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terça-feira, 23 de abril de 2019

Entrevista a Xavèrio Ballester


O Prof. Xaverio Ballester, catedrático de Filologia Latina da Universidade de Valência, estará connosco nas VIII Jornadas Galaico-Portuguesas de Pitões das Júnias (Montalegre), onde falará no sábado 11 de Maio.
Com ele, igual que com o Prof. Benozzo anteriormente, teremos a honra de contar com um dos principais investigadores do chamado Paradigma da Continuidade Paleolítica, uma autêntica revolução científica multidisciplinar que estabelece um novo modelo de interpretação e entendimento das origens das línguas e culturas europeias, com implicações diretas até dia de hoje.
Assim, agradecemos ao Prof. Ballester esta pequena entrevista que serve de avanço à sua palestra nas jornadas que, com certeza, será apaixonante.


- Que foi o primeiro que o levou a se interessar pelo estudo das origens das línguas e culturas ancestrais e como acabou por tratar com temas célticos
Não sei exatamente de onde é que vem o meu interesse pelo estudo da origem das línguas, ou da língua sem mais, mas reconheço que é o tema do que mais gosto e no que estou mais especializado.
As minhas primeiras lembranças infantis são ilustrações de livros e figurinhas sobre os nossos ancestrais: celtas e iberos. Depois interessei-me muito pela coisa indo-europeia, mas já de estudante resultou-me impossível aceitar a doutrina tradicional vinda do século dezanove.
O meu primeiro contacto a sério com o mundo céltico foi no curso 1991-2, em Teruel [Aragão] onde se fazia investigação, principalmente arqueológica, sobre o mundo celtibérico. Lembro que em uma semana revisei tudo o que se conhecia sobre a língua celtibérica; hoje isso já não seria possível por causa da eclosão de textos e autores disponíveis. Eu vinha de uma bolsa pós-doutoral em Munique, onde tirei proveito para fazer uns cursos de literatura polaca e de lituano. Neste último tive por único companheiro ao grande celtista Kim McCone, quem se ofereceu a dar um seminário sobre as línguas célticas e naturalmente fui convidado. Muito lamentei depois ter perdido aquela oportunidade, mas naquela altura o mundo céltico parecia-me uma coisa ainda mais afastada do que o mundo báltico ou eslávico. Em Teruel eu percebi o meu erro e do perto que tínhamos o céltico, já que a só uns poucos quilómetros começavam a sair textos celtibéricos. Não podia suspeitar que o céltico fosse algo assim tão próximo.


- O seu nome é um dos grandes nomes por trás do Paradigma da Continuidade Paleolítica (PCP) que defende, entre outras coisas, uma origem local, gradual e muito mais antiga do comummente aceitado para as línguas e culturas europeias. Apesar da crescente acumulação de evidências, como é que há tantíssima reticência ao PCP nos círculos académicos convencionais? É realmente um problema estritamente científico?

A minha resposta aqui será necessariamente muito subjetiva, mas sincera. Direi o que realmente acredito: porque os principais defensores do novo paradigma somos espanhóis, franceses, italianos, portugueses… Creio sinceramente que se a nova proposta tiver emergido em inglês nos Estados Unidos ou no Reino Unido a situação seria bem diferente.
Infelizmente os problemas científicos, quando menos nas ciências humanas, não são quase nunca
estritamente científicos. Há interesses das grandes corporações académicas e de poderosas editoriais. A disciplina da História da Ciência fornece inúmeros exemplos de teorias que foram mesmo ridicularizadas inicialmente porque se opunham à doutrina oficialmente estabelecida, e que posteriormente resultaram corretas. Mas como cientista devo ser otimista, acreditar que mais tarde ou mais cedo há triunfar a razão.
Isto é especialmente verdade para a ciência humanística (ou como quer que se lhe quiser chamar) onde a diferença da física, medicina, química ou tantas outras, não dispomos do método experimental. Nós só podemos tentar explicar muito mais e melhor. Uma boa teoria deve ser preditiva e produtiva e, em verdade, em trinta anos crescemos espetacularmente nesse sentido, sem mais ajuda do que a razão e a argumentação.


- O Prof. Benozzo, seguindo também a linha do PCP, afirma que a Gallaecia, o noroeste peninsular, é a origem primeira do todo o celta. De onde é que vem então o prejuízo em relação à celticidade da Galiza?

