sexta-feira, 26 de junho de 2015

A lei que apagou a Galiza da História



O Ministro Wert foi o responsável da LOMCE, nova lei onde as competências das Comunidades Autónomas foram invadidas e ignoradas até o ponto de retornarmos a um ensino próprio do mais obscuro das épocas franquistas. Com esta lei, os nenos galegos não podem ter informação sobre muitas cousas relativas ao seu País, entre elas o conhecimento histórico. Até o momento a História da Galiza era ignorada em grande medida mas ainda os alunos podiam saber o que era um castro ou que Galiza foi um Reino. De agora em adiante, nem isso vão saber. Quando vejam pedras no alto dum outeiro dirão que é uma velha aldeia abandonada e quando lhe falem dos "suevos" dirão que com isso se fazem as homeletes...
A Galiza não se pode permitir ignorar o seu passado, como não se pode permitir ignorar a sua língua nem a sua procedência. Com esta lei a Galiza dá mais um passo para o seu apagamento como Nação histórica.
Durante muito tempo leva sido acusado o galeguismo de ignorar o que nos une à Espanha.... O que quero perguntar agora é... que é o que ao galegos nos une à Galiza? Porque não vejo nada que possa ser vinculado ao estudo duma História da Galiza.
Vamos ver a seguir o temário dos últimos cursos de primária onde a Galiza desaparece e os paradigmas historiográficos mais arcaicos e obsoletos recuperam protagonista.
Copio na íntegra o programa traduzido em temário de História dos próximos cursos de 4º, 5º e 6º segundo a LOMCE (nova lei de Ensino) para que se veja onde ficam os  temas sobre a Galiza, legalmente comunidade autónoma do Reino da Espanha que tem por objetivos achegar informações sobre a própria Galiza para que os nenos galegos conheçam a sua realidade histórica nacional (já que é uma nacionalidade histórica, reconhecida pelo Estatuto de Galiza). Se alguém pode visualizar algum elemento importante onde a Galiza seja a protagonista do estudo, que no-lo diga.
Recolhi a informação de alguns livros da editorial Santillana e da Anaya. Há alguma editora que ainda tem algum texto que se pode aproveitar, mas a tendência é que a Galiza desapareça, como desaparecida estava quando nós na época franquista estudávamos:
Vejamos:

4º Curso de primária:

TEMA 6

Como se estuda a História
a- Que é a História
b- As fontes históricas: Orais. Gráficas. Material
c- A Investigação histórica:
   1-Formular perguntas
   2-Procurar fontes
   3-Estudar as fontes
   4-Obter conclusões
d- Atividades

- O tempo histórico
a- A medida do tempo
b- O tempo antes e depois de Cristo
c- Ordenar o tempo
d- As Idades da História
   1- Pré-História
   2- Idade Antiga
   3- Idade Média
   4- Idade Moderna
   5- Idade Contemporânea
e- Atividades


TEMA 7

A Pré-História

a- Introdução. Leitura. De Atapuerca ao Homem Antecessor
b- O Paleolítico
   1- Divisão da pré-história:
        * Paleolítico
        * Neolítico
        * Idade dos Metais
   2- Os primeiros povoadores
   3- Como é que se alimentavam
   4- A vida no Paleolítico
   5- Como é que lavravam a pedra
   6- Atividades
c- O Neolítico
   1- Os primeiros agricultores e gadeiros
   2- As primeiras aldeias
   3- Os primeiros artesãos
   4-Atividades
d- Idade dos Metais
   1- Os primeiros objetos de metal
   2- Da aldeia à cidade
   3- A expansão do comércio
   4- Atividades
e- A arte da pré-história
   1- As pinturas rupestres
   2- As pinturas rupestres na península
        * O cantábrico: Astúrias, Cantábria e o Pais Basco
        * Levante
   3- Como pintavam na pré-história
   4- Os monumentos megalíticos
        * Menires
        * Dólmenes 
        * Cromeleques
5- Atividades


TEMA 8

A Idade Antiga: Os povos pré-romanos

a- Introdução: Leitura: A maça da discórdia (Lenda Grega)
b- Os Iberos e os Celtas
   1- Os Iberos
   2- Costumes funerários
c- Os Celtas
d- Atividades
e- Os povos colonizadores: Os gregos
   1- A Polis
   2- A vida numa colónia grega
f- Os povos colonizadores: Os fenícios e os cartagineses
   1- Os fenícios
   2- Os cartagineses
        * Anibal
g- Atividades

