extensa e útil da língua própria da
Galiza, escolha que também está amparada pelos Artigos 3º, 5º e
9º da Declaração Universal de Direitos Linguísticos, aprovada em
Barcelona em junho de 1996.
Esta escolha individual pode ser
aplicada pelo usuário da língua em todos os âmbitos de uso: no
privado e no público, no familiar e no laboral, exercendo o direito
vigorante na Espanha a expressar-se por escrito como melhor entender
e/ou souber, sem obrigação de seguir uma norma ortográfica
concreta, e com a possibilidade de seguir qualquer das normas
possíveis. Portanto todas as normas estabelecidas por organismos
competentes em língua podem ser usadas de maneira corrente tanto em
textos administrativos quanto em textos laborais, escolares e
pessoais, por esse uso estar dentro do quadro legal explicado.