O
Prof. Xaverio Ballester, catedrático de Filologia Latina da
Universidade de Valência, estará connosco nas VIII Jornadas
Galaico-Portuguesas de Pitões das Júnias (Montalegre), onde falará
no sábado 11 de Maio.
Com
ele, igual que com o Prof. Benozzo anteriormente, teremos a honra de
contar com um dos principais investigadores do chamado Paradigma da
Continuidade Paleolítica, uma autêntica revolução científica
multidisciplinar que estabelece um novo modelo de interpretação e
entendimento das origens das línguas e culturas europeias, com
implicações diretas até dia de hoje.
Assim,
agradecemos ao Prof. Ballester esta pequena entrevista que serve de
avanço à sua palestra nas jornadas que, com certeza, será
apaixonante.
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Que foi o primeiro que o levou a se interessar pelo estudo das
origens das línguas e culturas ancestrais e como acabou por tratar
com temas célticos
Não
sei exatamente de onde é que vem o meu interesse pelo estudo da
origem das línguas, ou da língua sem mais, mas reconheço que é o
tema do que mais gosto e no que estou mais especializado.
As minhas primeiras lembranças infantis são ilustrações de livros e figurinhas sobre os nossos ancestrais: celtas e iberos. Depois interessei-me muito pela coisa indo-europeia, mas já de estudante resultou-me impossível aceitar a doutrina tradicional vinda do século dezanove.
O meu primeiro contacto a sério com o mundo céltico foi no curso 1991-2, em Teruel [Aragão] onde se fazia investigação, principalmente arqueológica, sobre o mundo celtibérico. Lembro que em uma semana revisei tudo o que se conhecia sobre a língua celtibérica; hoje isso já não seria possível por causa da eclosão de textos e autores disponíveis. Eu vinha de uma bolsa pós-doutoral em Munique, onde tirei proveito para fazer uns cursos de literatura polaca e de lituano. Neste último tive por único companheiro ao grande celtista Kim McCone, quem se ofereceu a dar um seminário sobre as línguas célticas e naturalmente fui convidado. Muito lamentei depois ter perdido aquela oportunidade, mas naquela altura o mundo céltico parecia-me uma coisa ainda mais afastada do que o mundo báltico ou eslávico. Em Teruel eu percebi o meu erro e do perto que tínhamos o céltico, já que a só uns poucos quilómetros começavam a sair textos celtibéricos. Não podia suspeitar que o céltico fosse algo assim tão próximo.
As minhas primeiras lembranças infantis são ilustrações de livros e figurinhas sobre os nossos ancestrais: celtas e iberos. Depois interessei-me muito pela coisa indo-europeia, mas já de estudante resultou-me impossível aceitar a doutrina tradicional vinda do século dezanove.
O meu primeiro contacto a sério com o mundo céltico foi no curso 1991-2, em Teruel [Aragão] onde se fazia investigação, principalmente arqueológica, sobre o mundo celtibérico. Lembro que em uma semana revisei tudo o que se conhecia sobre a língua celtibérica; hoje isso já não seria possível por causa da eclosão de textos e autores disponíveis. Eu vinha de uma bolsa pós-doutoral em Munique, onde tirei proveito para fazer uns cursos de literatura polaca e de lituano. Neste último tive por único companheiro ao grande celtista Kim McCone, quem se ofereceu a dar um seminário sobre as línguas célticas e naturalmente fui convidado. Muito lamentei depois ter perdido aquela oportunidade, mas naquela altura o mundo céltico parecia-me uma coisa ainda mais afastada do que o mundo báltico ou eslávico. Em Teruel eu percebi o meu erro e do perto que tínhamos o céltico, já que a só uns poucos quilómetros começavam a sair textos celtibéricos. Não podia suspeitar que o céltico fosse algo assim tão próximo.
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O seu nome é um dos grandes nomes por trás do Paradigma
da Continuidade Paleolítica
(PCP) que defende, entre outras coisas, uma origem local, gradual e
muito mais antiga do comummente aceitado para as línguas e culturas
europeias. Apesar da crescente acumulação de evidências, como é
que há tantíssima reticência ao PCP nos círculos académicos
convencionais? É realmente um problema estritamente científico?
A
minha resposta aqui será necessariamente muito subjetiva, mas
sincera. Direi o que realmente acredito: porque os principais
defensores do novo paradigma somos espanhóis, franceses, italianos,
portugueses… Creio sinceramente que se a nova proposta tiver
emergido em inglês nos Estados Unidos ou no Reino Unido a situação
seria bem diferente.