O meu bom amigo Francesco, extraordinária personalidade no científico e no artístico, é único. Ora bem, eu agora não seria tão preciso.
Não há dúvida de que geneticamente a Península Ibérica constitui um dos principais refúgios de população humana na fase mais dura da época glacial. Daqui saiu uma grande quantidade de gente que, graças à pegada genética, sabemos que repovoou grande parte da Europa.
A posição atual do PCP, e por isso é um
paradigma flexível e não uma teoria rígida e dogmática nos seus detalhes, é que aquelas pessoas depois serão essencialmente os celtas, isto é, os falantes históricos de línguas célticas. Mas se foi a zona galaica exatamente ou mais bem a cantábrica ou toda a região setentrional é algo que, acho, não estamos ainda em condições de precisar. O que sim defendemos com múltiplos e variados argumentos é que, se a nossa proposta for certa, ainda que as falas célticas foram aqui absorvidas pelo latim, a Galiza não teria uma celticidade emprestada, mas genuína, milenar, e obviamente ainda presente em muitos outros aspetos da tradição e da cultura.


- Seria necessário ou teria sentido a criação de uma cátedra de estudos célticos na Galiza?

Cátedra universitária? Em princípio parece uma boa ideia mas… O primeiro é colocarmos em ordem a instituição. Se para uns poucos lugares do mais modesto trabalho encontras com um monte de gente em concurso público desde há anos e, em troca, o acesso a funcionário universitário faz-se sem competência e por um sistema onde se valoram cotas, cargos e outros méritos que pouco ou nada têm a ver com o científico… Na universidade uma cátedra de “Estudos Célticos” não garante que vaia haver estudos célticos.
Por exemplo, em Valência criara-se uma muito restritiva cátedra de “Línguas Pré-Romanas da Península Ibérica”, cátedra
ad hominem para certo e influente sujeito, muito mais conhecido pelos seus pedantes versos que pelas suas investigações, e depois jamais lecionou nem a primeira aula na matéria. Só em 1998, após a minha incorporação a essa mesma universidade, pudemos ministrar um par de cursos. Depois de eu ganhar a cátedra de Filologia Latina em 1994 por concurso público, a universidade atendeu a reclamação do candidato local e, seguido de um longo litígio, voltou a oferecer a mesma cátedra, mas esta vez com o mais restritivo perfil de “Latim dos Cristãos”, pois o candidato que o impugnara era sacerdote. Ganhei novamente mas, como nunca existira tal matéria, levo 20 anos sem poder dar essas aulas.
Assim, temo muito que qualquer um com os contactos ajeitados pudera obter facilmente uma cátedra de “Estudos Célticos” para depois usar o seu tempo noutros assuntos. Na atual situação acho que criar tal cátedra comportaria um grande risco.


- Na sua iminente visita a Pitões vai-nos falar de mitologia… Sem desvelar muito, que podemos aguardar da sua palestra?

As duas ideias principais que desejo transmitir é que acreditamos saber agora com certeza que muitos dos nossos mitos remontam ao Paleolítico Superior e que, precisamente a Gallaecia, entendida como o quadrante noroeste da antiga Hispânia, conservou notáveis arcaísmos por toda uma série de razões.
Uma grande contribuição linguística do chorado mestre Mario Alinei foi mostrar o valor dos dialetos, do rural, humilde e periférico, pois pelo seu carácter conservador podiam preservar componentes paleolíticos por exemplos nas suas motivações semânticas. Até Alinei acreditava que nestes casos podia-se chegar até época medieval.
Já intuímos que a
mitologia, entendida genericamente como um conjunto de crenças, contos, superstições, etc, podia remontar igualmente a época paleolítica. Contudo, não podíamos suspeitar (isto é preditividade) que haveria uma evidência tão clara e maciça (isto é produtividade) e que indiretamente isto tudo constituiria um apoio ao PCP. Quer dizer, os mitos se atualizam e, além disso, misturam-se mais do que as línguas e as línguas mais do que as raças. Assim, se o continuum mitológico, apesar da sua maior contaminação, pode se remontar ao Paleolítico, como não iam poder fazê-lo os continua linguísticos?


- Então, especificamente, como pode contribuir a antiga Gallaecia a esta nova argumentação e endossar as posições do PCP?