TEMA 9

A Idade Antiga: A época romana

a- Introdução: Leitura: Pompeia, uma cidade baixo as cinzas.
b- A conquista romana
   1- O Império Romano
   2- A legião romana
   3- A conquista de Hispânia
   4- A organização da Hispânia
   5- Viriato
c- As cidades e o campo em Hispânia
   1- As cidades de Hispânia
   2- O campo de Hispânia
d- A forma de vida em Hispânia
   1- A sociedade hispano-romana
   2- As vivendas dos romanos
   3- O vestido romano
   4- Que jogos faziam os nenos romanos
e- O legado romano
   1- A religião e a cultura
   2-Séneca: Um sábio hispano no Império Romano
   3- A arte hispano-romana
f- Atividades

5º Curso de primária

A Idade Média

Tema 7  

a- O longo período medieval
   1- Quanto durou a Idade Média
        * Alta Idade Média
        * Baixa Idade Média
   2-Como se vivia em Europa
        * O sistema feudal
b- A chegada dos visigodos e os muçulmanos
   1- O reino visigodo de Toledo
   2- Al-Andaluz
        * Evolução de Al-Andaluz
c- Atividades

Tema 8

d- Os novos reinos cristãos
   1- Formação de Al-Andalus
        * A reconquista. Pelayo e a Cruz da Vitória
        * Reino de Astúrias e Reino de Leão
        * Condado de Castela e Reino de Castela e Leão (1230)
        * Condado de Portugal e Reino de Portugal (1139)
        * Reino de Pamplona e Reino de Navarra
        * Os condados catalães
        * Os condados aragoneses e Reino de Aragão  
   2- Como se vivia nos reinos cristãos.
   3- Atividades


Tema 9

e- A Cultura nos reinos cristão
   1- Porque já não falamos latim?
   2- As línguas românicas: O castelhano e o Mio Cid
   3- Uma cultura muito religiosa: A Arte medieval
   4- Que era o Caminho de Santiago
   5- Atividades
f- Uma época de guerra e convívio
   1- Que culturas conviviam?
        * Em Al-Andaluz
        * Nas cidades cristãs 
   2- Saber ler um mapa histórico: A Reconquista
        * Cristãos, Judeus e muçulmanos
g- Atividades

Página de Atividades
h- Ponte a prova
   1- A origem comum das línguas românicas
   2- A alimentação na Idade Média
   3- O vestido na Idade Média
   4- Atividades: Um mercado medieval

 6º Curso de primária

 Tema 7

a) O tempo histórico
   1- Como ordenamos o tempo
   2- Câmbio e continuidade na História
        * Os câmbios
        * A continuidade
   3- As fontes histórica
        * Escritas
        * Gráficas
        * Orais
        * Materiais
   4- Atividades

b- As Idades da História
   1- Pré-História
   2- Idade Antiga
   3- Idade Média
   4- Idade Moderna
   5- Idade Contemporânea

A Idade Moderna

a-
b-
c-

 Tema 8

A Idade Contemporânea: O Século XIX

Leitura e compreensão: Viva la Pepa. Exercícios
a- Da guerra da Independência a Fernando VII
   1- A guerra da Independência
   2- A constituição de 1812
   3- O reinado de Fernando VII
b De Isabel II ao final do Século XIX
   1-A época de Isabel II
   2- O final do século XIX
   3- A Restauração
c- Atividades

d- A Economia e a sociedade no século XIX
1- A Revolução Industrial
2- A Sociedade
3- Atividades

e- A Arte e a Cultura no século XIX
1- Arquitetura
2- Escultura
3- Pintura
4- Literatura
5- Atividades


Tema 9

A Idade Contemporânea: A Espanha nos Séculos XX e XXI

Leitura: Um símbolo de paz: Leitura e compreensão. Atividades
a- A Espanha dos começos do Século XX
   1- O reinado de Afonso XIII
   2- A ditadura de Primo de Rivera
   3- O fim da monarquia
   4- Atividades

b- A Segunda República e a Guerra Civil
   1- A Segunda República
   2- As reformas das Segunda República
   3- A guerra civil
   4- As consequências da guerra
   5- Atividades
c- A época franquista
   1- O franquismo, uma ditadura
   2- Os primeiros anos do franquismo
   3- As mudanças no franquismo
   4- Atividades
d- Da transição à democracia
   1- Juan Carlos I, Rei de Espanha
   2- A constituição de 1978 e o Estado das Autonomias
   3- A consolidação da democracia
   4- Os governos da democracia
   5- Atividades
e- A Arte e a Cultura no Século XX e na atualidade
   1- Pintura
   2- Escultura
   3- Arquitetura
   4- Literatura
   5- Atividades
f- A Espanha na União Europeia
   1- A Espanha e a União

