Por Carlos Solha:
A revista National Geographic, no
seu número de maio de 2013, inclui um inspirador artigo intitulado “As caras da
Lua”. Jeremy Berlin, redactor de NG,
oferece-nos um breve percurso por diversas culturas e tradições, sintetizando
aquilo que a humanidade vê bosquejado nas “sombras” faciais da lua cheia. Os
científicos -uns estragafestas- atalham qualquer elucubrações denominando a
superfície escura “mares lunares”, uma vasta extensão de planalto deprimido.
Ao artigo bem lhe camparia
o título “As caras da cara da Lua”, pois, como é sabido e por causa da sua
síncrona rotação com a Terra, o nosso satélite sempre nos mostra a mesma face.
A Lua emprega o mesmo tempo em girar sobre si do que em completar a sua viagem
orbital derredor do nosso planeta (case 28 dias).
A Lua mantém a outra face oculta aos olhos da humanidade,
sejam quais forem as coordenadas terrestres desde onde a observemos. Portanto,
a dama da noite engaiola-nos, conturba-nos, possui-nos, inspira-nos, abala-nos
e devala-nos, despregando só a metade do seu poder de encantamento.
Ainda que todos os humanos partilhamos a mesma fasquia
lunar, com a ajuda dum telescópio darmo-nos-emos conta de que os habitantes do
hemisfério norte enxergamos no hemisfério sul lunar, por exemplo, a rechamante
cicatriz do astroblema Tycho, uma das crateras mais características da
orografia selenita, batizada na honra do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe
(1546-1601). Contrariamente, os terrícolas do hemisfério sul percebem o mesmo
acidente orográfico no hemisfério norte do astro vizinho.
Desde a teogonia greco-latina até o monólito alienígena
do tandem Arthur C. Clarke-Stanley Kubrick para 2001: A Space Odyssey
(1968), a Lua, e de jeito especial a lua cheia, tem sido manancial inesgotável
de mitos e lendas. Cumpre acrescentar que boa parte da humanidade, a mesma que
diz observar tal ou qual cousa impressa no pergaminho lunar, desconhece (ou põe
em dúvida) que o 20 de julho de 1969 o homem pus pela primeira vez o pé naqueles
ermos poeirentos.
Lemos em National
Geographic que, para muitos povos europeus, os nodos lunares representam um
velhote carrejando ao lombo um feixe de lenha. Segundo a tradição judeu-cristã,
a sua angueira –como a de Sísifo- não tem acoubo, já que, por incumprimento do
preceito do descanso dominical (ou do sabbat), Deus o condenou a trabalhar
eternamente.
Na Índia acredita-se em que a pegada da deusa Astangi
Mata (denominação indiana da nossa Moura) fica salientada naquela agrisalhada
epiderme. Mãe de dous gémeos, a deusa enviou-os ao céu, transfigurando-os no
Sol e na Lua. Astangi Mata, despediu-se agarimosamente da pequena Chanda –a
Lua– e, ao lhe acarinhar as bochechas, deixou gravadas as mãos no rosto da sua
filha.
Os estadunidenses alviscam os traços essenciais do rosto
dum homem o homem da Lua: olhos, nariz e boca.
Desde o arquipélago das Havaí enxergam uma mulher –Hina–
que tece para os deuses, confecionando as teias com a cortiça dum baniano,
árvore sagrada. “Mahina” significa “lua” em havaiano.
Os neozelandeses achegam o relato de Rona, uma mulher que
ousou ultrajar a Lua. O astro, como castigo, recluiu-a no seu orbe a
perpetuidade.
No longínquo Oriente acreditam num coelho de longas
orelhas. Para os japoneses, o coelho moe arroz num almofariz para, com a
farinha, cozinhar umas saborosas tortas. Em China e Coreia, o coelho elabora
numa marmita o elixir da imortalidade. Este animalzinho também está presente no
imaginário das culturas centro-americanas.
Já que todo depende dos olhos com que se olhe, o grande
número de interpretações é interminável. Contudo, em esta aluarada galeria não
pode faltar a proposta galega e, concretamente, a visão que do assunto temos os
indígenas de Terra de Montes.