Muitíssimo. Na Gallaecia, temos um amplo observatório de antiquíssimos mitos e crenças, uma reserva extraordinária, com a particularidade de esta tradição estar perfeitamente viva para grande parte da população. É um valor 10 no quantitativo e outro 10 no qualitativo.
Resulta que, por causa das suas vicissitudes históricas e da sua localização no “cabo do mundo” do grande continente euro-asiático, a Gallaecia preservou em boas condições estádios mais primitivos de muitos mitos primordiais, como esse mesmo que acabo de nomear de “fim do mundo”, e muitos outros.
Disto tudo aguardo poder falar em mais detalhe com os amigos de Pitões.

sábado, 13 de abril de 2019

Programa das VIII Jornadas Galaico Portuguesas 2019


  Programa definitivo
  • Sábado 11 de Maio
    1º Painel de manhã: (Apresenta Maria Dovigo)
  • 10:00 Apresentação
  • 10:30: Helga Ribeiro: Das raízes ao reerguer da Tradição Lusitana. Viagem pela Céltica até ao CDL- 1”
  • 11:00: Luisa Borges: Das raízes ao reerguer da Tradição Lusitana. Viagem pela Céltica até ao CDL- 2”
  • 11:30 Debate
  • 12:00: Celebração da Festividade das Maias pelas ruas de Pitões
  • 13:30 Comida
    2º Painel de Tarde (Apresenta Maria Dovigo)
  • 16:00: Xavèrio Ballester: El Paradigma de la Continuität Paleolítica i la Mitologia Galaica”
  • 16:45: Rafael Quintia: Objectos curativos e uso dos amuletos na cultura popular galaico-portuguesa (título provisório)
  • 17:30 Debate
    3º Painel Tarde de sábado (Apresenta Maria Dovigo)
  • 18:30: Apresentação do livro de poemas e fotografia "Gritos na Penumbra" de Rui Barbosa.
  • 19:30 Musica: 2naFronteira
  • 20:30 Churrascada

    Domingo 12 de Maio
  • 10:30: Roteiro arqueológico por Vilar de Perdizes
    • Estatua do deus Larouco
    • Ara céltica
    • Pedra escrita

sábado, 5 de maio de 2018

VII Jornadas galego-portuguesas de Pitões das Júnias



Sábado 26 de Maio
1º Painel de manhã: (Apresenta Maria Dovigo)
  • 10:00 Apresentação
  • 10:30 Marcial Tenreiro: Mouras, Melusinas, Deusas: Algumas supervivências do mito no folclore
  • 11:15 Luisa Borges (Tradição Druídica Lusitana): Para uma arqueologia poética da Finisterra galaico-portuguesa.
  • 12:00 Debate
  • 13:30 Comida
2º Painel de Tarde (Apresenta Maria Dovigo)
  • 16:00: Manuel Dias Regueiro. Identidade genética atlântica e doenças tipicas dos celtas
  • 16:45: Exposição Fotos do José Goris:Gallaecia: um passado mágico”
  • 17:30 Debate
3º Painel Tarde de sábado (Apresenta Maria Dovigo)
  • 19:30 Apresentação das Atas das IV, V e VI Jornadas
  • 20:00 Música celta: Grupo Ama Fai Falta de Chaves
  • 20:30 Churrascada
Domingo 27 de Maio
  • 10:30: Visita às Mamoas do Planalto da Mourela
  • 13:00: Comida

     ALOJAMENTOS e COMIDAS: 
    https://www.facebook.com/casadopreto/
    http://www.casadopreto.com/

quinta-feira, 17 de março de 2016

Programa das V Jornadas das Letras Galego-Portuguesas de Pitões





Dia 2 de Abril sábado: (Hora portuguesa)
    1º Painel: Modera: Maria Dovigo

  • 10:00: Apresentação em Pitões das V Jornadas das Letras galego-portuguesas.
  • 10:30: 1º Palestra: Marcial Tenreiro: A lança na água e a espada na pedra. Rito e Território entre germanos e celtas
  • 11:15: 2ª Palestra: Marcos Celeiro: A Simbologia da cruz céltica e a sua evolução.
  • 12:00: Debate
  • 14:00: Comida
     2º Painel: Modera: Maria Dovigo
     