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Crónica das IV Jornadas das Letras galego-portuguesas em Pitoes das Júnias





Por Vitor Garabana

Foi no dia 29, de caminho, quando comecei a estabelecer contacto com o campo verde e amarelo da primavera galego-portuguesa. Com uma breve passagem pela aldeia de Ninho d’Águia, prelúdio para entrar na atmosfera da comarca; a seguir pelas aldeias do Couto Misto – Rubiães e Santiago de Rubiães - e percorrer o caminho privilegiado até às terras de Tourém.
 
Tourém
A partir dai, a ganhar e ganhar altitude: paisagem de giestas, urzeiras, queirogas, piornos... Paisagem de montanha, terras duras só aptas para a vida de pessoas fora do comum. Por fim, Pitões das Júnias! À noite, ceia (jantar, para os do sul) na Casa do Preto, o prazer de fazermos novos amigos e de reatarmos velhas amizades. Falamos dos diferentes caminhos de chegada, de norte e de sul, também da receção que nos tinha dado a fauna local: vacas, raposas, teixugos e paspalhãos que saíram ao nosso encontro nas estradas...
 
O Monte do Pisco de caminho entre Tourém e Pitões

Dia 30 de maio. Sábado

De manhã: A presidente da Junta de Freguesia, Lúcia Jorge, e o da Câmara Municipal, Orlando Alves, deram-nos as boas-vindas e inauguraram as jornadas.

No primeiro painel, moderado pelo José Manuel Barbosa, a Mónica O’Reilly falou-nos da sobrevivência e a validade atual dos mitos. De terem sido outrora a principal fonte para o relato histórico, nos dias de hoje passaram a ser desprezados por muitos historiadores. Mas entre interpretar os relatos míticos à risca e considerá-los completamente infundados há um largo espaço de interpretação útil. Para questões como os argumentos de legitimidade para a ocupação dos territórios, sobre a narrativa de amizade ou guerra com outros povos, sobre viagens e comércio, etc.

A modo de exemplo, a coincidência dos topónimos como Brigântia -Bragança, Braga, Bergantinhos, Brigantium (Crunha-Betanços) no espaço galaico com os relatos do Livro das Invasões de Irlanda acerca da fundação de povoações na península ibérica pelo herói Brigh. Embora essas coincidências não devam ser interpretadas como feitos literais, poderão sê-lo no âmbito das realidades culturais dos países do espaço atlântico, de relação milenar já demonstrada.
A seguir, o João Paredes relembrou-nos na sua palestra as provas e as pegadas da religião céltica e o Druidismo na antiga Gallaecia.

Cronistas gregos e romanos denominaram os habitantes destas terras como celtas e descreveram os seus costumes, como também doutros povos célticos, o qual permite a análise comparativa. Para além disso, as próprias gentes habitantes destas terras nomeavam-se celtas em inscrições epigráficas, inclusive Druídas e Druidesas (DUR-BEDES).
Mesmo o principal ideólogo cristianizador destas terras, São Martinho de Dume, ao descrever os costumes que segundo ele tinham que ser erradicados, fez uma evidente descrição da religiosidade céltica.
Sabemos que muitos desses costumes são ainda vivos, disfarçados de religiosidade cristã ou de costumes folclóricos.

