terça-feira, 14 de março de 2017

Galiza, uma "Nacionalidade Histórica" que Madrid deconstrói




Por José Manuel Barbosa
Em 1916 nascem as Irmandades da Fala, primeira organização político-cultural da Galiza que definem e reconhecem o País como Nação e como “Célula de Universalidade”. Posteriormente o movimento galeguista com o seu árduo labor político e cultural conseguem para a Galiza o reconhecimento pela Sociedade de Nações, antecessora da ONU, da sua condição de Nação em 16-18 de setembro de 1933 em Berna. O político galego Plácido Castro achegou informação e documentação ao Congresso de Nacionalidades Europeias para que este organismo dependente da SdN considerasse a existência duma Nação no noroeste da península Ibérica manifestada num vida coletiva com umas caraterísticas distintivas e originais que a identificam historicamente e no presente como tal. O CNE reconheceu e determinou seguindo a legislação que adequação a direito era plena o que manifestava o direito a uma administração nacional própria e ao seu livre desenvolvimento como Nação com direito a ser assim reconhecida internacionalmente. Foi com isso que a Galiza é reconhecida legalmente como Nacionalidade em épocas contemporâneas por uma organização de reconhecido prestígio e autoridade internacional com o direito a dispor da sua vida e do seu futuro.
Irmandades da Fala
Poucos anos depois, em 1936, a Galiza vota por maioria de 99’24% de votos afirmativos contra o 0’76% de votos negativos e um 0’98 de votos nulos o seu primeiro Estatuto de Autonomia após ser-lhe negada a sua condição de Reino em 1833. O total de galegos com direito a voto em junho de 1936 foi de 1.343.135 dos quais votaram 1.000.963 e um total de 993.351 manifestaram a sua vontade de auto-governo materializado por meio dum Estatuto com competências em matérias legislativas, judiciárias, económicas com uma fazenda própria com capacidade impositiva e para arrecadar tributos, reconhecimento do seu direito histórico e dum governo com capacidade executiva. Infelizmente um mês depois, o golpe de Estado do General Franco aborta toda tentativa autonomista e de reconhecimento dum auto-governo para a Galiza. Esta “Longa Noite de Pedra” em palavras do poeta Celso Emílio Ferreiro dura até 1975, ano em que morre o ditador e se começa novamente a elaboração dum novo Estatuto. O segundo. Este foi elaborado e votado em dezembro de 1980 entrando em vigor em abril de 1981.
Plácido Castro
No segundo Estatuto acrescentam-se as competências reconhecidas em 1936 para além de lhe serem reconhecida a condição de Nacionalidade no seu artigo primeiro:
ARTIGO 1
  1. Galiza, nacionalidade histórica, constitui-se em Comunidade Autónoma para aceder ao seu autogoverno, de conformidade coa Constituição Espanhola e com o presente Estatuto, que é a sua norma institucional básica.
Isto posiciona à Galiza num contexto ótimo para ser reconhecida internacionalmente com todas as dignidades. Se a isto acrescentamos que o Reino da Espanha está incluído dentro do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos os quais fazem parte do Sistema dos Direitos Humanos da atual Organização das Nações Unidas (ONU) no qual se reconhece no seu artigo primeiro o seguinte:
PRIMEIRA PARTE
Artigo 1.º
1. Todos os povos têm o direito a dispor deles mesmos. Em virtude deste direito, ELES DETERMINAM LIVREMENTE O SEU ESTATUTO POLÍTICO E DEDICAM-SE LIVREMENTE AO SEU DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO, SOCIAL E CULTURAL.
2. Para atingir os seus fins, todos os povos podem dispor livremente das suas riquezas e dos seus recursos naturais, sem prejuízo de quaisquer obrigações que decorrem da cooperação económica internacional, fundada sobre o princípio do interesse mútuo e do direito internacional. Em nenhum caso pode um povo ser privado dos seus meios de subsistência.
3. Os Estados Partes no presente Pacto, incluindo aqueles que têm a responsabilidade de administrar territórios não autónomos e territórios sob tutela, são chamados a promover a realização do direito dos povos a disporem de si mesmos e a respeitar esse direito, conforme às disposições da Carta das Nações Unidas.
Igualmente no Pacto internacional de Direitos económicos, sociais e culturais aprovados pela Assembleia Geral da ONU em 1966 no seu artigo 1.1 diz (1):
Artigo 1.1
PARTE I
Artigo 1º
§ 1. Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento económico, social e cultural
Igualmente no seu artigo 3º diz:
§3. Os Estados Membros no presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autónomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas.
Delegação galega que em 1933 conseguiu para a Galiza o reconhecimento como Nacionalidade pela Sociedade das Nações
Por outra parte a Constituição espanhola no seu Capítulo II: Sobre os tratados Internacionais diz (2):

CAPÍTULO III. DE LOS TRATADOS INTERNACIONALES.