  • 16:30: 3ª Palestra: Francesco Benozzo (Trad. Joam Paredes): Uma paisagem Atlântica pré-histórica. Etno-génese e etno-filologia paleio-mesolítica das tradições galego-portuguesas.
  • 17:15: Debate
  • 18:30: Actuação de 2naFronteira e convidados.
  • 20:00: Ceia-Churrascada popular.
  • 22:00: Programa Erasmus: “Adventure of Reading”, Folião e Gaiteiros de Pitões
Dia 3 de Abril Domingo (Hora portuguesa)
    3º Painel: Modera: Lúcia Jorge (Presidente da Junta de Freguesia)

  • 10:00: 4ª Palestra: Graciano Barros: Ourivesaria e arte céltica no S. XXI no NW peninsular.
  • 10:45: 5ª Palestra: José Domingues. A raiz celta dos Ordálios medievais.
  • 11:15: Debate
  • 12:00: Conclusões (Maria Dovigo e Lúcia Jorge)
  • 13:30: Encerramento das Jornadas
  • 14:00: Comida
  • 16:00 Visita ao Eco-Museu
  • 16:45 Visita ao Mosteiro de Pitões.
  • 17:30 Visita à Cascata

domingo, 13 de março de 2016

Entrevista a Francesco Benozzo que vai estar connosco nas V Jornadas.





