terça-feira, 23 de abril de 2013

O culto às Deusas Mães Galegas


Por Carlos Solha

Aproveitando o relanço da Semana Santa -Luceira Túrvia, como a nomeiam os canteiros da cerna, pois “túrvios” somos os pecadores-, espremendo-lhe, digo, todo o sumo ao lazer, fiz repouso em Cerdedo e ali partilhei um gostoso jantar adubado com sobremesa paroleira. Muito dão de si os latriques cafeinados.
Quase ainda não tinha engolido duas xícaras e um sorvo dum Porto, quando uma das comensais, bem aproximada aos setenta, soltou uma expressão que fez esticar as minhas orelhas do etnógrafo lupário e as daquele neno que fui.
A informante involuntária andava na porfia de apaziguar um pequeno malandro, uma miga consentido. Esgotado o repertório da “supernanny”, a avó, revirando a criança, espetou-lhe: “Se não te aquietas, ponho-te fora para que te leve tua mãe galega!”.
As primeiras são as "Matres" de Bibracte, cidade do povo celta dos Aedui da Gália
Olhem, eu não lhes fui um santo e meu irmão pequeno, também não. Na aldeia, andávamos, entre outros apelidos, pelos Zipi-Zape... Escuso portanto, oferecer ao leitor muitas mais explicações.
Sendo como éramos afilhados do demo, muito sabíamos de ameaças. Que eu lembre, minha mãe tinha foro com o homem do saco, com a bruxa do moinho dos Montinos, com as aranhas, com o lobo, com o tio Gardunho, com os bichos peludos, com a Sisocorda, com o homem das barbas, com o cocão, com a Ramuda, com o Sacauntos... e, na casa, escutávamos chamar por eles a cada pouco.
O ritual da invocação sempre se acompanhava do brandir duma chinela, duma escumadeira ou duma vassoura. Costumes que a moderna sociedade foi extinguindo, pelo medo ao que dirão. Hogano, leva-se mais o do “colegueio” e a negociação inter pares. Intuo que os enxebres assusta-nenos, a poder de reclui-los no ostracismo, já devem ter procurado outras ocupações, ou outras latitudes.
Mais, amentar a “mãe galega” para amedrontar um menino era-che uma circunstância novedia, daí que a minha má consciência de pilhabão optasse, de primeiras, pela alerta “Defcon 1”.
Uma vez racionalizada a situação, sobreveio-me a impressão de ter escutado uma das muitas expressões ofensivas com as que os de fora, batujando no estereótipo, nos presenteiam cada pouco. Recomendo para o particular a leitura da coleção de ensaios intitulada “El gallego, Galicia y los gallegos a través de los tiempos (1985), da autoria de José Luís Pensado.
Era inconcebível que aquela avó reconviesse o seu neto chantando-lhe que, de não mudar a conduta, o ia botar à rua para que a sua verdadeira mãe –de nacionalidade galega- o aturasse. Mulher da vida?, filho de trás da silveira?...
Não me contendo, perguntei. Com o riso nos lábios, a mulher respondeu-me que o que acabava de ouvir era um dito velho e que sua mãe e a mãe de sua mãe também o empregaram nas retesias domésticas. Assim, mesmo, acrescentou que desconhecia o significado da locução e que, inconscientemente, fazia uso dela com o objetivo –infrutuoso- de endireitar os cativos que deixavam ao seu cuidado. Quando lhe enumerei a restra de assusta-nenos que empregava minha mãe comigo, disse-me que habitualmente eram requeridos também por ela, que toda ajuda era pouca para encarreirar as novas gerações: “Estes já não se assustam com nada, estão afeitos a ver de todo na televisão”.
Já na casa, procurei informação sobre a “mãe galega” e, suspeitando a demonização dum antigo númen indígena, após muito remexer, fui dar com o nº 3 de El Eco de Galicia (Revista Semanal de Ciencias, Arte y Literatura), editado na Havana em 16 de julho de 1882.
Na página 2 da nomeada publicação, reparei no titular “Las Madres Gallegas” e, assim que comecei a leitura do artigo, assinado por M. Esmorís, fiquei atordoado:
En casi todo el territorio de Galicia puede decirse sin temor que no hay madre alguna que no haya intimidado alguna vez a sus inocentes hijos con la legendaria frase de “Busca a tu madre gallega”. Cuando sucede esto, es que el niño ha cometido alguna falta reprensible y después de regañarle fuertemente, si aún no se muestra arrepentido, entonces se le lleva a la calle, se le cierra la puerta de la casa y entre otras amenazas, aún hoy se usa la de “Busca a tu madre gallega”.
Aufanian Matrónae do templo romano de Görresburg, Nettersheim (Rheinisches Landesmuseum Bonn).