Artículo 93.
Mediante Ley orgánica se podrá autorizar la celebración de Tratados por los que se atribuya a una organización o institución internacional el ejercicio de competencias derivadas de la Constitución. Corresponde a las Cortes Generales o al Gobierno, según los casos, la garantía del cumplimiento de estos Tratados y de las resoluciones emanadas de los organismos internacionales o supranacionales titulares de la cesión.
Artículo 94.
1. La prestación del consentimiento del Estado para obligarse por medio de Tratados o convenios requerirá la previa autorización de las Cortes Generales, en los siguientes casos:
a. Tratados de carácter político.
b.Tratados o convenios de carácter militar.
c.Tratados o convenios que afecten a la integridad territorial del Estado o a los derechos y deberes fundamentales establecidos en el Titulo primero.
d.Tratados o convenios que impliquen obligaciones financieras para la Hacienda Pública.
e.Tratados o convenios que supongan modificación o derogación de alguna Ley o exijan medidas legislativas para su ejecución.
2. El Congreso y el Senado serán inmediatamente informados de la conclusión de los restantes Tratados o convenios.
Artículo 96.1. Los tratados internacionales válidamente celebrados, una vez publicados oficialmente en España, FORMARÁN PARTE DEL ORDENAMIENTO INTERNO. SUS DISPOSICIONES SÓLO PODRÁN SER DEROGADAS, MODIFICADAS O SUSPENDIDAS EN LA FORMA PREVISTA EN LOS PROPRIOS TRATADOS O DE ACUERDO CON LAS NORMAS GENERALES DEL DERECHO INTERNACIONAL.
2. Para la denuncia de los tratados y convenios internacionales se utilizará el mismo procedimiento previsto para su aprobación en el artículo 94.
Documento administrativo da Sociedade das Naçoes pelo qual se reconhece a condiçao de Nacionalidade para a Galiza
Conclusão:
1- A Espanha está na ONU e aceita o ordenamento jurídico internacional.
2- A Espanha assinou o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos incluído dentro do Sistema dos Direitos Humanos da ONU. A Espanha assinou igualmente o Pacto internacional de Direitos económicos, sociais e culturais. Ambos tratados entraram em vigor em 19 de Dezembro de 1966.
3- A Constituição espanhola garante que a legislação internacional, nomeadamente a emanada da ONU à qual pertence de pleno direito, faz parte do seu ordenamento jurídico e portanto RECONHECE INDIRETAMENTE no seu artigo 96 o direito de AUTODETERMINAÇÃO dos povos ao serem estes tratados anteriormente citados (Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e Pacto internacional de Direitos económicos, sociais e culturais) parte da legislação internacional à qual se vincula o Reino da Espanha, só podendo renunciar a ela derrogando-a, modificando-a ou suspendendo-a nas formas previstas pelos próprios tratados ou de acordo com as normas internacionais.
4- Se a Galiza (ou quaisquer outros territórios do Reino da Espanha) optar por exercer o seu direito de autodeterminação estaria de acordo com a legislação internacional que a Espanha aceita. Se o Estado ao que à Galiza pertence optasse por impedir, limitar ou obstaculizar esse direito, seria o Reino da Espanha o que estaria fazendo incumprimento a sua própria legislação e a legislação internacional dentro da qual se incluiu voluntariamente quando aceitou e assinou toda a legalidade emanada da ONU à qual pertence desde.
5- Se quaisquer outro Estado manifestar o seu apoio ao proceder do Reino da Espanha no que diz respeito a este assunto, estaria igualmente contrariando à legalidade internacional, sobre tudo se este Estado tiver assinado igualmente os mesmos tratados dos que falamos


