[Versão galego-português – English version below]
Entrevista com o Prof. Francesco Benozzo:
A Galiza e o Norte de Portugal são a origem da celticidade europeia”
O Professor Francesco Benozzo (Módena, Itália, 1969) é um dos grandes nomes por trás do Paradigma de Continuidade Paleolítica, afirmando que existe uma continuidade clara nas origens e desenvolvimento dos povos europeus, origens que podem ser colocadas ainda mais atrás no tempo do que normalmente é considerado. Esta mudança no compreensão da arqueologia, pré-história e linguística europeia é de enorme relevância para a Galiza e (Norte de) Portugal, pois situa este território no centro da génese da chamada Cultura Celta, entre outros aspectos.
Com dois doutoramentos em linguística e filologia pelas universidades da Bolonha (Itália) e Aberystwyth (País de Gales), na actualidade lecciona na nomeada universidade italiana. Contudo, Francesco Benozzo não está limitado pelo formalismo que normalmente acompanha a vida académica. Ele também é um reconhecido poeta e harpista, com um grande número de obra e música editada, o que fez com que o seu nome fora proposto como Prémio Nobel de Literatura.
Teremos a fortuna de recebê-lo este próximo Abril (dias 2 e 3) na quinta edição das Jornadas das Letras Galego-Portuguesas (Pitões das Júnias, Montalegre, na “raia” galego-portuguesa), onde debaterá sobre estes e outros temas, como vai indicado na entrevista a seguir.
- Qual foi a primeira coisa que chamou a sua atenção sobre a Galiza e Norte de Portugal? Foi algo puramente académico ou houve algum outro factor motivando que se centrara em nós?
Desde que era criança o meu instinto sugeria que o significado original das coisas reside nas áreas e localizações periféricas. Com isto não quero dizer “periférico” simplesmente num sentido geográfico mas, principalmente, num sentido poético. Esta é uma das razões pelas quais fui viver ao País de Gales (e não Inglaterra) durante uns anos, e também a razão pela qual deixei a minha cidade natal de Módena, no norte da Itália, e decidi viver nas montanhas. Também acredito que, como académicos, devemos estudar e concentrarmos-nos em tradições “periféricas”: tradições populares, dialectos, textos orais, culturas das pessoas marginais e assim por diante, porque o que agora é percebido como “marginal” e “periférico” foi , em muitos casos, o centro original do que na actualidade percebemos como centro.
A Galiza e o Norte de Portugal sempre foram parte desta minha “topografia poética” e da minha concepção poética, começando pelas suas lendas e tradições e grandes poetas como os trovadores medievais, até mesmo Rosalia de Castro ou Eduardo Pondal.
- Considera que o noroeste ibérico pode ser considerado a origem da “celticidade” na Península desde um ponte de vista linguístico?
Não só. Penso que pode ser considerado a origem da celticidade em toda a Europa.
- Qual é a sua opinião sobre a relação entre o mundo céltico e Tartesso, como postula o Prof. Koch?
John [Koch] tem produzido um trabalho extraordinário sobre isso na última década. Não vejo quaisquer razões linguísticas que puderam negar essa conexão postulada. O problema com a teoria de Koch é que auto-limita-se à Idade do Bronze Tardio, o qual contradiz a sua ideia de “Celtas do Oeste”. Em vez disso, se falarmos de etnogénese, devemos ir além das restrições das fontes escritas e termos a habilidade para conectarmos-las com outro tipo de fontes como assim as lendas, tradições, genética, etno-textos ou léxico dialectal. Em consequência, poderemos falar de “Celtas Paleolíticos” nesta área. Dentro deste quadro, Tartesso pode ser visto como uma das muitas relíquias escritas “recentes” de um fenómeno muito mais antigo.
- Por que acha que há este esforço renovado em algumas partes da Europa para desacreditar o termo "celta", ou mesmo até a existência de uma cultura celta?
Por três razões principais. Em primeiro lugar, sendo eu mesmo um anarquista, diria que há uma tendência inata por parte dos que estão no poder de excluírem a diversidade e, acima de tudo, “centralizarem” qualquer tipo de estratégia ligada ao seu poder. Assim, como sabemos, desde a sua proto-história os celtas sempre foram os “perdedores” em termos geopolíticos e foram excluídos logo de qualquer jogo de poder das elites europeias.
Em segundo lugar, podemos encontrar um desconforto geral com a celticidade se a compararmos às culturas oficiais padronizadas que, de certa forma, governam o mundo. Noutras palavras, admitir que a inquietante, multiforme, colorida, rural, estratificada e arcaica cultura celta possa ser parte de nós é, em muitos casos, difícil de aceitar para as pessoas criadas com a certeza e o mito conformista da estabilidade e um conhecimento superficial da história europeia.
Por último, e em relação às razões mencionadas acima, a cultura celta representa, em termos psicanalíticos, o subconsciente da Europa, o que provoca uma contínua tentativa para reprimi-lo e suprimi-lo.
- Como reconhecido investigador, mas também como poeta e músico, há algum tipo de conexão entre o seu trabalho académico e o seu trabalho artístico? Ou tenta manter ambos mundos separados?
Espero que estes três aspectos convivam, como acontece com diferentes elementos duma mesma paisagem. A minha expectativa é provavelmente parecer como um músico que estuda filologia, um poeta que toca harpa e um filólogo que compõe poemas.
- Depois de todas as suas viagens e investigações, como resumiria o “carácter céltico”? Por exemplo, quando visita a Galiza-Norte de Portugual, que sente em conexão com outros territórios célticos?
Primeiro de tudo, há um sentimento especial com o mar, que é diferente do que tenho observado noutras comunidades, tais como as das Ilhas Féroe ou do Mediterrâneo. Nas terras celtas este sentimento está ligado a uma atitude "lendária" e melancólica na percepção da paisagem marinha, e na capacidade de conectar lugares com histórias.
Há também uma clara, inata, não previsível, percepção musical do mundo. Além disso, existe a consciência do valor arcaico e civilizador de coisas que foram esquecidas noutros lugares, como partilhar umas bebidas, alimentos e histórias.
Nas V Jornadas das Letras Galego-Portuguesas, o Prof. Benozzo participará com a palestra intitulada “Uma paisagem atlântica pré-histórica. Etnogénese e etno-filologia paleo-mesolítica das tradições galegas e portuguesas”.
O evento é aberto e de assistência livre e gratuita, e a intervenção do Prof. Benozzo será em inglês com tradução ao português.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Crónica das IV Jornadas das Letras galego-portuguesas em Pitoes das Júnias





Por Vitor Garabana

Foi no dia 29, de caminho, quando comecei a estabelecer contacto com o campo verde e amarelo da primavera galego-portuguesa. Com uma breve passagem pela aldeia de Ninho d’Águia, prelúdio para entrar na atmosfera da comarca; a seguir pelas aldeias do Couto Misto – Rubiães e Santiago de Rubiães - e percorrer o caminho privilegiado até às terras de Tourém.
 