Como podem imaginar, não desapeguei os olhos do texto até a sua conclusão. Acrescentamos, portanto, umas passagens do mesmo por considerá-las de grande interesse:
As “Mães Galegas” trazem a sua origem das divindades célticas sob cuja proteção se punham os celtas, designando-as com o nome do terreno que ocupava cada tribo [...] Com o transcurso do tempo, os homens estudiosos e afeiçoados ao conhecimento das antiguidades, a força de investigações e de trabalho, chegaram a nos provarem com dados muito seguros, a existência das “Mães Galegas”, que foram representadas ordinariamente por três donzelas, levando nas suas mãos, flores, frutos e pinhas.
Murguía o ilustre historiador galego, que possui muitos e eloquentes dados em matéria de antiguidades, traz na sua obra “Historia de Galicia”, copia de uma inscrição que foi achada perto da Crunha e diz assim: T. Fraternus / Matribus / Gallaicis / v. s. l. m. “Tito Fraterno pagou de boa vontade o seu voto às “Mães Galegas”.
As “Mães Galegas” são divindades da mitologia céltica a cuja intervenção e poder nos destinos da humanidade deveram render culto das suas crenças os idólatras, nossos progenitores, avezados ao fatalismo e à heroicidade por temperamento e pela educação do povo do qual procediam...
Desde aquela altura, os celtas galegos, cedendo no entanto ao contato contínuo e preciso de outras tribos irmãs [...] legaram a sorte dos seus filhos às “Mães Galegas”, e a través daquelas gerações que variavam em costumes e em crenças, sem se darem conta elas próprias, ficou, apesar dos conquistadores, como uma reminiscência, como uma vaga lembrança de primitivos dogmas [...] quando duma forma ou de outra, fazem uso do dito vulgar “procurar a tua mãe galega”.
M. Esmorís, autor do artigo, vincula a inscrição votiva à cidade da Crunha, mas, consoante as minhas pesquisas, a vila onde se achou o epígrafe lapidário foi “Coruña del Conde”, na atual província de Burgos (prédios da antiga Gallaecia). Consultem-se no que diz respeito a Júlio Núñez Marcén e Álvaro Blanco (2002) ou o artigo de Joaquín Gómez-Pantoja titulado “Las Madres de Clunia” (1999). 
As chamadas "Mães Galegas" ou "Matribus Gallaicis" estão no Corinium Museum de Cirrencester (Inglaterra).
Em Núñez-Blanco, lemos: O mais interessante é o sobrenome que as “Matres” receberam em esta ocasião, “Gallaicis” e que parece obvio relacionar com os epítetos de caráter étnico ou de “nacionalidade” [...] Longe de se tratar de dedicatórias tópicas [...] parece mais lógico explicar este tipo de testemunhas como uma tentativa por parte de um “estrangeiro” de “atrair sobre si a benevolência das deusas protetoras do seu povo”
O lugar onde se erigiu ou achou o altar tem uma importância relativa. O substancioso do achado acouta-se ao contido da inscrição. Um galego de há 2.000 anos, longe ou não do seu lar, encomendando-se às deusas, às nossas Mães Galegas.
