domingo, 26 de julho de 2015

A Des-Grécia


Por Artur Alonso Novelhe
Vivemos num mundo interdependente. As velhas noções de territorialidade, independência nacional e domínio particular do Estado Naçao, foram, aos poucos, chumbadas. A soberania regional substitui à velha soberania.
Dentro do Império Ocidental e no atual marco de guerra encoberta pela hegemonia global (entre este império e nomeadamente a China) qualquer dissidência deve ser castigada. Eis um apontamento sobre o que está realmente acontecendo em Grécia.
O construtor do Império Ocidental e governador real, por trás da falácia da "governabilidade política", é a Elite Financeira. Esta elite tem criado o seu corpo atual através da metamorfose da velha Elite Mercantil, própria do anterior período mercantilista (superador do Sistema Feudal e das Monarquias Absolutas), ate a nova Elite das Finanças, própria dum período de mudança desde O Capitalismo Financeiro ate o Novo Capitalismo das Rendas (Sistema que como bem definiu Michael Hudson é sem dúvida de caráter, paradoxalmente, Neo-Feudal).
Temos de reconhecer a este poder uma capacidade muito grande de adaptação as continuas mudanças intrínsecas à história e fazem parte das leis naturais de Impermanência e Desenvolvimento continuo o que provoca renovação constante.
A União Europeia já levou à frente o trabalho para o qual fora programada por estas mesmas elites, a pesar da resistência inicial de líderes como Degaulle. O velho sistema de Estado Providência ou Estado do Bem-Estar ficou sem sentido uma vez obtida a vitoria sobre a União Soviética no período chamado de “Guerra Fria”.
Em este momento e uma vez assinado o Tratado de Livre Comércio com os EUA, o velho Continente faz-se sem hesitação, uma parte integrante do Império Ocidental, agora em processo de construção. As Elites Centro Europeias, que detêm o poder baseado na vassalagem das Elites do Sul da Europa, estabelecendo relações de vassalagem e submissão à sua vez a respeito das Elites Anglo-Saxónicas. Mas esta rede de poder e seu labiríntico e eficaz organograma deve ser, entendo de maneira alegórica, circular e transversal e não linear ou piramida.

Esta rede de poder tem sua base em um núcleo principal: famílias de origem germânica e protestante, judeu-germânicas e irlandesas católicas que dominam o anel de poder das finanças globais cujo centro principal está nos EUA, Europa central germânica, Escandinavia e Inglaterra. Estas tecem redes de vassalagem entre si e com outros poderes regionais por meio das finanças, onde os Estados, bancos, e outras entidades ficam amarrados a elas, através das dívidas e empréstimos.

Este holograma de relacionamento ao ser tridimensional exprime melhor o poliédrico que o poder anglo-saxônico é, onde as diversas sensibilidades e mesmo interesses contraditórios agem num mesmo nível, tecendo com autonomia redes diversas, que finalmente, confluem em um mesmo sistema, governado pelo capital financeiro internacional.
O anel de poder energético que permite o controlo e coexão de todo o sistema é o da Dívida Permanente. Assim é como se efetuam realmente as relações de domínio e dominação. Dominador possuidor dos títulos de dívida, dominado, pagador eterno. A capacidade de respirar depende da abertura ou fechadura do anel mencionado. Uma vez entregado o Banco Central dum país ou região às mãos dos senhores das finanças – já toda a população dessa região fica refém da política a ditar pelos novos donos: os supostos representantes legais dos cidadãos (ainda eleitos por sufrágio universal) só podem gerir a aplicação dos ditados económicos, transmitidos por quem realmente possui o controlo da moeda. Grécia ao eleger Tsipras, dalgum modo, virou esta lógica.
Enquanto mais avançar pela supressão da moeda em papel e deixar mais quota de mercado para moeda virtual e o cartão eletrónico, menos possibilidade terá a cidadania de revoltar-se (pois com um simples apagado bancário uma pessoa fica núa).
Pôr em dúvida este esquema, que na realidade envolve a entrega de todo o património público ou coletivo ao senhores do anel – devagarinho, segundo as necessidades dadas, no tempo preciso – é pôr em risco todo o tecido sistémico. Isso mesmo foi, em alguma medida, que tentou fazer a Grécia: dentro do sistema, modificar o sistema (democratizar algo o sistema, repartir melhor o peso do sistema, dado o inferior da pirâmide já não aguentar seu peso).
