domingo, 11 de setembro de 2022

As Bandeiras ibéricas. Múrcia. Capítulo 7


Não conhecemos a possível representação vexilológica utilizada em época do Conde Teodomiro de Aurariola, que resistiu e pactou com os muçulmanos no século VIII e que ocupava aproximadamente a região que hoje poderíamos identificar com o histórico reino de Múrcia, mas sabemos que durante esse século, o território da Espanha foi unificado ao redor da capital cordovesa centralizando o poder andaluzi e organizando-se num emirado dependente de Damasco. Sabemos, no entanto, que a rutura de Al-Andalus foi real a partir do primeiro terço do século XI, após a fitna que levou à independência das Taifas. Nestes momentos  iniciais so conhecemos um vexilo que sobre fundo branco é cruzado por uma faixa azul celeste bordeada em verde, talvez como representação do rio Segura, que  era o que dava unidade e identidade à bacia do mesmo, quer dependente da Taifa de Valência, quer independente.


Posteriormente, depois da anexação de Toledo por parte de Afonso VI, as Taifas andaluzis chamaram os almoravidas que unificaram Al-Andalus, mas quando se levou a cabo uma grande rebelião contra estes causada pela sua intolerância, chefiada pelo líder Saif al-Dawla, vassalo e amigo do Imperador Afonso VII, o oriente peninsular ficou conformado por uma grande Taifa dirigida por Ibne Mardanis que fez da cidade de Múrcia a sua capital. A importância e o esplendor da cidade foram imensos e referenciais para Europa e o Mediterrâneo. Morto o conhecido como rei Lobo, o reino caiu nas mãos dos almoadas. O domínio almoada durou uns cinquenta anos, até o momento em que  Ibne Hude expulsa os norte-africanos reunificando quase todo Al-Andalus tendo como capital a cidade murciana. A debilidade andaluzi do momento não vão impedir que Fernando III de Galiza e I de Castela consiga conquistar Xaém, Córdova e Sevilha. Pouco depois da sua morte, o infante Afonso de Castela, filho de Fernando III e príncipe sucessor ao trono, faz-se com a Taifa de Múrcia, fique incorporada a Castela. Dessa época sabemos que o vexilo usado é um pendão totalmente verde, em memória dos fundadores de Al-Andalus, a família dos Omíadas.


A partir de 1243 e até 1266, o Reino de Múrcia passou a fazer parte da Coroa Castelhana por conquista da Taifa andaluzi, regida por Ibne Hude al-Dawla. A conquista e ocupação foi protagonizada pelo infante Afonso de Castela, futuro Afonso IX o sábio. Posteriormente houve uma importante rebelião dos mudejares, que eram muçulmanos aos que lhe foi permitido permanecer nas regiões conquistadas pelos cristãos, que teve como consequência imediata a eliminação de todas as instituições murcianas e o translado do centro do poder de Cartagena para a cidade de Múrcia. O pendão concedido por Afonso o Sábio era o seguinte: Sobre fundo vermelho, cinco coroas em amarelo representando os cinco reinos andaluzis que o rei Afonso incorporava ao seu poder real fazendo parte da Coroa castelhana: Toledo, Xaém, Córdova, Sevilha e agora Múrcia.


Mas foi entre 1296 e 1304 que Múrcia passou a fazer parte da Coroa catalano-aragonesa quando lhe foi concedido um vexilo de estética catalã, onde sobre fundo amarelo atravessavam duas faixas vermelhas em sentido horizontal. 

A partir de 1304, o reino de Múrcia retorna a Castela que é quando achamos um vexilo conformado por um fundo vermelho com seis coroas em amarelo. O pendão prolongava-se longe da haste em cinco faixas. 


Mas foi em época de Pedro I, por volta de 1361, que este pendão de seis coroas, dispostas em duas colunas de três cada uma, aparece acrescentado com um novo elemento na bordadura, já que incorpora os escudos castelhano e leonês, alternando-se no corpo da bandeira, não incluindo nenhum elemento nas faixas. Este pendão permaneceu como símbolo do reino durante muito tempo.

 
Com a chegadados franceses, o Reino de Múrcia recuperou certo poder político e agiu organizando as suas próprias defesas contra o invasor, pelo que se formou o Batalhão Provincial de Múrcia, número 10, durante a chamada Guerra da Independência. O símbolo sob o que se reuniram os combatentes era uma bandeira azul cobalto que serviria de base para representações posteriores.
 