J. Gómez-Pantoja, no citado trabalho, enumera os atributos com os que habitualmente eram representadas as Deusas Mães: “cestas de frutos, cornucópias, pão, moedas...”, acrescentando que estas ctónicas divindades são advogosas da fertilidade, da prosperidade, dos negócios..., atingindo as virtudes salutíferas doutras deidades aquáticas (ninfas): fertilidade, fartura e saúde. As Deusas Mães vinculavam-se aos mananciais mineiro-medicinais, aos ilhós salutíferos, às burgas, muito abundantes na geografia galega, “benéfica exsudação das divindades da Terra”.
A Mãe Galega é uma deusa trinitária. A tríade divinal que, desde o alvorecer do nosso tempo, rege no tradicional panteão galego, revela-se em Cerdedo, não só na fraseologia popular, mas também no folclore petrificado, adubo conatural deste bento território.
Cumpre, daquela, lembrar a tripla manifestação da Moura já consignada para o monte do Seixo, montanha da prodigalidade: a Moura Pirocha, a Moura do Castro Grande e a Moura da Laja-Moura.
A Moura Pirocha, donzela, arquétipo da pródiga primavera; a Moura do Castro Grande, a mulher madura, adscrita ao verão, ao tempo da colheita, e a Moura da Laja-moura, venerável anciã, a Velha, sábia oraculária, identificada com o inverno: “Ainda vai vir muita chuva, que brilham as pedras do Seixo”, diz-se em Cerdedo.
A Moura Pirocha, explícita, tombada ao cumprido sobre a sua almofada de pedra; a Moura do Outeiro do Castro, núbil, casadoira, custódia de riquezas nunca inventariadas; a Velha da Laja-Moura, fazedora do arco do céu que, fincado naquela fatídica peneda do monte de Meilide, abaixa o lombo para abeberar nas aguas do poço Fumegas, góio do rio do Seixo.
A mesma Moura, humanizada baixo o antropónimo Maria: Mari Diz, a costureira afogada no tremedal da Mulher Morta, em Gestido; A Maria Diz da Serra da Mulher ou do Cordal do Testeiro (Forcarei); a Maria Miguez da Cuinha de Vidoido (Cerdedo); a Maria Amena das lombas da Cima-da-Vila (Caroi-Cotobade); a Marimanta, a Marujaina; a Maria evocada no principiar dos melhores contos: “Em tempos de Maricastanha...”, aquela pretérita idade na que a Deusa Natureza acaparava toda a nossa atenção.
A Deusa Mãe Terra, uma e trina, a semelhança das três Marias que esconjuram o enganido infantil à roda dum cachopo carvalhão, na fronde da aldeia cerdedense de São Bernabeu (advocação substitutiva), ou de redor duma mesa propiciatória.
As Três Laranjiñas do Mar, as Três Mouras, as trigémeas da fonte das Donas de Vidoído (Cerdedo); Ana, Aureana, Ana Manana... Quem sabe se a expressão “Madre!” “Minha Mãe!” ou as suas castelhanizações “Mi madrinha!” (ou “Mimá!”) não serviram para exortar o seu valimento.
O culto á Deusa não é uma religião, mas ao contrário, é a porta do auto-conhecimento, como indivíduos, como povo. O dia no que os galegos lhe viramos as costas á Mãe Galega, e optamos pelo culto aos bonecos procissionantes, trocamos, abofé, os olhos pelo rabo.