Esta ousadia é tomada imediatamente como um ação de guerra. Resposta militar. Não devemos esquecer que o anel energético de poder tem a capacidade de derrubar, mediante a asfixia financeira qualquer território desobediente, com os mesmos efeitos nocivos que um exército invasor. Eis as primeiras manobras da armada financeira contra a Grécia:
Agências de Qualificação (braços ativos do poder financeiro global) Fitch e SP cortaram ratings dos principais bancos gregos. As Agências Moody´s e DBRS reduziram a classificação soberana da dívida grega. Banco Central Europeu cortou o crédito a Grécia, obrigando ao governo na pratica a realizar um “corralito” bancário. Meter medo foi a forma de alocução dos representantes da Europa, nas suas referencias a crise grega. Os meios de comunicação as ordens do grande capital financeiro debruçaram sobre o medo, a sua única esperança de reverter o “Nao” no passado referendo.
Em esta situação é pois de admirar a dignidade e valentia do executivo de Alexis Tsipras. Mas a batalha era muito complexa e Grécia sabia também ter suas cartas marcadas: sair do euro ia trazer muita inquietação, algo que não gostava sobre tudo a Washington. Quando a Europa insistia em apertar a gorja, a Tsipras só lhe restaria jogar a carta Russa. No nível geo-estratégico uma bomba: Putin poderia vingar-se do golpe realizado pelo Império Ocidental na Ucrânia. Mas não deixava de ser uma carta de muito risco, tendo em conta a posição privilegiada da Grécia no Mediterrâneo. China ofereceu a ajuda do BRICS ao país mas dias depois o próprio governo chinês teve de tomar medidas para modificar a queda brutal da bolsa Xangai por causa da bolha de activos que inchou o país. Brasil reiterou estar em favor da solução negociada dentro da União Europeia e a Índia nem se pronunciou...
Portanto, nesta conjuntura, Obama poderia pressionar para tirar no futuro parte da dívida à Grécia: algo simbólico. Nada que possa pôr em causa todo o edifício da austeridade que as próprias elites anglo-saxônicas impulsaram para evitar uma concorrência Euro–Dólar, como moedas de reserva internacional, em tempos de forte contração e surgimento de rivais monetários à nivel global como o Renminbi chinês.
O mais fatível seria negociar a queda de Tsipras mas por enquanto ele se mantém ao frente apesar do abandono do sector mais beligerante do seu partido. No entanto que ninguém tenha esperanças, mesmo se outros partidos da esquerda ganharem no sul da Europa. A situação dentro do Império Ocidental vai ser cada vez menos compatível com a democracia. Reformar a estrutura de poder ocidental, dentro ou fora do sistema, só parece possível com uma queda do plano global delineado pelo poder europeu.
A dia de hoje derrubar o poder das finanças na Europa significaria demolir o edifício europeu, algo só possível com a licença ou abandono da aliança com os EUA. Não parece viável. No entanto se é que der o caso, antes de construir um novo modelo, a Europa ficaria na ruína com a demolição do sistema bancário europeu que atingiria a todo o orbe.
E isso também comportaria a emanação dum poder alternativo chinês no nível Mundial e Russo, a nível Continental, de marcado controlo estatal sobre o cidadão que nada tem a ver com democracia. Em esse cenário a Europa seria um paria global que desenvolveria um papel similar ao que hoje ocupa a África mais pobre. Quer dizer, um período muito prolongado de queda sistémica, de transformação das antigas estruturas e relações de poder, de construção de novas alianças, incerteza e grandes dificuldades para além de trazer um imenso sofrimento às populações da Europa e passando-se da dependência dos EUA a outra.
Como bem sabemos ninguém quer esse cenário pelo que os devaneios de Tsipras com Putin não são mais que movimentos acertados para criar pressão na contra.
O caminho do meio terá de ser por força o guião deste novo filme, no que aparentemente Tsipras ceda em todo, para consumo da Alemanha, Espanha, Itália e Portugal, e Europa, no fundo permita uma reestruturação mais coerente da dívida grega com um inevitável perdão, total ou parcial, da dívida grega incluída. Com isto, Tsipras poderá ter mais margem de manobra para tentar elaborar um política que alivie na medida do possível, a entrega de todo o património do país aos banqueiros do Norte. Acordo único possível sem lume de arder, por enquanto.