 
A partir da chegada ao trono de Isabel II e a divisão provincial de Javier de Burgos, o Reino de Múrcia acaba sendo abolido para se constituir uma região sem poder político autónomo, mas dividida em duas províncias: Albacete, que surgiu com os territórios nortenhos do antigo reino de Múrcia, aos que se lhe acrescentaram terras das antigas províncias da Mancha e Cuenca; mais a província de Múrcia propriamente dita, constituída com o resto dos territórios que ficavam do antigo reino e que não  tinham ficado em Albacete.
Mas é durante o século XIX, que a nova região de murciana levou a cabo várias tentativas de autonomia cantonal, manifestadas em forma de rebelião armada, com especial protagonismo das localidades de Cartagena, a cidade de Múrcia, Jumilla, Almansa, Chinchilla,...  Os revolucionários usavam uma bandeira completamente vermelha, resultado de pegar numa bandeira do Império Otomano e tingi-la totalmente de vermelho, apagando o símbolo da meia lua e da estrela. 
 
 
No entanto, o cantão de Cartagena, optou por apresentar um outro modelo apanhado da contrassenha da Marina Mercante espanhola para a província marítima de Cartagena. Esta bandeira era uma cruz branca sobre fundo vermelho, que serviu como base para a posterior bandeira autonomista murciana, utilizada durante a II Republica Espanhola.
 
 
Anteriormente, desde a criação das províncias e a aprovação das bandeiras provinciais, Múrcia passou a ver-se representada por uma bandeira azul cobalto com o escudo coroado no centro. Esta bandeira foi reconhecida como bandeira provincial e usada como insígnia da Deputação de Múrcia até a chamada Transição baseada na bandeira azul cobalto com que o Batalhão número 10 defendeu a região dos franceses. No interior do campo da bandeira, aparece o escudo representando os nove partidos judiciários em que estava dividida a província: Múrcia, Caravaca, Cartagena, Cieza, Lorca, Mula, Totana, La Union e Yecla.
 

Por sua vez, Albacete teve uma bandeira provincial desde 1956, ocupando um campo de vermelho carmesim com o escudo no centro que  reunia todos os  partidos judiciários, embora modificada a partir de 1994 por uma bandeira, também em vermelho carmesim com um novo escudo com a coroa real espanhola.
Finalmente, com a morte do ditador Francisco Franco e a implementação da denominada Espanha das autonomias, a região de Múrcia reclamou para si um estatuto de autonomia, com o qual se dotar de simbologia própria. Assim foi que se desenhou uma nova bandeira regional que se descreve da forma seguinte: Bandeira retangular em vermelho carmesim, também chamado vermelho Cartagena. No ângulo superior esquerdo aparecem quatro castelos com três ameias cada um em ouro, isto é, em amarelo, distribuídos de dous em dous. Cada castelo, representa cada uma das quatro culturas fronteiriças que determinaram a identidade do Reino de Múrcia: a castelhana, a catalano-aragonesa, a andaluzi e a quarta, que representa a influência mediterrânica. Na parte inferior direita aparecem sete coroas reais dispostas em quatro filas organizadas em três fileiras horizontais e sobrepostas, com três coroas a superior, duas a intermédia e uma a inferior, e sobre elas, a sétima coroa, concedida pelo primeiro monarca Bourbon. 
Das seis coroas históricas que permaneceram desde Pedro I, passou-se agora às sete, fruto do agradecimento de Filipe V ao povo murciano pelo apoio na Guerra de Sucessão, que trouxe os Bourbons a Coroa Hispânica no século XVIII.
A bandeira foi concebida em 1978 por uma comissão do Conselho regional criada especificamente com o objetivo de dotar a nova região autónoma de uma simbologia própria. Nessa comissão estavam os historiadores Juan Torres Fontes e José Maria Jover Zamora, autênticos autores  do vexilo.
 

A todo este repasse
à simbologia vexilológica murciana, teremos que acrescentar a bandeira do regionalismo murciano que acrescenta ao estandarte, já conhecido e oficial da região de Múrcia, a cruz branca do cantonalismo de Cartagena, com uma cruz azul no meio, que representa as aspirações soberanistas.
 
 
Poderíamos acrescentar, aliás, uma outra bandeira, a do nacionalismo murciano de esquerda definida como uma bandeira vermelha com sete estrelas, em vez de sete coroas, dispostas da mesma maneira do que as coroas da bandeira oficial.  
 