domingo, 14 de abril de 2013

HISTÓRIA DA LÍNGUA: Séculos XIX e XX (até 1950)


Por José Manuel Barbosa

O Ressurgimento linguístico

Com a entrada do exército francês na Galiza, o país vai começar a se espreguiçar depois de três séculos de silêncio. A necessidade de chamar à gente à tropa para lutar contra o francês faz com que o galego seja utilizado como um instrumento útil para a captação mas também como instrumento literário. Fernández de Neiva, Pedro de Andrade, Bento Fandinho ou Nicomedes Pastor Díaz são os primeiros a redigirem textos na fala dos galegos embora muito vulgarizada e dialetizada.

Já expulsos os franceses e já morto Fernando VI da Galiza e VII de Castela, a Galiza vai deixar legalmente de existir como Reino. É em 1833 quando o Ministro de Isabel II (4), Javier de Burgos cria quatro províncias com a mesma conexão entre si do que qualquer delas com Almeria ou Cuenca, sem qualquer tradição histórica e com uma dependência a respeito de Madrid como não se conhecia antes. Esta situação faz movimentar o país em grupos contrários a esta repartição anti-histórica e desestruturadora duma realidade de mais de catorze séculos de existência. Desde agora só vai existir o Reino da Espanha, já mais nunca o Reino da Galiza. Com isto, rangem as consciências dos galegos de cultura e surge o chamado “Provincialismo”, movimento que visa a criação duma província única para salvar a realidade política e administrativa galega. Este Provincialismo, primitiva forma de galeguismo, conduz para um levantamento militar no 1846, denominado de “Revolução de abril” sufocada pelo exército espanhol que acaba fuzilando os seus lideres enquanto outros como Antolim Faraldo e Francisco Anhão vão poder fugir para Portugal.


A frustração política favorece uma saída cultural que deriva no cultivo da língua. São, portanto, as primeiras personalidades deste galeguismo literário Rosália de Castro, Eduardo Pondal e Curros Henriquez, cujas obras vão ser consideradas clássicas das nossas letras contemporâneas embora a sua língua seja um reflexo dos falares populares da altura histórica da que estamos a tratar, muito castelhanizados e muito vulgarizados. Aliás, outros autores de grande importância são Lamas Carvajal, Marcial Valladares ou Joám Manuel Pintos.

Os escritores da época, longe da tradição medieval e do seu conhecimento, botam mão daquilo que  lhes é mais familiar: a língua mais castelhanizada no léxico, gramática, morfologia, sintaxe e ortografia, ainda que contrariamente, os estudos posteriores tenham descoberto, construções gramaticais, morfo-sintáticas e até campos semânticos, na altura de uso comum, que mesmo servem para reafirmar as teses regeneracionistas do idioma por serem estas formas, legitimamente galegas, embora proscritas e mesmo proibidas da consideração como tais por coincidirem com aquelas formas escolhidas como padrão em Portugal.
Nesta altura histórica falamos num momento de preocupação a respeito da língua por parte dos galeguistas, que atendem a  problemática do seu uso, vontade de correção e estudo. Saco e Arce, Cuveiro Pinhol, ou outros, publicam gramáticas, dicionários e tratados sobre as suas recolhas de léxico. A Galiza, pobre economicamente e atrasada culturalmente produz mão de obra  para América. Os episódios da emigração são comuns durante esta época embora o sentimento pátrio faça com que também enxerguem ali, onde há cultura, o cultivo do pensamento relacionado com o país.

As preocupações nacionais traduzidas dum ponto de vista social e político recebem o nome de “Regionalismo”, sendo o marido de Rosália de Castro, Manuel Murguia o teórico do galeguismo mais comprometido.

Murguia só conta com a concorrência do também pensador Alfredo Vranhas, que parte de pressupostos mais “politicamente corretos”, quer dizer, menos comprometidos, até ao ponto de ser ele o fundamento do “galeguismo” oficial da Galiza autonômica dos fins do século XX e começos do século XXI sob governos não herdeiros do galeguismo histórico mas do franquismo mais anti-galeguista.