Tourém
A partir dai, a ganhar e ganhar altitude: paisagem de giestas, urzeiras, queirogas, piornos... Paisagem de montanha, terras duras só aptas para a vida de pessoas fora do comum. Por fim, Pitões das Júnias! À noite, ceia (jantar, para os do sul) na Casa do Preto, o prazer de fazermos novos amigos e de reatarmos velhas amizades. Falamos dos diferentes caminhos de chegada, de norte e de sul, também da receção que nos tinha dado a fauna local: vacas, raposas, teixugos e paspalhãos que saíram ao nosso encontro nas estradas...
 
O Monte do Pisco de caminho entre Tourém e Pitões

Dia 30 de maio. Sábado

De manhã: A presidente da Junta de Freguesia, Lúcia Jorge, e o da Câmara Municipal, Orlando Alves, deram-nos as boas-vindas e inauguraram as jornadas.

No primeiro painel, moderado pelo José Manuel Barbosa, a Mónica O’Reilly falou-nos da sobrevivência e a validade atual dos mitos. De terem sido outrora a principal fonte para o relato histórico, nos dias de hoje passaram a ser desprezados por muitos historiadores. Mas entre interpretar os relatos míticos à risca e considerá-los completamente infundados há um largo espaço de interpretação útil. Para questões como os argumentos de legitimidade para a ocupação dos territórios, sobre a narrativa de amizade ou guerra com outros povos, sobre viagens e comércio, etc.

A modo de exemplo, a coincidência dos topónimos como Brigântia -Bragança, Braga, Bergantinhos, Brigantium (Crunha-Betanços) no espaço galaico com os relatos do Livro das Invasões de Irlanda acerca da fundação de povoações na península ibérica pelo herói Brigh. Embora essas coincidências não devam ser interpretadas como feitos literais, poderão sê-lo no âmbito das realidades culturais dos países do espaço atlântico, de relação milenar já demonstrada.
A seguir, o João Paredes relembrou-nos na sua palestra as provas e as pegadas da religião céltica e o Druidismo na antiga Gallaecia.

Cronistas gregos e romanos denominaram os habitantes destas terras como celtas e descreveram os seus costumes, como também doutros povos célticos, o qual permite a análise comparativa. Para além disso, as próprias gentes habitantes destas terras nomeavam-se celtas em inscrições epigráficas, inclusive Druídas e Druidesas (DUR-BEDES).
Mesmo o principal ideólogo cristianizador destas terras, São Martinho de Dume, ao descrever os costumes que segundo ele tinham que ser erradicados, fez uma evidente descrição da religiosidade céltica.
Sabemos que muitos desses costumes são ainda vivos, disfarçados de religiosidade cristã ou de costumes folclóricos.

O Marcial Tenreiro falou-nos dos antigos ritos de delimitação de espaços ou de bênção de construções, em que os animais tinham um papel principal. Falou-nos de delimitações de pastos comunais para vezeiras entre diferentes freguesias, feitas por médio de animais que se deixam vadiar à toa até pararem num ponto que é então considerado o linde dos territórios. Ou bem mediante enfrentamento de animais bravos, como bois, pertencentes às comunidades vizinhas, com o mesmo propósito.
Também nos falou dos velhos sacrifícios e enterramentos de animais ao pé dos muros dos castros e séculos mais tarde nas vivendas para a bênção ou proteção desses prédios, pelo influxo mágico das habilidades naturais dos animais sacrificados.
Pois destes ritos que nos levam à antiguidade é provável que provenham costumes ainda atuais nestas terras, como as chegas de bois: não serão rememorações anuais e festivas dos velhos acordos de marcação de lindes das freguesias?
E contou-nos o surpreendente caso documentado por um notário na Idade Moderna na Galiza: a “bênção” duma ferraria com maço de pisão, não com o rito cristão e a presença dum padre, mas sim com o sacrifício dum boi e a marcação do quintal pertencente à ferraria com o sangue da cabeça, para ao final ser esta enterrada no linde.
No jantar (almoço para os do sul) tive a honra de compartirlhar mesa com o professor de audiovisuais João Bieites e com o José Lamela, ex-alcaide do Concelho de Lóvios e colaborador no programa “Sempre em Galiza” da Rádio Cornellà de Barcelona; a conversa com ambos foi para mim um grande prazer.

À tarde teve lugar o 2º Painel.