Enquanto a ilusão de realizar desde Ocidente um revolução que ajude a evolução para um novo ser humano mais consciente, ecológico e justo, esqueçam amigos. Isso não poderá ser feito nem desde aqui nem desde Rússia ou China. Teremos que aguardar pacientes, no melhor dos casos, a que estes extremos cedam por desgaste mútuo, e aturarmos o seu cetro planetário.
Será pois o Hemisfério Sul, que hoje tanto desprezamos desde o Norte, aquele que possa realmente abrolhar uma nova Era para humanidade. E dentro deste hemisfério o continente mais preparado é, sem dúvida, a América do Sul cujo foco central é o Brasil, país irmão de língua, da língua mais falada em este hemisfério. Mas para isso paciência, muito terá ainda que mudar o mundo, muito terá ainda que mudar o Brasil e toda a América do Sul. Enquanto estes países mantenham seus bancos centrais, e seu poder energético em suas mãos estatais, todo será possível se continuam a realizar políticas de maior justiça social, modelos económicos que possam iniciar uma viragem real, no continente mais desigual do mundo.
Desde a Galiza, se formos mais estratégicos do que estamos sendo, gastaríamos menos recursos em alianças na Europa e faríamos melhor trabalho em alianças lusófonas e americanas para facilitarmos o desloque paulatino e pacífico desde o Atlântico Norte ao Atlântico Sul. Assim é que evitaríamos a verdadeira desgraça.
Não devemos esquecer que no trânsito de modelo político–económico, e de desloque hegemónico do Atlântico Norte ao Sul o tempo há de lhe dar à CPLP, muito protagonismo e terá muito a dizer e fazer. Os tempo são chegados, devagar. Desta vez aguardemos galegos e galegas saber criar os relacionamentos certos que devem sempre começar pela aliança cultural.


sábado, 25 de julho de 2015

Cerdedo: 80 anos triunfais



Por Calros Solla

Fotos tiradas dos blogues:
(O embigo do becho)
(Capitán Gosende) 

Abriu-se a veda do voto e, em Cerdedo, aqueles aos que lhes vai a vida nisto andam um bocado abelhoados. Há uns dias, porta a porta e com diligência, foram distribuídos os exemplares dum panfleto intitulado “2005-2015. 10 anos de governo”, outro alarde propagandístico que, encarregado pelos estrategas locais do partido da Gürtel, pagou-se, mádia leva!, com os dinheiros de todos. Com pólvora alheia qualquer faz festa.
É uma mágoa que tanto a primeira foto-novela (de 2014) como a segunda (mais carregada de bombo) não registem o nome do obradoiro de artes gráficas onde foram editadas, já que, em prol da transparência, muito conviria uma consulta para saber a quanto ascendeu a boda e a re-boda. Supõe-se que o custo há de figurar no livro de contas do Concelho (provavelmente, no apartado “Otros gastos”); infelizmente, em Cerdedo não há oposição que, embora seja por dignidade, bote as mãos á cabeça.
Bandeira de Cerdedo
Estamos às portas de que se cumpra o octogésimo aniversário do triunfo da direita em Cerdedo. O último alcaide de esquerdas, o socialista Luciano García Ventim, foi despossuído do seu cargo, perseguido, encarcerado, ultrajado e extorquido, após o golpe de Estado fascista de Julho de 1936. O seu sobrinho, Ramiro Lois Ventim, ao mesmo tempo do que outros quatros membros da mesma família, todos socialistas, foram fuzilados em dezembro do ano fatídico. Com uma moreia de mortos clamando justiça, a deriva ideológica do PSOE, aqui e acolá, é cousa inadmissível. A paróquia nacionalista também viveu épocas melhores.