Texto

                                               Probe Galicia, non debes
                                               chamarte nunca española,
                                               que España de ti s´olvida
                                               cando eres, ay! tan hermosa.
                                               Cal si na infamia naceras,
                                               torpe, de ti se avergonza,
                                               y a nai que un fillo despresa
                                               nai sin corasón se noma.
                                               Naide porque te levantes
                                               che alarga a man bondadosa;
                                               naide os teus prantos enxuga,
                                               y homilde choras e choras.
                                               Galicia, ti nos tes patria,
                                               ti vives no mundo soia,
                                               y a prole fecunda tua
                                               se espalla en errantes hordas,
                                               mentras triste e solitaria,
                                               tendida na verde alfombra,
                                               ó mar esperanzas pides,
                                               de Dios a esperanza imploras.
                                               Por eso anque en son de festa
                                               alegre á gaitiña se oia,
                                               eu podo decirche:
                                               non canta, que chora.
                                              
                                               Rosalia de Castro: Cantares Gallegos
  
                                                     A Fala
                                               Nobre e armonïosa
                                               fala de Breogán,
                                               fala boa, de fortes
                                               e grandes sin rival;                                                                                                             ti do celta aos ouvidos                                            
                                               sempre soando estás
                                               como soan os pinos
                                               na costa de Froxan;
                                               ti nos eidos da Celtia
                                               e co tempo será
            un lábaro sagrado
                                               que ao trunfo guiará,
                                               fala nobre, armoniosa,
                                               ¡fala de Breogán!                                                            
                                              
                                               Ti, sinal misterioso
                                               dos teus fillos serás
                                               que plo mundo dispersos
                                               e sin abrigo van;
                                               e a aqueles que foran
           nunha pasada edá
           defensores dos eidos
                                               contra o duro román
                                               e que ainda cobizan
                                               da terra a libertá,
                                               nun pobo nobre e forte,
                                               valente, axuntarás,
                                               ¡oh, fala armonïosa,
                                               fala de Breogán!
                                               Serás épica tuba
                                               e forte sin rival,
                                               que chamarás ós fillos
                                               que aló do Miño están,
                                               os bós fillos do Luso,
                                               apartados irmáns
                                               de nós por un destino
                                               envexoso e fatal.
                                               Cos robustos acentos,
                                               grandes, os chamarás
                                               ¡verbo do gran Camoens,
                                               fala de Breogán!

Eduardo Pondal. Queixumes dos pinheiros

O século XX na Galiza (até 1950)

O mundo da política vê aparecer as agrupações de caráter galego e galeguista, e mesmo de defesa da língua face ao castelhano. Começam portanto as disputas entre os seguidores dum achegamento ao português e aqueles outros que defendem qualquer forma de isolacionismo.

Em 1902 o governo emite um Real Decreto que pune os mestres que ministrem as aulas em galego e no entanto o galeguismo cria a Real Academia Galega em 1906, o jornal “A Nossa Terra” em 1907,  e as Irmandades da Fala em 1916 com finalidades galeguizadoras, chefiada por personagens de grande importância durante o século que agora começa: Vicente Risco, Vilar Ponte, Castelao ou Outeiro Pedraio...Os primeiros parecem seguir critérios mais ilustrados e cientifistas do ponto de vista filológico-linguístico embora os segundos aceitem um populismo que quer ser mais pragmático e melhor aceitado pelo “stablishment” político-cultural. O século XX vai ser especialmente importante porque vai ser quando se reivindique a língua dos galegos com muita mais força do que no passado, mas em troca, vai ser quando a perda de falantes vai ser mais evidente.


As Irmandades da Fala em 1918 declarar-se nacionalista ao considerar a Galiza como uma Nação por possuir todos os condicionantes para ser considerada como tal. O fim da Primeira Guerra Mundial, a independência de muitos países do Leste da Europa sob poder austro-húngaro, turco e/ou russo,e a criação da Sociedade das Nações que propunha a aplicação dos catorze Pontos de Wilson têm muito a ver com tudo isso.