O Marcial Tenreiro falou-nos dos antigos ritos de delimitação de espaços ou de bênção de construções, em que os animais tinham um papel principal. Falou-nos de delimitações de pastos comunais para vezeiras entre diferentes freguesias, feitas por médio de animais que se deixam vadiar à toa até pararem num ponto que é então considerado o linde dos territórios. Ou bem mediante enfrentamento de animais bravos, como bois, pertencentes às comunidades vizinhas, com o mesmo propósito.
Também nos falou dos velhos sacrifícios e enterramentos de animais ao pé dos muros dos castros e séculos mais tarde nas vivendas para a bênção ou proteção desses prédios, pelo influxo mágico das habilidades naturais dos animais sacrificados.
Pois destes ritos que nos levam à antiguidade é provável que provenham costumes ainda atuais nestas terras, como as chegas de bois: não serão rememorações anuais e festivas dos velhos acordos de marcação de lindes das freguesias?
E contou-nos o surpreendente caso documentado por um notário na Idade Moderna na Galiza: a “bênção” duma ferraria com maço de pisão, não com o rito cristão e a presença dum padre, mas sim com o sacrifício dum boi e a marcação do quintal pertencente à ferraria com o sangue da cabeça, para ao final ser esta enterrada no linde.
No jantar (almoço para os do sul) tive a honra de compartirlhar mesa com o professor de audiovisuais João Bieites e com o José Lamela, ex-alcaide do Concelho de Lóvios e colaborador no programa “Sempre em Galiza” da Rádio Cornellà de Barcelona; a conversa com ambos foi para mim um grande prazer.

À tarde teve lugar o 2º Painel.

Recebeu-nos a moderadora da tarde, Kátia Pereira, representante do Eco-Museu do Barroso-Pitões das Júnias. Convidou-nos a visitá-lo e anunciou-nos que podíamos contemplar lá, para além da interessante coleção permanente, a reprodução da roupagem e a panóplia dum guerreiro galaico, segundo a documentação iconológica obtida por membros do grupo Oinaikos Brakaron em diversas escavações arqueológicas ao qual representava o nosso amigo Xavier Bobillo.
Xavier Bobillo representante do Oinaikos Brakaron, ao lado da panóplia guerreira dum soldado galaico.
A seguir foi projetado o filme: “Cemraiost’abram!” de Mónica Baptista.
Filme que, segundo o Padre Fontes, também se podia ter intitulado “Má/Mau ar te tolha!”, “Fachas te rachem!” ou “Lobos te comam!”, pois todas são expressões enfadonhas mas derivadas das duras condições de sobrevivência nestas terras de montanha. Dureza que é apreciável nas imagens do próprio filme, rodado nas fragas altas e com invernia, neves incluídas. Belo trabalho da Mónica Baptista, em que se aprecia a pequeneza dos seres humanos diante desta natureza imensa.
Kátia Pereira e Mónica Baptista
 Para acabar a primeira jornada, Rafael Quintia, João Bieites e José Manuel Barbosa apresentaram-nos as Atas destas mesmas Jornadas das Letras Galego-Portuguesas nos anos passados, 2012-2014, que sem dúvida darão para boas e gozosas leituras!
Kátia Pereira representante do Eco-Museu introduz à palavra ao Rafa Quintia e ao José Manuel Barbosa para apresentarem as Atas das três Jornadas anteriores.
No tempo livre posterior, visitamos a igreja de Vilar de Perdizes onde pudemos observar uma pedra com a reprodução do deus Larouco: a versão local, dos arredores da serra homónima, do deus céltico conhecido nas terras gaulesas como Sucellus e nas irlandesas como Dagda.
Reve Larouco/Sucellus/Dagda
 Também pudemos visitar um penedo com vários petróglifos, perto da mesma igreja.
Pedra Escrita de Vilar de Perdizes
À noitinha, os Gaiteiros de Pitões das Júnias animaram o ambiente na praça da eiró.

Dia 31 de maio. Domingo
Após as boas-vindas do Vice-Presidente da Câmara Municipal, David Teixeira, a professora Maria Dovigo trouxe-nos, mediante um discurso sensível e poderoso, a profundidade da poesia de Joana Torres, com as lembranças da presença da avó: mulher aferrada à terra e às vinhas que pelos acasos da vida foi parar a uma cidade industrial como Ferrol. Não posso imaginar nada mais céltico que as saudades e o amor pela natureza, transmitidas a modo de tradição pelas nossas avós.
A seguir o Hugo da Nóbrega, com uma tese bem exposta e desenvolvida, mostra a aparente carência de nome deste território. Embora seja conhecido hoje oficialmente como “Norte”, esse é nome dum ponto cardeal e não um nome territorial.
De esquerda a direita: David Teixeira, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Montalegre, Maria Dovigo, acadêmica da AGLP e Hugo da Nóbrega, investigador e designer portuense.
Após ser este o território histórico onde nasceram os nomes de Callaecia (Galiza) e Portucale (Portugal), vai ser que afinal fica sem nome?
O Hugo mostrou-nos a existência doutros territórios europeus que tinham passado por situações similares -perda do seu nome originário em benefício doutras entidades políticas vizinhas ou mais abrangentes- e qual foi a solução adotada em cada caso.
Pediu aos presentes opiniões e propostas possíveis para a restituição do nome a esta região histórica que abrange Minho, Douro e Trás-os-Montes, a qual, do meu modesto ponto de vista, é a que com mais direito pode reivindicar os nomes de Galiza e de Portugal.
No jantar (almoço, para os do sul), pude gozar duma agradável cavaqueira com o Marcial Tenreiro e com a responsável pelo Polo-EcoMuseu de Pitões, a Kátia Pereira.
A última atividade foi a visita ao Eco-Museu, com que finalizamos as jornadas.
Entrada ao Eco-Museu
Foram dias aprendizagem, intercâmbio de opiniões e, sobretudo, de amizade. Ficamos com vontade de voltar mais uma vez e sempre a Pitões das Júnias!