Depois de anos de reiteradas e amplas maiorias, o Sogro, que foi um dos mandatários mais longevos do mundo mundial (1974-2004), despedia-se nos jornais afirmando com ufania que a sua melhor obra tinha sido a remodelação da Casa do Concelho.1 Tempo teve de reformar o castelo. Aplicando a consigna “Todo atado y bien atado”, aconteceu em Cerdedo o nepótico relevo no poder. Desde as municipais de 2007, o salão dos plenos, presidido pelo  Genro, vem sendo cenário de malheiras do tipo 10-0. Bem, sejamos justos, 10-1, pois, as boas tundas ainda são melhores se é que se adornam com o golo da honra. Contam os que o viram que é todo um espetáculo de ensaiada coreografia ver os dez bracinhos se erguerem ao uníssono.
Segundo o censo de população de 1940 (fonte: INE), o número de habitantes de Cerdedo ascendia a 5.211 (2.101 varões e 3.110 mulheres). Consoante o censo de população de 2014 (fonte: INE), a otimista cifra de cerdedenses chegava aos 1.860 (784 têm mais de 64 anos de idade (fonte: IGE)). A aplicação, durante décadas, da mesma política (“piche e pontos de luz”), auspiciada por uma intrincada aranheira de clientes, deu como resultado uma catástrofe demográfica explicitada na perda de 3.351 habitantes. Não se deixem enganar, Cerdedo não é um concelho pequeno, é um concelho despovoado.
Suspeita-se que nas próximas eleições, o panorama seja suscetível de piorar, porque, ao parecer, não há em Cerdedo quem dê um passo à frente e ofereça uma alternativa (por não haver, não há nem quem ouse erguer a voz). Outra impúdica goleada, e semanas atrás, dias ao cabo.
Ora bem, com todo o peixe vendido, como se explica a onerosa necessidade de auto-afirmação mostrada pela autoridade na sua arroutada editorial?
Capitão Gosende
A nova entrega da série “Vida e milagres” semelha um álbum Panini de 86 páginas a toda cor (e mais capa e contra-capa). Escusam andar na procura dos cromos ou perder o tempo em trocar os repetidos, porque a coleção já vem completa. Ainda assim, melhor seria que o caderno fosse mudo, porque, no tocante ao estilo (ressesso) e à ortografia (deficiente), o autor é digno candidato, já não à convocatória de maio, mas à de setembro. Mais de 100 erros ortográficos em 5 páginas de texto!!!
Na página 2, a duas colunas, começa o que, comummente, se denomina “Saudação”. Comove-nos o excesso de sentimentalismo dos primeiros parágrafos, confesso-lhes que a mim também se me humedeceram os olhos; mas, cumpre ler entre linhas. Quando a autoridade diz, de maneira redundante: “Lembro-me claramente do apoio de cada um dos vizinhos que naquele dia quisestes mostrar-me o vosso apoio...”, quer dizer, como se comprovará, que também se lembra de cada um dos vizinhos que não lhe manifestaram obediência.
Chegados ao final da página 3, se lhes solicitasse aos meus alunos de literatura que escrevessem o tema do relato, dar-se-iam conta em verdade, por “Excusatio non petita, accusatio manifesta”.
Painel indicativo  vandalizado na aldeia de Pedre, recuperada pelo Capitão Gonsende. Quem o vandalizou?
Concordo plenamente com o expressado pela autoridade no começo da página 4: 

“Também não podemos obviar que estes últimos anos, tocou-nos viver a que está considerada como a maior crise da democracia deste país”. Pode-se dizer mais alto, mas não mais claro: os anos de governo do todo-poderoso partido da Gürtel minaram de tal maneira os fundamentos democráticos que, após a pérfida reforma laboral, a sectária reforma educativa, a privatização da sanidade, o desmantelamento dos serviços sociais, a lei "mordaça" a vaga de corrução e latrocínio, um já não sabe se mora num país do primeiro mundo ou numa república bananeira (talvez, eucalipteira). Desconheço as consequências que, para as aspirações políticas da autoridade cerdedense, possa ocasionar este lapso de sinceridade subversiva.
No que diz respeita á estrita austeridade imposta desde fora, à vista das publicações que pagamos todos para enaltecimento da sua majestade, desseguida se conclui que sempre há dinheiro para o que convém.