Os próprios galeguistas de começo do século e nomeadamente o grupo de Ourense vão criar a revista “Nós” cujo labor em favor da cultura galega, é fundamental para percebermos o galeguismo do século XX. O seu campo de investigação abrange tudo aquilo que possa ser definido como galego, num labor imenso de recuperação etnográfica, históriográfica, geográfica, artística e linguística até. Cria-se o Seminário de Estudos Galegos dedicado ao estudo da língua, onde se vão dar os primeiros desencontros entre os favoráveis à convergência com o resto da lusofonia/galeguia e os que posteriormente serão denominados de isolacionistas ou elaboracionistas.

Politicamente a etapa é muito interessante por ser a primeira vez  que houve uma representação galeguista importante no parlamento espanhol de Madrid. É a Segunda República espanhola nascida em 1931 que vê uma representação galega nas Cortes Espanholas levada pelos dois partidos políticos galegos da altura. A ORGA (Organização Republicana Galega Autónoma) e o PG (Partido Galeguista).


Do grupo das Irmandades da Fala da Crunha sai em setembro de 1929 um partido político de pendor galeguista conservador, a ORGA (Organização Republicana Galega Autónoma) que vai chegar no seu momento a pôr um político galego, Santiago Casares Quiroga, na chefia do governo republicano espanhol em maio de 1936. Mas é na Assembleia de Ponte Vedra em 1931 que as Irmandades decidem organizar o Partido Galeguista de feliz memória para a história recente do nosso País. Entre ORGA -que passa a denominar-se posteriormente Federação Republicana Galega (FRG) e mais tarde Partido Republicano Galego (PRG)-, o PG e outros deputados galegos compõem o grupo parlamentar Minoria Galega do Congresso com 19 deputados que serão os que elaborem o Projeto de Estatuto de Autonomia de 1936.

O PG por seu lado vai dar grandes vultos como Daniel R. Castelao, Outeiro Pedraio, Alexandre Bóveda..., que serão quem conquistem o primeiro Estatuto de Autonomia da Galiza. Eles é que vão participar na elaboração e conquista para a Galiza do Estatuto aprovado em junho de 1936, pouco antes do levantamento fascista do mês de julho.

A guerra frustra toda a tentativa de autogoverno exercendo uma repressão brutal contra o nacionalismo galego que vê morrer a muitos dos seus dirigentes -como no caso de Bóveda ou Casal- ou vê o exílio de outros como o caso de Castelao. Dentro da Galiza o PG fica desfeito e em mãos de dirigentes, ameaçados pelo poder e com risco das suas vidas. Perante isso, optam pela dissolução do partido evitando com isso a vantagem futura duma organização clandestina que poderia favorecer a recuperação do partido quando a ditadura chegasse ao seu fim.


O General Francisco Franco, alça-se em rebeldia contra a República legalmente constituída dominando a Galiza desde os primeiros meses. Os franquistas assassinam a todos aqueles opositores que se tivessem distinguido por defenderem os interesses e as ideias galeguistas bem como outros pensamentos políticos sempre contrários aos golpistas. Muitos dos galeguistas, lembrando a situação do 1846, fogem da Espanha, desta vez para a América onde se organizam. Enquanto na própria Galiza, a desgaleguização dos modos de vida e a imposição do castelhano tornam-se brutais. Os meios de comunicação e os métodos de controlo de massas incluída a rádio e a TV criadas desde os anos 50 levam a única língua oficial do Estado às moradas dos galegos às escolas, à igreja e à vida de algumas cidades que vivem a perda da sua galeguidade pouco a pouco
.
Sabido é por todos que o galeguismo na Argentina é o que vai manter o lume acesso da defesa do país e da língua em mãos do liderado de Daniel Castelao quem no seu livro “Sempre em Galiza” marca as linhas a seguir no futuro duma possível queda do poder político anti-galego. Castelão morre em Buenos Aires em 1950 defraudado e desiludido pelos factos acontecidos tanto internacionalmente como dentro da Galiza e do Estado Espanhol. Haverá que aguardar a morte do ditador para ver que acontece com a Galiza...