Recebeu-nos a moderadora da tarde, Kátia Pereira, representante do Eco-Museu do Barroso-Pitões das Júnias. Convidou-nos a visitá-lo e anunciou-nos que podíamos contemplar lá, para além da interessante coleção permanente, a reprodução da roupagem e a panóplia dum guerreiro galaico, segundo a documentação iconológica obtida por membros do grupo Oinaikos Brakaron em diversas escavações arqueológicas ao qual representava o nosso amigo Xavier Bobillo.
Xavier Bobillo representante do Oinaikos Brakaron, ao lado da panóplia guerreira dum soldado galaico.
A seguir foi projetado o filme: “Cemraiost’abram!” de Mónica Baptista.
Filme que, segundo o Padre Fontes, também se podia ter intitulado “Má/Mau ar te tolha!”, “Fachas te rachem!” ou “Lobos te comam!”, pois todas são expressões enfadonhas mas derivadas das duras condições de sobrevivência nestas terras de montanha. Dureza que é apreciável nas imagens do próprio filme, rodado nas fragas altas e com invernia, neves incluídas. Belo trabalho da Mónica Baptista, em que se aprecia a pequeneza dos seres humanos diante desta natureza imensa.
Kátia Pereira e Mónica Baptista
 Para acabar a primeira jornada, Rafael Quintia, João Bieites e José Manuel Barbosa apresentaram-nos as Atas destas mesmas Jornadas das Letras Galego-Portuguesas nos anos passados, 2012-2014, que sem dúvida darão para boas e gozosas leituras!
Kátia Pereira representante do Eco-Museu introduz à palavra ao Rafa Quintia e ao José Manuel Barbosa para apresentarem as Atas das três Jornadas anteriores.
No tempo livre posterior, visitamos a igreja de Vilar de Perdizes onde pudemos observar uma pedra com a reprodução do deus Larouco: a versão local, dos arredores da serra homónima, do deus céltico conhecido nas terras gaulesas como Sucellus e nas irlandesas como Dagda.
Reve Larouco/Sucellus/Dagda
 Também pudemos visitar um penedo com vários petróglifos, perto da mesma igreja.
Pedra Escrita de Vilar de Perdizes
À noitinha, os Gaiteiros de Pitões das Júnias animaram o ambiente na praça da eiró.

Dia 31 de maio. Domingo
Após as boas-vindas do Vice-Presidente da Câmara Municipal, David Teixeira, a professora Maria Dovigo trouxe-nos, mediante um discurso sensível e poderoso, a profundidade da poesia de Joana Torres, com as lembranças da presença da avó: mulher aferrada à terra e às vinhas que pelos acasos da vida foi parar a uma cidade industrial como Ferrol. Não posso imaginar nada mais céltico que as saudades e o amor pela natureza, transmitidas a modo de tradição pelas nossas avós.
A seguir o Hugo da Nóbrega, com uma tese bem exposta e desenvolvida, mostra a aparente carência de nome deste território. Embora seja conhecido hoje oficialmente como “Norte”, esse é nome dum ponto cardeal e não um nome territorial.
De esquerda a direita: David Teixeira, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Montalegre, Maria Dovigo, acadêmica da AGLP e Hugo da Nóbrega, investigador e designer portuense.
Após ser este o território histórico onde nasceram os nomes de Callaecia (Galiza) e Portucale (Portugal), vai ser que afinal fica sem nome?
O Hugo mostrou-nos a existência doutros territórios europeus que tinham passado por situações similares -perda do seu nome originário em benefício doutras entidades políticas vizinhas ou mais abrangentes- e qual foi a solução adotada em cada caso.
Pediu aos presentes opiniões e propostas possíveis para a restituição do nome a esta região histórica que abrange Minho, Douro e Trás-os-Montes, a qual, do meu modesto ponto de vista, é a que com mais direito pode reivindicar os nomes de Galiza e de Portugal.
No jantar (almoço, para os do sul), pude gozar duma agradável cavaqueira com o Marcial Tenreiro e com a responsável pelo Polo-EcoMuseu de Pitões, a Kátia Pereira.
A última atividade foi a visita ao Eco-Museu, com que finalizamos as jornadas.
Entrada ao Eco-Museu
Foram dias aprendizagem, intercâmbio de opiniões e, sobretudo, de amizade. Ficamos com vontade de voltar mais uma vez e sempre a Pitões das Júnias!

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