segunda-feira, 1 de junho de 2015

A quem assobiamos nós?



Por José Manuel Barbosa

O passado 30 de maio do presente ano de 2015, na final da Taça do Rei espanhola entre o Barcelona e o Athletic de Bilbau aconteceu o que temiam alguns. A torcida basca e catalã arrancou num assobio conjunto que apagou as músicas do hino espanhol no estádio cheio de seareiros perante um monarca muito śerio e um presidente da Generalitat nada surpreso. Os avisos e ameaças por parte do governo contra quem se atrevesse a exercer a sua liberdade de expressão ou dito de outro jeito, contra os que se atrevessem a desprezar o hino, estavam nos média desde havia uns dias mas os prognósticos cumpriram-se.
 Tenho que reconhecer que não gosto dos desrespeitos nem dos sentimentos "anti" que os afeiçoados manifestaram, mas também por isso tenho que reconhecer que nunca gostei da falta de inteligência política dos dirigentes espanhóis, já forem estes atuais ou de épocas históricas. Essa falta de inteligência favorece a reação e acrescenta aquilo que se quer reprimir. No Reino Unido no que se permitiu o referendum da Escócia e no que se permite a queima da Union Jack no meio de Picadilly Circus perante a fleumática olhada dos democráticos ingleses, que mesmo toleram os desrespeitos dos contrários aos Windsor pelas suas felonias ou dos governos de Londres, nada tem a ver com a paixão, a visceralidade, a falta de grandeza e pouco raciocínio dos herdeiros duma tradição política de golpistas, imperialistas fracassados e inquisidores anti-islâmicos, anti-judeus e anti-protestastes. 

Tudo "anti" e só "pró" quando se diz da hispanidade mal percebida ou percebida como uma imposição da Castela "über alles". É isso que causa rechaço em muitos cidadãos oficialmente espanhóis mas com vontade de se afastarem dessa realidade político-nacionalitária que não sabem gerir desde Madrid, nem demostra uma elegância necessária das instituições que deveriam ser mais indiferentes, insensíveis e pacientes perante a expressão da gente farta do carácter "flamenco" dos dirigentes madrilenos.
Essa falta de estética tem a ver também com os complexos de inferioridade espanhóis que sucumbem moralmente perante qualquer contrariedade que vai frontalmente contra a sua forma de perceber a vida: Catolicismo râncio, castelhanismo linguístico e administrativo, histórico, estético, folclórico, cheio de racismo contra tudo o que não percebem, valorização da ignorância, intolerância, monolinguismo, sadismo festivo, "chuleria", soberba, falta de humildade e corrução institucional e cultural histórica que contagiam como vírus ali por onde passam e ali onde tocam... Desse jeito nao caberiam situações como esta. É por isso que consideramos importante dar-lhe uma volta crítica ao que eles dizem ser, que não se nos corresponde com uma realidade histórica autêntica. 
Vamos ver qual é a origem daquilo tão sagrado que não admite crítica...
O etno-musicólogo Ruben Lopez Cano demonstrou que o hino do Reino não é de origem prussiano mas um tema andaluzi do século XI composto pelo inteletual muçulmano de Saraqusta (Saragoça) Ibn Bajjah (ابن باجة) embora posteriormente e por influência e atração do supremacismo germanista dos séculos XIX e XX se fez passar por um hino prussiano. Os tradicionais complexos espanhóis afastados da europeidade e os seus sentimentos de culpa no que diz respeito das suas origens islâmicas fez com que fosse ocultada ou ignorada a sua autêntica origem.