Muito se lamenta a autoridade da desaparecida “comedela do javali”, esquecendo a pioneira “Festa da Vincha”, louvável iniciativa vizinhar, que foi raposeiramente asfixiada porque não lhe produzia rendimentos eleitorais. Se a tolerância fosse uma das suas virtudes, a Festa da Vincha, celebraria este ano a sua XV edição. A ajuda económica que recebia do Concelho (quando a recebia) era duns 600 euros, ridícula, se a comparamos com os 70.000 euros destinados a financiar cada lupanda do porco bravo. Ambas as duas, ao seu jeito, ajudavam a situar este canto da Terra de Montes. A Festa do Javali, a maiores, solicitava o voto a câmbio dum prato de comida.
Os Gosende trabalharam na recuperação de Vichocuntim por desleixo do Concelho.
Respeito dos agradecimentos pelos conselhos e pela crítica construtiva, não há de que.
O 2015 é ano profusamente eleitoreiro, portanto, faríamos bem em blindar-nos da legião de "falabaratos" que, sem deixarem de olhar-se para o umbigo, porão a prova a nossa paciência, prometendo como nunca para deixar de cumprir como sempre. Assistimos espantados à macabra constatação da sistémica corrução institucional. Dói presenciar a impunidade com a que manobram as redes gangsterís vinculadas às maiorias absolutas. Pouca justiça se pode aguardar dum dinamitado Estado de Direito. Urge regeneração, mas, quem lhe vai pór o ajôujere ao gato?
Neste tempo de justificada indignação social, os servidores públicos, os que sustemos economicamente (a alguns por cima das suas possibilidades2) para que giram assisadamente o que é de todos, deveram reger-se pelo comedimento e a humildade; deveram deixar de dar tantos conselhos e escutarem, de quando em quando, algum.
A situação terminal de Cerdedo é muito similar à relatada na lenda “A cidade submersa”, recolhida por Leandro Carré Alvarellos (As lendas galegas tradizonaes, 1969). No relato, a Virgem vagabunda pergunta-lhe a uma paisana pela decadência moral na que se some a cidade de Béria. A mulher responde-lhe: "Porque ninguém quer se pôr a mal com os que regem e mandam na vila; e uns porque se enriquecem, e outros porque vivem alegremente sem grandes trabalhos, vão-se deixando ir. E os pobres ainda menos, que nada podemos fazer contra os mais podentes... E todos os bons vão-se indo para outras terras; e assim a perdição é maior a cada día. Após escutar as explicações da velha, a Virgem toma a decisão de assolagar a cidade de Béria. Aguardemos que a Nossa Senhora de Fenosa não se lhe dê por recuar na ideia de alagar a valinha.
A tropa do Capitão Gosende
E passando nas folhas do catálogo hagiográfico, atingimos a pagina 6, remate duma longa introdução enchoupada de recorrente auto-bombo. O melhor aguardava por nós ao final, já que o panegírico deriva em libelo.
Reitero o dito, os políticos deveram fazer mais e falar menos (e escrever, a ser possível, nada). No penúltimo parágrafo, antecedendo os agradecimentos e os abraços, fruto duma inopinada transformação jekyllhydeana (desculpem o palavrão), aquela “boa pessoa”, aquele “homem responsável", aquele que pedia “mil desculpas” e que fazia “propósito cada dia para não cometer erros nem causar-lhe prejuízo a ninguém”, atacam descontroladamente contra os vizinhos que, segundo a sua opinião, “põem paus nas rodas da evolução”, qualificando-os, aliás, de “irrelevantes”, “insolidários”, “apenas dous ou três", e "Quase sempre os mesmos”, “gente que nem sequer está censada em Cerdedo”. Vindo dum alcaide, que aspira a seguir exercendo e cuja obriga é garantir a convivência, esta grosseria é absolutamente intolerável e a vontade de publicá-lo, duma infantil irresponsabilidade.
Quem é o Capitão Gosende?
Lembro-lhe á autoridade que, ainda que o incomode, seguimos vivendo em democracia e que, apesar os recortes consumados pelo seu partido, segue amparando-nos a liberdade de expressão. É evidente que a autoridade digere mal a crítica e esta doença é consequência da falta de oposição. Vc. está habituado a fazer o que lhe peta, sem atrancos, animado por uma legião de interessados aduladores. Administrar a divergência e o descontento também vai no salário. Quando se governa com mão de ferro, fazer boa política é assunto desprezível. Semear discórdia não está entre as suas competências.
