|
Cartaz autoria de Francisco Boluda: Foto Rui Barbosa |
Por Maria Dovigo e José Inácio Regueiro
Começamos
as jornadas com a apresentação a cargo de David Teixeira,
vice-presidente da câmara de Montalegre, Lúcia Jorge, presidente da
junta de freguesia de Pitões das Júnias, José Barbosa, um
dos organizadores
das jornadas, e Maria Dovigo, em nome da Academia Galega da Língua
Portuguesa. David Teixeira
destaca
a universalidade do saber rural, Lúcia Jorge
a
continuidade das jornadas e o José Barbosa agradece a todos,
organizadores e participantes, o facto de fazerem possíveis
as jornadas.
As
palestras começam com a intervenção de Íria-Friné Rivera,
historiadora da arte e fotógrafa, atualmente a fazer uma tese sobre
a teoria estética de Vicente Risco. A sua apresentação, “Celtismo,
o amanhecer da estética moderna galega”, demonstra a centralidade
do celtismo na criação duma estética galega, com a figura central
de Vicente Risco como teórico e o trabalho de Camilo Díaz Balinho
como artífice duma iconografia celta e galega consolidada. Ajuda a
percebermos a arte do começo de século de temática céltica, as
relações entre os inteletuais da época e a expressão artística,
percorrendo trabalhos de Camilo Diaz Balinho,
Asorei, Uxio Souto, Urbano Lugris... Com muito atino faz que os
nossos olhos percebam os pormenores das obras e o conjunto, já não
só da tela ou escultura, mas também da história e as suas
ondulações no mar da cultura no tempo anterior à guerra civil
espanhola. A apresentação abrange também trabalhos atuais, como o
conjunto escultórico criado por Isaac Díaz Pardo no entorno da
Torre de Hércules na Crunha ou a media-metragem de animação de
Miguelanxo Prado De
profundis.
Joám
Evans Pim, formado em jornalismo e antropologia, académico da AGLP,
com a sua palestra “Ogham: apontamentos sobre uma escrita galega”,
convida-nos a questionar o nosso conceito de escrita como
transliteração, transcrição fonética da linguagem articulada, e
abri-lo a outras escritas não linguísticas, como o Ogham irlandês,
as marcas poveiras da costa atlântica, da Póvoa de Varzim e da
Guarda, as talas de Rio de Onor e Múrias de Rao. Estes outros tipos
de escrita são igualmente registos de informação. Relembra que o
conceito convencional de escrita foi criado no contexto do
colonialismo e que foi fundamental para consagrar a ideia duma rutura
histórica com a emergência da escrita que marcasse uma fronteira
definida entre os povos civilizados e os povos primitivos. Desde o
início da consagração deste paradigma as descobertas de conjuntos
de arte rupestre demonstravam que os povos primitivos tinham
consciência histórica. Esta conceitualização não convencional da
escrita permite-nos ver, ou ler, o território galego como um
território coberto de signos.
Francesco
Benozzo, professor na Universidade de Bologna, etnofilólogo, figura
destacada do paradigma da continuidade paleolítica, apresentou
Speaking
australopithecus. A new theory of origins of humam language,
livro que escreveu conjuntamente com Marcel Otte. O livro sustenta a
tese de que a linguagem humana apareceu com o Australopithecus,
há 3 ou 4 milhões de anos, e não com o Homo
sapiens,
como Chomsky e outros destacados linguistas defendem.
Comemos
em convívio, bacalhau, feijoada. Aqui, a Espanha, apenas a cinco
quilómetros em linha reta, já fica longe. O
“mundo real”
é algo que entra pela tevê. Enquanto comemos, a janela aberta ao
velho
paradigma
do
país e
os seus mitos fundacionais, impacta-nos com imagens continuadas do
Papa e Fátima. Mas não sei polo quê, será polo nevoeiro que
envolve hoje estas montanhas, que as gentes semelhamos impermeáveis.
Vai
um chisco de fresco, a pedra emergida da entranha desenha o horizonte
sul
em
cinzas variadas. A aldeia está recolhida sobre si.
Começa a
tarde.