Infelizmente os problemas científicos, quando menos nas ciências humanas, não são quase nunca estritamente científicos. Há interesses das grandes corporações académicas e de poderosas editoriais. A disciplina da História da Ciência fornece inúmeros exemplos de teorias que foram mesmo ridicularizadas inicialmente porque se opunham à doutrina oficialmente estabelecida, e que posteriormente resultaram corretas. Mas como cientista devo ser otimista, acreditar que mais tarde ou mais cedo há triunfar a razão.
Isto é especialmente verdade para a ciência humanística (ou como quer que se lhe quiser chamar) onde a diferença da física, medicina, química ou tantas outras, não dispomos do método experimental. Nós só podemos tentar explicar muito mais e melhor. Uma boa teoria deve ser preditiva e produtiva e, em verdade, em trinta anos crescemos espetacularmente nesse sentido, sem mais ajuda do que a razão e a argumentação.
Infelizmente os problemas científicos, quando menos nas ciências humanas, não são quase nunca estritamente científicos. Há interesses das grandes corporações académicas e de poderosas editoriais. A disciplina da História da Ciência fornece inúmeros exemplos de teorias que foram mesmo ridicularizadas inicialmente porque se opunham à doutrina oficialmente estabelecida, e que posteriormente resultaram corretas. Mas como cientista devo ser otimista, acreditar que mais tarde ou mais cedo há triunfar a razão.
Isto é especialmente verdade para a ciência humanística (ou como quer que se lhe quiser chamar) onde a diferença da física, medicina, química ou tantas outras, não dispomos do método experimental. Nós só podemos tentar explicar muito mais e melhor. Uma boa teoria deve ser preditiva e produtiva e, em verdade, em trinta anos crescemos espetacularmente nesse sentido, sem mais ajuda do que a razão e a argumentação.
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O Prof. Benozzo, seguindo também a linha do PCP, afirma que a
Gallaecia, o noroeste peninsular, é a origem primeira do todo o
celta. De onde é que vem então o prejuízo em relação à
celticidade da Galiza?
O
meu bom amigo Francesco, extraordinária personalidade no científico
e no artístico, é único. Ora bem, eu agora não seria tão
preciso.
Não há dúvida de que geneticamente a Península Ibérica constitui um dos principais refúgios de população humana na fase mais dura da época glacial. Daqui saiu uma grande quantidade de gente que, graças à pegada genética, sabemos que repovoou grande parte da Europa.
A posição atual do PCP, e por isso é um paradigma flexível e não uma teoria rígida e dogmática nos seus detalhes, é que aquelas pessoas depois serão essencialmente os celtas, isto é, os falantes históricos de línguas célticas. Mas se foi a zona galaica exatamente ou mais bem a cantábrica ou toda a região setentrional é algo que, acho, não estamos ainda em condições de precisar. O que sim defendemos com múltiplos e variados argumentos é que, se a nossa proposta for certa, ainda que as falas célticas foram aqui absorvidas pelo latim, a Galiza não teria uma celticidade emprestada, mas genuína, milenar, e obviamente ainda presente em muitos outros aspetos da tradição e da cultura.
Não há dúvida de que geneticamente a Península Ibérica constitui um dos principais refúgios de população humana na fase mais dura da época glacial. Daqui saiu uma grande quantidade de gente que, graças à pegada genética, sabemos que repovoou grande parte da Europa.
A posição atual do PCP, e por isso é um paradigma flexível e não uma teoria rígida e dogmática nos seus detalhes, é que aquelas pessoas depois serão essencialmente os celtas, isto é, os falantes históricos de línguas célticas. Mas se foi a zona galaica exatamente ou mais bem a cantábrica ou toda a região setentrional é algo que, acho, não estamos ainda em condições de precisar. O que sim defendemos com múltiplos e variados argumentos é que, se a nossa proposta for certa, ainda que as falas célticas foram aqui absorvidas pelo latim, a Galiza não teria uma celticidade emprestada, mas genuína, milenar, e obviamente ainda presente em muitos outros aspetos da tradição e da cultura.
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Seria necessário ou teria sentido a criação de uma cátedra de
estudos célticos na Galiza?
Cátedra
universitária? Em princípio parece uma boa ideia mas… O primeiro
é colocarmos em ordem a instituição. Se para uns poucos lugares do
mais modesto trabalho encontras com um monte de gente em concurso
público desde há anos e, em troca, o acesso a funcionário
universitário faz-se sem competência e por um sistema
onde se valoram cotas, cargos e outros méritos
que pouco ou nada têm a ver com o científico… Na universidade uma
cátedra de “Estudos Célticos” não garante que vaia haver
estudos célticos.