Invista toda a sua energia em tirar Cerdedo do buraco no que o meteu e agradeça que haja alguém que, rara vez, lhe ponha os pés na terra. A grandeza do bom governante reside na prudência, na capacidade de consenso e em aceitar como positivo que não todo o mundo tenha por costume ou necessidade fazer-lhe as beiras.
Age Vc. enroupado por uma maioria absoluta que, se ninguém o remedia, vai revalidar nas próximas eleições; que mais é o que quer Vc.?, quebrar um recorde de permanência? Mau é não saber perder e péssimo é não saber ganhar. É consciente a autoridade de que os vizinhos, assinalados como turbulentos e proscritos, ajudam a pagar-lhe o seu salário e, aliás, queiram ou não, o seu leque eleitoral? Perante todo, não percamos a calma.
Gaba-seVc. na imprensa ponte-vedresa das pelejas que há em Cerdedo porfigurar na listagem eleitoral do partido da Gürtel. Se assim fosse, todos, sem escrúpulos, a cavalo ganhador. Mas, de aqui a pouco, como não faça por estimular a demografia, a restra dos seus candidatos e o padrão municipal hão ser a mesma cousa. Por enquanto, Cerdedo perde dous concelheiros.
Acredite quando lhe digo que, por saúde democrática, a existência do contraponto, do debate, da confrontação de ideias é imprescindível para o progresso dos povos. Portanto, evite vangloriar-se de que não tem rivais e lamente-se de governar em solidão. Não há nada mais perigoso do que o auto-deificação e Vc. já manifesta algum sintoma.
Os gosende limpando o Cruzeiro do Pego
Longe fica aquela aspiração de converter Cerdedo num Concelho-dormitório, o paraíso da segunda vivenda. Algo tem este território que afugente à gente de fora e também a de dentro. Não havendo solução, conformemo-nos portanto com a figura, meritória ou merecida, de Concelho-tanatório. Morrer há que morrer.
Retorno à sua excessiva falta de modéstia e resumo, finalmente, o balanço da sua década prodigiosa: 20 páginas de piche, 5 de concreto, 3 páginas de pontos de luz, 37 fontes, 17 lavadoiros e um lote de churrasqueiras. Sabendo que o uso da lavadora elétrica se popularizou nos anos 60, sabendo que a água da torneira é também uma conquista do passado, sabendo que a vaca se considera, em Cerdedo, fauna em extinção, sabendo que não há nem gente, nem humor, nem dinheiro, nem licença para a queima, para fazer grelhadas, os seus investimentos são, pelo menos, anacrónicos e reiteradamente inadequados. Assim mesmo, as comunidades de montes deveriam reflexionar sobre a pertinência das obras que se executam com o seu dinheiro.
A comissaria de Política Regional da União Europeia e a secretaria de Estado de Orçamentos e Despesas (a sua correlegionária) exigem “Menos concreto e mais conhecimento”; em Cerdedo, malham em ferro frio.
Calros Solla na entrada da Cova do Dragão no Pico Sacro.
Do embuste do Sangal já falei avondo. Onde estão os postos de trabalho? Onde está a parcela de monte comunal? No que diz respeito da Escola Infantil e os parques de randeeiras, é triste realidade que em Cerdedo só apareçam censados 32 nenos menores de 10 anos (fonte: IGE). Segundo vamos comprovando, a redação do catálogo dos bens culturais do recentemente aprovado PGOM (que demorou uma década) não parece feita por humanos. Na seleção dos “Ecos da imprensa” aplicou-se a censura. No capítulo “Promessas”, salientamos mais piche e, entre outras arrogâncias, a da “área recreativa” que, em ausência de projeto, anuncia-se recorrendo aos equipamentos de não sabemos onde. O papel tem conta do que lhe põem.
O Concelho de Cerdedo arrasta um problema que requer urgente solução: a perda de população (a força vital, a razão da sua existência). Chateia-nos comprovar como, alheia à realidade, a gestão municipal, muito virada para a megalomania, ofusca-se no alargamento das estradas (subutilizadas), na construção de largos, rotundas, viadutos, desvios... A burro morto cevada ao rabo. A campanha informativa “Mais em Cerdedo” de fomento do empadroamento é, evidentemente, ineficaz, porque não persegue os fins que enuncia, mas manter o status duma autoridade que não predica com o exemplo.