A
palestra de Joaquim Pinto, investigador do Centro de estudos de
Filosofia da Universidade Católica de Lisboa, “Ética espiritual
celta: valores intemporais para tempos atuais”, propõe a reflexão
sobre os eixos éticos que sustentam a tradição celta e como eles
poderiam contribuir para o destino da humanidade. Joaquim fala-nos da
ideia de comunidade definida pela partilha de um sentido comum, dos
princípios de Verdade, do Bem e do Belo, entendidos de maneira
dinâmica, com necessidade de serem atualizados no mundo da
sustância, apontando para o outro mundo, as transcendências da
Liberdade, do Amor e da Felicidade. Falou-nos
ainda da atualidade em que as tecnologias, especialmente a televisão,
acabaram com a tradição comunitária da lareira, provocando a
clausura humana e a desterritorialização. Tudo é feito para não
precisarmos do outro e para destruir a noção da reciprocidade. O
homem teve de ser dividido para se apoderarem dele.
As
intervenções acabam com uma mesa debate sobre a atualidade do
celtismo em que intervêm os três palestrantes e o P. Fontes.
Fala-se do celtismo como espaço de reconstrução das relações
internacionais da Galiza, relações seculares e ancestrais
interrompidas nos últimos séculos e recuperadas com esforço pelo
galeguismo dos anos 20. Fala-se também da noção de herança, da
nossa capacidade de darmos outros sentidos à nossa cultura, do
problema da desertificação dos nossos territórios, do modelo da
civilização rural tradicional frente ao modelo da urbs romana como
questão central do celtismo, da continuação da resistência, dos
nossos povos como indígenas da Europa, dos baldios, as comunidades
de montes, a posse da terra do modelo céltico, do estigma da
civilização rural, dos perigos da turistificação e o medo a
vermo-nos como algo que pode acabar num museu.
Anoitece.
No eiró, a aldeia prepara um lume de cepos velhos que arderão a
noite toda dando aconchego e calor
às
gentes visitantes.
Dentro do local da junta de
freguesia
é momento para a música com a voz e as harpas de Francesco Benozzo.
Acompanhado da harpa céltica e da harpa bárdica, Francesco
oferece-nos canções tradicionais da Bretanha, das Ilhas Britânicas,
do norte da Itália e também galegas. Prossegue o convívio, uma
churrascada popular, na que também não falta uma cunquinha de caldo
quente.
Domingo,
céu limpo. Juntamo-nos para irmos
conhecer a aldeia abandonada do Juris, castro habitado até bem
entrada a Idade Média, e o carvalhal de Porto de Laja, antigo
nemetão céltico. Descemos por um caminho calcetado, com augas
cantareiras que acompanham a música do cuco, do papa-figos....
Carvalhos, pedra, musgo, gesta florida. Na aldeia, a Lúcia
oferece-nos um retrato vívido da cultura comunitária e como a
autoridade
chegou, mandou e dividiu.
Durante
o jantar a conversa animada entre todos, os assíduos das jornadas e
os que vêm pela primeira vez. Discute-se sobre a história e as
pesquisas de cada um e sobre a vida atual das nossas comunidades. As
despedidas prolongam-se no tempo
de no espaço para podermos desfrutar até o último minuto o prazer
da companhia, dos amigos de outros anos e dos novos amigos que de
seguro vamos ver novamente no futuro mas que por enquanto deixamos
para baixarmos novamente aos infernos do dia a dia quotidianos,
inçado de tópicos, de falsidades, de mentiras que nos fazem
consumir como a “realidade”. Longe das montanhas do Gerês está
o Portugal de todos os dias e a Espanha que nos mata. Lembramos ao
Santo Ero de Armenteira que quando chegou de volta já tinham passado
trezentos anos. Será que nos vai acontecer o mesmo ao baixarmos o
Monte do Pisco achando à nossa chegada um mundo onde não nos
conheçam? Talvez ao abrirmos os olhos nos vejamos rodeados de quem
nos quer trazer ao “mundo real”? Vamos ver…. Porque depois
deste sonho, tão real vamos ter vontade de ficarmos no paraíso. Os
adeuses não são adeuses, são um
“até para o ano e daqui a lá, muitas vezes”.
Abu
Gaels!!
Que
assim seja.