 

 


 

 

As Bandeiras ibéricas: Madrid. Capitulo 6

 


 

Madrid foi um cidade nascida dentro da Taifa de Toledo que identificava a fronteira Marca ou Cora central de Al-Andalus, aṯ-Ṯaġr al-Awsaṭ (الثغر الأوسط). Dentro dessa linha fronteiriça com a Yilliqiya, ao Sul do As-Serrat (Maciço Central), havia uma fortificação militar estratégica avançada construida como uma autentica fortaleza defensiva durante o século IX, pelo emir de Córdova, Maomé I, sendo rei do Christianorum Regnum Afonso III, mas consolidada durante o século XI como parte do sistema defensivo da Taifa de Toledo com o nome de Al-Mayrit1, servindo de muro defensivo durante as tentativas de Afonso VI por anexar a Taifa. Entre 1081 e 1085 aconteceu o conflito entre a Coroa galaico-leonesa e as diferentes taifas andaluzis pelo controlo de Toledo cuja população estava dividida nos seus apoios2. Madrid foi ocupado pelo rei Afonso em 1081 e a taifa foi anexada, finalmente, em 1085.

Durante a historia do Madrid integrado dentro do Reino de Toledo, como parte da Coroa de galaico-leonesa, primeiro e castelhana, posteriormente, entendemos que a simbologia coincide com a que expusemos no capítulo da história das bandeiras de Castela-Mancha por fazer parte, a cidade de Madrid, de dito reino. Mas temos a referência da exposição dum vexilo durante o reinado de Afonso I de Castela (Afonso VIII, segundo as fontes castelhanas) na Batalha das Navas de Tolosa em 1212 que apresenta um urso com a constelação da Ursa no seu interior.


A vila, como tal, e durante a sua história,  foi vila de recreio de reis, sede das Cortes castelhanas várias vezes e residência de monarcas desde Carlos I, até que em 1561 acabou sendo capital da Monarquia Católica, sendo rei Filipe II.

A partir de 1833 quando se conformam as províncias, Madrid adota uma bandeira verde com o escudo um meio que contém em si próprio os escudos dos partidos judiciários que havia no seu território, que eram, a vila de Madrid, Alcalá de Henares, Navalcarnero, San Lorenzo del Escorial, Colmenar Viejo e Aranjuez.

Posteriormente, quando a província se constitui em Comunidade Autónoma, em 1983, constitui-se em região, com uma bandeira da denominada Comunidade de Madrid em vermelho carmesim, a partir da entrada em vigor do Estatuto de Autonomia, mas desde 1984, com a lei de símbolos, considera-se que o vermelho é “rojo vivo”, segundo a terminologia em castelhano, correspondente ao rouge ponceau francês que coincide com o vermelho das papoulas silvestres de cor vermelha que representa a cor do pendão de Castela, já que Madrid tem sido historicamente castelhana, mas também a cor da bandeira oficial da Espanha. De facto, esta contradição entre o Estatuto e a lei de símbolos, soluciona-se optando pelo disposto no Decreto 2/1984 em que prescreve o vermelho vivo.

Alias, o campo da bandeira conta com sete estrelas de cinco pontas em prata, isto é, brancas, dispostas no centro do campo vexilológico, ordenadas em duas fileiras, quatro na parte superior e três na parte inferior, representando cada uma das áreas administrativas atuais da província de Madrid, que são: a cidade de Madrid, Alcalá de Henares, Torrelaguna, San Martín de Valdeiglesias, El Escorial, Getafe e Chinchón. Acredita-se que as estrelas também representem a constelação da Ursa Maior (o asterismo do Arado) ou da Ursa Menor, em referência ao urso do brasão da cidade de Madrid registado desde a Batalha das Navas de Tolosa, no século XIII. Por outra parte, as cinco pontas representam cada uma das outras cinco províncias que rodeiam a província de Madrid, nomeadamente, Ávila, Cuenca, Guadalaxara, Segóvia e Toledo.

A criação da bandeira para ser usada como símbolo da Comunidade Autónoma correspondeu ao escritor e jornalista Santiago Amón Hortelano junto com o desenhador Jose Maria Cruz Novillo. Um exemplo de criatividade promovida pela oficialidade.

 


 

1 Originariamente Al-Magrit que deriva do moçarábico matrič, que significa matriz, que por sua vez provem do latim matrix, cujo acusativo é matricem. Este nome está referido ao regato a partir do qual se gera o rio atualmente denominado Manzanares. Madrid, é, portanto, o lugar do regato matriz do qual nasce esse rio.

2 Os muçulmanos apoiavam a aproximação a outras taifas andaluzis, enquanto moçárabes e judeus optavam por se integrarem dentro da Coroa de Afonso VI.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...