Ninguém lhe discute o apoio popular, e também não vamos negar o mérito de levar colado na á poltrona dez anos. A maioria é capaz de vislumbrar os seus méritos, seja como for, todos concordamos em que o nível herdado estava a rente do chão.
Calros Solla lendo o Alva de Glória de Castelão no Pico Sacro o passado 24 de Julho
No campo do Turismo, muito nos alegramos de que finalmente, tomasse consciência, no entanto, para implantar em Cerdedo um modelo de exploração turística sustentável, não chega com manter limpos os caminhos. O plano exige salvaguardar a integridade dos nossos valores paisagísticos e patrimoniais (lembre o ímpeto carvalhicida, não esqueça o AVE que nos vem acima), encher de conteúdo os roteiros de caminhada e dignificar todo aquilo que desejamos mostrar aos nossos visitantes.
Infelizmente, não somos um prodígio de hospitalidade. As aldeias esmorecem sem “horizontes”. Pedre é uma sombra do que foi. A Eira da Pena dá, literalmente, pena. As nossas florestas são couto florestal da Celulose. Os nossos rios, tragadeira das hidroeléctricas. O Museu da Pedra pouco mais tem do que a sua ambiciosa denominação. Como é possível que não se apresentasse qualquer alegação á desfeita que a linha do TAV vai causar na Freguesia de Pedre? É o primeiro caso de abuso institucional no que os vizinhos afectados respondem com o silêncio. Por algo será. Desde o Concelho concede-se-lhe mais relevância a um “passeio bio-saudável” do que ao bem-estar do povo e á integridade das aldeias.
Apresentação do livro de Calros Solla "A Conxura dos Gosende".
Conseguir que Cerdedo se converta em destino turístico implica discernir a nossa singularidade, criar uma mínima infraestrutura, dotar-se duma equipa humana solvente e implicar os vizinhos, fundamentalmente, a hotelaria local (em franca decadência). Devemos, o antes possível, limparmos o vitupério de que em Cerdedo “nada vai adiante” (serve-nos de exemplo a arruinada escola de parapente). Por outra parte, constatada a sua habilidade negociadora, um plano de industrialização que, verdadeiramente, achegue prosperidade e postos de trabalho, vai continuar sendo uma quimera.
O coletivo Capitão Gosende leva anos trabalhando a prol da investigação e promoção cultural de Cerdedo e, sendo conscientes das muitas limitações, demonstrou que o sistema funciona. Os frutos da experiência oferecem-se debalde para quem os queira pôr em prática. Lembro-lhe, com orgulho, uma pequena mostra do labor realizado: mais de 2.600 pessoas guiadas pelo monte do Seixo, a Montanha Mágica, e perto de 600 pelo “Pedre milenário”. Estas actividades, desenvolvidas com humildade e sem ânimo de lucro, deixaram riqueza em Cerdedo.
O espaço arqueomítico do Seixo, convertido com esforço e graças á Internet num referente, segue sendo para Vc. um interessado e patético parque eólico. A montanha do Seixo abrange cinco concelhos (clônicos), contudo, Capitão Gosende sempre fez por priorizar os interesses de Cerdedo.
No que diz respeito das descobertas, sumamos 10 gravados rupestres e a localização de sete depósitos castrejos em Cerdedo. Muito mais não se lhe pode pedir a um entusiasta voluntariado. Esta “pandillita” faz honra da sua independência. Poder-se-á conseguir mais ou menos objetivos, mas, pelo menos, nós não chuchamos da teta do erário. Pela contra, a sua Concelhalia de Cultura, valendo-se dum mausoléu subutilizado, não programa outra cousa do que cultura enlatada.
A ponte do Santo António data de época medieval, quer dizer, um bocado anterior da sua chegada ao poder. Os recursos naturais e paisagísticos, dos que tanto se vangloria (e ao mesmo tempo desvirtua), antes de figurar no seu programa, já constavam no primeiro livro da Bíblia.
Em conclusión (2005-2015): 10 anos máis, uns 500 cerdedenses menos.
1 La Voz de Galicia, 18-9-2004.
2 En Cerdedo: soldo, dietas e gastos de representación, uns 60.000 euros anuais (Faro de Vigo, 25-4-2015).
3 Faro de Vigo, 30-1-2014.
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