[Versão
galego-português – English version below]
Entrevista
com o Prof. Francesco Benozzo:
“A
Galiza
e o Norte de Portugal são a origem da celticidade europeia”
(por
Xoán
M. Paredes)
O
Professor Francesco Benozzo (Módena, Itália, 1969) é um dos
grandes nomes por trás do Paradigma
de Continuidade Paleolítica,
afirmando que existe uma continuidade clara nas origens e
desenvolvimento dos povos europeus, origens que podem ser colocadas
ainda mais atrás no tempo do que normalmente é considerado. Esta
mudança no compreensão da arqueologia, pré-história e linguística
europeia é de enorme relevância para a Galiza e (Norte de)
Portugal, pois situa este território no centro da génese da chamada
Cultura Celta, entre outros aspectos.
Com
dois doutoramentos em linguística e filologia pelas universidades da
Bolonha (Itália) e Aberystwyth
(País de Gales), na actualidade lecciona na nomeada universidade
italiana. Contudo, Francesco Benozzo não está limitado pelo
formalismo que normalmente acompanha a vida académica. Ele também é
um reconhecido poeta e harpista, com um grande número de obra e
música editada, o que fez com que o seu nome fora proposto como
Prémio Nobel de Literatura.
Teremos
a fortuna de recebê-lo este próximo Abril (dias 2 e 3) na quinta
edição das Jornadas
das Letras Galego-Portuguesas
(Pitões das Júnias, Montalegre, na “raia” galego-portuguesa),
onde debaterá sobre estes e outros temas, como vai indicado na
entrevista a seguir.
-
Qual foi a primeira coisa que chamou a sua atenção sobre a Galiza e
Norte de Portugal? Foi algo puramente académico ou houve algum outro
factor motivando que se centrara em nós?
Desde
que era criança o meu instinto sugeria que o significado original
das coisas reside nas áreas e localizações periféricas. Com isto
não quero dizer “periférico” simplesmente num sentido
geográfico mas, principalmente, num sentido poético. Esta é uma
das razões pelas quais fui viver ao País de Gales (e não
Inglaterra) durante uns anos, e também a razão pela qual deixei a
minha cidade natal de Módena, no norte da Itália, e decidi viver
nas montanhas. Também acredito que, como académicos, devemos
estudar e concentrarmos-nos em tradições “periféricas”:
tradições populares, dialectos, textos orais, culturas das pessoas
marginais e assim por diante, porque o que agora é percebido como
“marginal” e “periférico” foi , em muitos casos, o centro
original do que na actualidade percebemos como centro.
A
Galiza e o Norte de Portugal sempre foram parte desta minha
“topografia poética” e da minha concepção poética, começando
pelas suas lendas e tradições e grandes poetas como os trovadores
medievais, até mesmo Rosalia de Castro ou Eduardo Pondal.
-
Considera
que o noroeste ibérico pode ser considerado a origem da
“celticidade” na Península desde um ponte de vista linguístico?
Não
só. Penso que pode ser considerado a origem da celticidade em toda a
Europa.
-
Qual
é a sua opinião sobre a relação entre o mundo céltico e
Tartesso, como postula o Prof. Koch?
John [Koch]
tem produzido um trabalho extraordinário sobre isso na última
década. Não vejo quaisquer razões linguísticas que puderam negar
essa conexão postulada. O problema com a teoria de Koch é que
auto-limita-se à Idade do Bronze Tardio, o qual contradiz a sua
ideia de “Celtas do Oeste”. Em vez disso, se falarmos de
etnogénese, devemos ir além das restrições das fontes escritas e
termos a habilidade para conectarmos-las com outro tipo de fontes
como assim as lendas, tradições, genética, etno-textos ou léxico
dialectal. Em consequência, poderemos falar de “Celtas
Paleolíticos” nesta área. Dentro deste quadro, Tartesso pode ser
visto como uma das muitas relíquias escritas “recentes” de um
fenómeno muito mais antigo.
-
Por que acha que há este esforço renovado em algumas partes da
Europa para desacreditar o termo "celta", ou mesmo até a
existência de uma cultura celta?
Por
três razões principais. Em primeiro lugar, sendo eu mesmo um
anarquista, diria que há uma tendência inata por parte dos que
estão no poder de excluírem a diversidade e, acima de tudo,
“centralizarem” qualquer tipo de estratégia ligada ao seu poder.
Assim, como sabemos, desde a sua proto-história os celtas sempre
foram os “perdedores” em termos geopolíticos e foram excluídos
logo de qualquer jogo de poder das elites europeias.
Em
segundo lugar, podemos encontrar um desconforto geral com a
celticidade se a compararmos às culturas oficiais padronizadas que,
de certa forma, governam o mundo. Noutras palavras, admitir que a
inquietante, multiforme, colorida, rural, estratificada e arcaica
cultura celta possa ser parte de nós é, em muitos casos, difícil
de aceitar para as pessoas criadas com a certeza e o mito conformista
da estabilidade e um conhecimento superficial da história europeia.
Por último,
e em relação às razões mencionadas acima, a cultura celta
representa, em termos psicanalíticos, o subconsciente da Europa, o
que provoca uma contínua tentativa para reprimi-lo e suprimi-lo.
-
Como reconhecido investigador, mas também como poeta e músico, há
algum tipo de conexão entre o seu trabalho académico e o seu
trabalho artístico? Ou tenta manter ambos mundos separados?
Espero que
estes três aspectos convivam, como acontece com diferentes elementos
duma mesma paisagem. A minha expectativa é provavelmente parecer
como um músico que estuda filologia, um poeta que toca harpa e um
filólogo que compõe poemas.
-
Depois de todas as suas viagens e investigações, como resumiria o
“carácter céltico”? Por exemplo, quando visita a Galiza-Norte
de Portugual, que sente em conexão com outros territórios célticos?
Primeiro
de tudo, há um sentimento especial com o mar, que é diferente do
que tenho observado noutras comunidades, tais como as das Ilhas Féroe
ou do Mediterrâneo. Nas terras celtas este sentimento está ligado a
uma atitude "lendária" e melancólica na percepção da
paisagem marinha, e na capacidade de conectar lugares com histórias.
Há
também uma clara, inata, não previsível, percepção musical do
mundo. Além disso, existe a consciência do valor arcaico e
civilizador de coisas que foram esquecidas noutros lugares, como
partilhar umas bebidas, alimentos e histórias.
Nas
V
Jornadas das Letras Galego-Portuguesas,
o Prof. Benozzo participará com a palestra intitulada “Uma
paisagem atlântica pré-histórica. Etnogénese e etno-filologia
paleo-mesolítica das tradições galegas e portuguesas”.
O
evento é aberto e de assistência livre e gratuita, e a intervenção
do Prof. Benozzo será em inglês com tradução ao português.
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