Nas aldeias da revolta do Seixo, os naturais contam do
vínculo existente entre o Rato Rabisaco, roedor endémico da peneda do Castro
Grande ou Outeiro do Castro, e o plenilúnio. Do rato ao coelho não há muito
treito.
O Castro Grande é um prominente afloramento granítico que
abrange umas 2 ha de superfície, chegando aos 919 m de altitude (Coordenadas
SixPack: 42º 29’ 25’’ N - 8º 23’ 7’’ W). A rocheda do Castro Grande finca a
estrema dos concelhos de Cerdedo e Forcarei.
Na sua aba de levante, O Castro apresenta uma rocha de
forte pendente, sucada ao meio por uma fenda em ziguezague. Esta ladeira
nomeia-se de “rotadoiro” ou “rastenha” e os cativos de outrora usavam-na como
balouço, escorregando outeiro abaixo. Os rilhotes amorteciam a queda protegendo
o seu traseiro com uma mola. Na parte central, abre-se um buraco por onde se
diz que, em noites de lua cheia, contra á meia-noite, se debruça o fugidio
Rabisaco.
Assim o recolhi no lugar da Cavadosa, em Avelaindo, em
Meilide... Quando a Lua loze completa no firmamento, o lueiro espile o letargo
deste pequecho e rebuldeiro animal.
Cumpre não confundir o “Rato Rabisaco”, identificável com
um rato-lírio ou leirão (Glis glis),
com o “Rabisaco”, mamífero carniceiro (Genetta
genetta), também conhecido por “Algaria” ou “Rabilongo”. Ambas as criaturas
estarricam um longo e peludo apêndice caudal que serve para denominá-los. A cor
gris da pelugem do rato e o seu pequeno tamanho contrastam com o maior porte e
a pelame apigarada da algaria.
Portanto, nas noites de luar, o Rabisaco abandona o tobo
e rebole pela rastenha aos choutos. De tal maneira que, o derradeiro pincho lhe
vale para conseguir a lua e nela se nos representa. Para o entendimento dos
aldeãos, o rato, esfomeado, pega no queixo que, evidente, se exibe na alçadeira
da noite. Já com a lambetada nas poutas, não demora passá-la pelo dente até
fazê-la desaparecer. Como bem se compreende, o Rabisaco é o causante da míngua
da lua.
Também se diz que, calhando com o luar pleno, todo aquele
que tresnoite ao pé do Castro Grande acabará sendo testemunha do reloucar do
Rabisaco. Se tal cousa acontecer, a boa sorte achegar-se-á ás sentinelas como a
pez. Por se interessar, na lua cheia volverá espelhar o seu mágico reflexo nas
chagorças do alto Seixo.
O rato Rabisaco não é, em aquele território, o único ser
mítico relacionado com a lua e o seu devir. Na aldeia cerdedense de Carvalhás e
nas forcareicenses de Presqueiras, Cernadelo e Ratel contaram-me do longo sonho
dum gigante, conhecido pelo Homem da Leghua, que ao acordar axota a maiola
esticando os braços. O mangalhão, com a ponta dos dedos, amostra a lua,
propiciando o seu devalo. A dormida do Homem da Leghua prolonga-se durante um
mês.
Perto do lugar de Carvalhás, localiza-se o Outeiro das
Luas Novas, uma moreia de cachote proveniente dos estragos causados na lua pelo
gigante Foupeiro. Tenham por seguro que as andanças do Homem da Leghua dão para
outro artigo. De as enristarem, os leitores serão afortunados com a primícia.
Todos estes relatos falam-nos da relevância que o nosso
satélite teve, e ainda tem, para as comunidades labregas, sempre atentas ás
evoluções do astro para dar começo á sementeira, proceder á esterqueira, á
decota, á matança, á salgadura..., mesmo para cortar unhas, cabelos e barbas;
reminiscência de quando o tempo, em ausência de almanaques, se media somando
luadas e primaveras.
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