Por exemplo, em Valência criara-se uma muito restritiva cátedra de “Línguas Pré-Romanas da Península Ibérica”, cátedra ad hominem para certo e influente sujeito, muito mais conhecido pelos seus pedantes versos que pelas suas investigações, e depois jamais lecionou nem a primeira aula na matéria. Só em 1998, após a minha incorporação a essa mesma universidade, pudemos ministrar um par de cursos. Depois de eu ganhar a cátedra de Filologia Latina em 1994 por concurso público, a universidade atendeu a reclamação do candidato local e, seguido de um longo litígio, voltou a oferecer a mesma cátedra, mas esta vez com o mais restritivo perfil de “Latim dos Cristãos”, pois o candidato que o impugnara era sacerdote. Ganhei novamente mas, como nunca existira tal matéria, levo 20 anos sem poder dar essas aulas.
Por exemplo, em Valência criara-se uma muito restritiva cátedra de “Línguas Pré-Romanas da Península Ibérica”, cátedra ad hominem para certo e influente sujeito, muito mais conhecido pelos seus pedantes versos que pelas suas investigações, e depois jamais lecionou nem a primeira aula na matéria. Só em 1998, após a minha incorporação a essa mesma universidade, pudemos ministrar um par de cursos. Depois de eu ganhar a cátedra de Filologia Latina em 1994 por concurso público, a universidade atendeu a reclamação do candidato local e, seguido de um longo litígio, voltou a oferecer a mesma cátedra, mas esta vez com o mais restritivo perfil de “Latim dos Cristãos”, pois o candidato que o impugnara era sacerdote. Ganhei novamente mas, como nunca existira tal matéria, levo 20 anos sem poder dar essas aulas.
Assim,
temo muito que qualquer um com os contactos
ajeitados pudera obter facilmente uma cátedra de “Estudos
Célticos” para depois usar o seu tempo noutros assuntos. Na atual
situação acho que criar tal cátedra comportaria um grande risco.
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Na sua iminente visita a Pitões vai-nos falar de mitologia… Sem
desvelar muito, que podemos aguardar da sua palestra?
As
duas ideias principais que desejo transmitir é que acreditamos saber
agora com certeza que muitos dos nossos mitos remontam ao Paleolítico
Superior e que, precisamente a Gallaecia, entendida como o quadrante
noroeste da antiga Hispânia, conservou notáveis arcaísmos por toda
uma série de razões.
Uma
grande contribuição linguística do chorado mestre Mario Alinei foi
mostrar o valor dos dialetos, do rural, humilde e periférico, pois
pelo seu carácter conservador podiam preservar componentes
paleolíticos por exemplos nas suas motivações semânticas. Até
Alinei acreditava que nestes casos podia-se chegar até época
medieval.
Já intuímos que a mitologia, entendida genericamente como um conjunto de crenças, contos, superstições, etc, podia remontar igualmente a época paleolítica. Contudo, não podíamos suspeitar (isto é preditividade) que haveria uma evidência tão clara e maciça (isto é produtividade) e que indiretamente isto tudo constituiria um apoio ao PCP. Quer dizer, os mitos se atualizam e, além disso, misturam-se mais do que as línguas e as línguas mais do que as raças. Assim, se o continuum mitológico, apesar da sua maior contaminação, pode se remontar ao Paleolítico, como não iam poder fazê-lo os continua linguísticos?
Já intuímos que a mitologia, entendida genericamente como um conjunto de crenças, contos, superstições, etc, podia remontar igualmente a época paleolítica. Contudo, não podíamos suspeitar (isto é preditividade) que haveria uma evidência tão clara e maciça (isto é produtividade) e que indiretamente isto tudo constituiria um apoio ao PCP. Quer dizer, os mitos se atualizam e, além disso, misturam-se mais do que as línguas e as línguas mais do que as raças. Assim, se o continuum mitológico, apesar da sua maior contaminação, pode se remontar ao Paleolítico, como não iam poder fazê-lo os continua linguísticos?
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Então, especificamente, como pode contribuir a antiga Gallaecia
a esta nova argumentação e endossar as posições do PCP?
Muitíssimo.
Na Gallaecia, temos um amplo observatório de antiquíssimos mitos e
crenças, uma reserva extraordinária, com a particularidade de esta
tradição estar perfeitamente viva para grande parte da população.
É um valor 10 no quantitativo e outro 10 no qualitativo.
Resulta
que, por causa das suas vicissitudes históricas e da sua localização
no “cabo do mundo” do grande continente euro-asiático, a
Gallaecia preservou em boas condições estádios mais primitivos de
muitos mitos primordiais, como esse mesmo que acabo de nomear de “fim
do mundo”, e muitos outros.
Disto tudo aguardo poder falar em mais detalhe com os amigos de Pitões.
Disto tudo aguardo poder falar em mais detalhe com os amigos de Pitões.
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