As partituras originais conservam-se ainda e estão datadas nos finais do século XI. Por outra parte, Ibn Bajjah (ابن باجة) cujo nome completo era Abu Bakr Muhammad ibn Yahya ibn al-Sa'ig ibn Bajjah (أبو بكر محمد بن يحيى بن الصايغ), conhecido como Avempace foi um filósofo hispano-muçulmano que trabalhou múltiplas disciplinas científicas e artísticas como a Medicina, a Poesia, a Física, a Botânica, a Musica e a Astronomia das quais tinha profundos conhecimentos. Um autêntico génio da época. 
A sua filosofia, base para autores cristãos como Alberto Magno ou São Tomás de Aquino mas também outros árabo-muçulmanos, constituiu o primeiro exemplo de filósofo andaluzi propriamente dito, embora tinha sido precedido por outros inteletuais de importância sem que qualquer deles tivesse entrado dentro do pensamento filosófico de forma rigorosa. Aristotelista convencido, foi o primeiro em optar por esse posicionamento filosófico na Europa que unido à sua crença na mística muçulmana gera um racionalismo místico islâmico fonte de outros autores posteriores como o de Averróis. 
Seguiu também carreira política, tendo sido vizir em época almorávida mas emigrado posteriormente perante a conquista da sua Taifa por parte dos aragoneses em 1118 da mão do Afonso o Batalhador.

A época que lhe tocou viver é uma época de esplendor da Taifa de Saraqusta do ponto de vista cultural mas também vital e difícil do ponto de vista político, pois é o momento histórico em que os seus territórios são acossados pelo Reino de Aragão perante o que acaba sucumbindo.
Curioso é nomear a inestimável ajuda que a Taifa de Saraqusta recebeu do mercenário castelhano Rodrigo Diaz de Vivar, conhecido como o Cid, contra o seu legítimo Rei Afonso VI (Rex Galletie et legionensium) do qual o Cid era súbdito e vassalo.
A capacidade de Avempace ou Ibn Bajjah para a música, o canto e a composição musical foram reconhecidas e admiradas por todos. Quer-se salientar a sua excelsa figura de inteletual e músico por parte da comunidade de conversos espanhóis ao Islão reconhecendo a autoria da partitura da chamada "Nuba al-Istihlal" com arranjos por parte de Omar Metiou e Eduardo Paniaga como a origem da "Marcha Granadera", atual hino espanhol oficial. 
Ele parece ser o autor da partitura do atual hino espanhol o qual ainda não sentindo-nos identificado com ele merece o nosso respeito quer pelas suas origens mais nobres do que eles acreditam quer pela realidade simbólica que representa para muitos. Quem não merece o nosso respeito são as atitudes, as formas e as ideias repressoras, acomplexadas, intolerantes e à defensiva próprias do mais criticável islamismo radical existente nas organizações partidárias espanholas que pervertem os poderes teoricamente públicos. Essas sim merecem o nosso assobio.

Vejamos e escutemos com atenção o vídeo seguinte:
Avempace ou Ibn Bajjah morreu aos cinquenta e oito anos com muita informação sem publicar, desordenada ou incompleta em Fez, atual Marrocos, após ter fugido da conquista cristã da sua Saraqusta natal percorrendo como exilado as cidades de Xátiva, Al-Marijja (Almeria), Medinat Garanat (Granada) e Orão. Uma grande figura que não se estuda como um personagem importante da Espanha por causa dos complexos dos poderes administrativos e nomeadamente educativos do Estado que não aceitam a tradição nacional andaluzi muçulmana como uma antecessora válida da atual realidade nacionalitária espanhola.

Queremos pensar nessa falta de inteligência ao implementarem uma injunção simbólica como é esta, porque se estivermos equivocados e não fosse falta de inteligência, não nos ficaria outra conclusão do que acreditarmos na vontade de provocarem situações como a do passado 30 de maio por alguma razão....Talvez para criarem uma situação que obrigasse a legislarem segundo as suas preferências nacionalitárias visando mais uma imposição histórica? Achamos que nestes casos se na sociedade existir uma animaversão contra o hino do Reino, o mais inteligente seria optarmos por apresentarem as equipas com os seus respetivos hinos desportivos ou no melhor dos casos -mas achamos impensável pelo carater "flamenco" do que falamos anteriormente- os hinos basco e catalão. 
Alguém ficaria ofendido?

Nota:
Obrigado a Patrícia Barreiro e a José Goris pela informação de utilidade.


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