Textos

A fala galega

            Na Península Ibérica, desprendéronse do baixo latín medieval tres lingoas romances que inda hoxe a dividen en tres bandas verticaes (ficando ó Norte o angulo euskérico).
                Valle-Inclán carauterizounos cunha xenial comprensión da índole social dos pobos das tres falas: “Tres romances se formaron na Península -di-: catalán de comerciantes, galego de labradores e castelao de dominadores”.
                Está recoñecido por cantos se ocupan destas cousas, que, de tódolos vínculos sociaes, é a fala a que máis sopara e carauteriza ós pobos, porque é o máis espirtual de todos, é o que conforma o pensamento e fai a maneira de ser das xentes. O troque de língoa determina, na maor parte dos casos, a dexeneración espirtual dun pobo. A Cuestión é deferente prós individos do que prás nacionalidades. A proba é que a imposición da língoa foi sempre unha violencia que non descoidou ningún imperialismo: foi empregada por Austria cos checos e cos húngaros, por Prusia cos polacos, por Francia cos vascos i os provenzaes, por Castela cos catalás e connosco.
                Mais a pesar da rabia conque o presiguen, o galego vive, fálase polas catro quintas partes da poboación, i achase hoxe nunha das súas épocas de maor frolecemento literario, convertíndose en istrumento de espresión centífica e de produción filosófica.
            Agora, o galego i o portugués son dúas formas dialeutaes do mesmo idioma: esto indica que nós temos un maor parentesco con Portugal do que con Castela. Tres falas, tres civilizaciós; nós pertencemos á civilización da banda oucidental, e culturalmente, pois que esí é filolóxicamente, nada temos que ver coas outras dúas. Queiramos ou non, esto trábanos fortemente, estreitamente con Portugal e coa civilización portuguesa.

Vicente Risco .Teoria do nacionalismo galego.1920

 Texto
            A terra galega é, ao mesmo tempo, unha entidade étnica, pero de dificultosa reconstrución política, porque a fronteira portuguesa róubanos a espranza de anovar en breve a comunidade nacional dos tempos suevos e visigóticos. Con todo, é doado esperar que o Bierzo e demáis comarcas limítrofes de Ourense e Lugo, se incorporen ao seo da súa nación natural, e que o tempo -gran curandeiro dos erros hestóricos- posibilite a reconstrución total da nosa unidade. Non se pode creer que o rio Miño, vello pai de Galiza -representado na franxa azul da nosa bandeira- siga sendo un lindeiro perdurable de dous Estados.
                Galiza é a mellor esquina do solar hispánico, cabo do mundo antigo e avanzada de Europa no mar inmenso da liberdade. A arquiteitura barroca do noso chán, labrada en pedra granítica, está sempre coberta por un manto de zugoso verdor. Os montes son redondos como peitos de muller e as serras son como lombos de boi cebado. Os vals son ledos e farturentos. O mar tolea de carraxe cando non-o deixan penetrar na terra; pero cando entra, quédase adormecido no leito das rias. Galiza é unha unidade territorial armónica, de formas e coor, perfeitamente diferenciada do resto da Hespaña.
                Un fillo de Galiza pode iñorar que o seu idioma labrego e mariñeiro (“rustico”, como din os catedráticos casteláns), fose antano a língoa lírica de toda Hespaña; pero non hai galego que non se sinta orguloso de ser fillo da terra mais fremosa do mundo. Cando un galego entra nas planuras de León ou de Zamora, síntese en terra allea, invadido pol-a tristura que producen os desertos. Cando entra en Asturias ten que afacer os seus ollos a un novo estilo de paisaxe. Pero cando traspón a fronteira portuguesa, síntese na propria terra, e non dá creto ás arbitrariedades da política hestórica.

            Castelao. Sempre en Galiza. Cap. V. Livro 1º.

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