Galiza e Portugal: Cabeça e coração dum ser único




 Por José Manuel Barbosa

A definição de Nação tem dado muitas páginas nos livros de teoria política e mesmo nos livros de antropologia. É por isso por que há duas formas de perceber a ideia de Nação: a política que nos descobre um conceito de Nação próximo a ideia de Estado, daí a noção de Estado-Nação e vinculada à vontade; e a cultural, que nos leva a Nação constituída por um conjunto de pessoas com uma língua, uma tradição, uns usos culturais e hábitos psicológicos comuns, uns costumes manifestados na forma de perceber a vida tanto no laboral como no festivo, nas crenças ou na herança e numa história que une aos seus nacionais num determinado território reconhecido como próprio. Estas duas formas de perceber o que é uma Nação podemos identificá-las como da escola francesa, a primeira, e a escola alemã a segunda. Na primeira é a vontade dos indivíduos de construir a Nação que se comprometem numas instituições comuns que regulam a sua convivência. Esta vontade surge da sua livre eleição à hora de se constituírem ou bem pela sua separação duma entidade estatal já existente enquanto a segunda é o conceito de Nação objetiva baseada numa realidade viva localizada acima dos indivíduos e das vontades cuja identidade está sustentada em traços externos herdados duns antepassados comuns. Dessa realidade não é possível evadir-se por meio da vontade.
Se tomamos a primeira como referência, diremos que Portugal é uma Nação porque a vontade fez que fosse independente da Galiza medieval, porque os portugueses assim o quiseram durante mais de oitocentos anos desde a sua independência levada a cabo por Afonso Henriques. Da mesma maneira, a Galiza faria parte duma entidade político-administrativa superior denominada Reino da Espanha e à qual adere por inércia histórica. 
Mas se tivermos em conta o segundo conceito, a Galiza e Portugal fariam parte duma mesma Nação segundo os critérios de Fichte. Segundo eles tanto galegos como portugueses participam de uma série de elementos identitários comuns que os unem por cima de quaisquer diferenças políticas ou individuais. Podemos dar-lhe um repasse:

  • A Língua

A identidade da língua, considerada como uma única língua comum a galegos e portugueses pode vir identificada tanto do ponto de vista estritamente linguística como do ponto de vista político.
Se for a linguística a que determinasse a unidade da língua não teríamos ninguém que acreditasse na existência de duas línguas no ocidente peninsular ibérica. Tudo o que for identificado como diferença seria localizado como uma variação dialetal e/ou regional. Galegos e portugueses temos uma mesma língua sem qualquer dúvida e não há cientista que tenha a categoria para o negar. Rodrigues Lapa, Eugen Coseriu, Carolina Michäelis de Vasconcelos, Joan Coromines e todos os grandes vultos da filologia e da linguística reconheceram a realidade duma e única língua galega em origem e mas conhecida internacionalmente com o nome de português.

Há quem pense que nas últimas décadas a vontade dos galegos e das suas instituições é a de reconhecer a sua variante como uma língua “irmá pero diferente” da portuguesa mas essa vontade surge da necessidade de Madrid de desidentificar e separar ambas as variantes para favorecer a assimilação do chamado galego dentro do castelhano como um patois ou crioulo que pela sua debilidade e falta de prestígio não possa concorrer com a língua de imposição. E como já vimos que a vontade não é uma forma de conceber a Nação cultural mas o Estado-Nação, não devemos considerá-la. Ainda assim é de reconhecer que mesmo alguns dos personagens políticos mais importantes da separação linguística galego-portuguesa como o próprio Manuel Fraga Iribarne, Presidente da Galiza entre 1990 e 2005 reconheciam e falavam duma língua comum:

É um encontro a que nos chama a pertença geográfica a um mesmo espaço físico, a herança cultural de uma língua comum e um património cultural multissecular,….” (Fraga Iribarne: 1991)

A pesar disto ser assim, o velho político franquista dizia o mesmo pelas mesmas épocas mas para um público diferente:

É un encontro a que nos chama a pertenza xeográfica a un mesmo espazo físico, a herdanza cultural de línguas com raices comuns e un património cultural multisecular,...” (Fraga Iribarne: 1992)

A dia de hoje, o próprio e atual Presidente da “Xunta de Galicia” Alberto Nuñez Feijóo/Alberte Nunes Feijó manifesta o mesmo critério de unidade linguística galego-portuguesa nas Tv espanholas uma vez o movimento reintegracionista tem a suficiente força social como para pôr as cousas no seu lugar (1)

  • Hábitos psicológicos e forma de perceber a vida
Quando de um galego se diz que numa escada não se sabe se é que sobe ou é que baixa, é um castelhano que o diz. Um galego sempre sabe se sobre ou se baixa mas um castelhano desde fora nunca é que o sabe. Isto não tem maior transcendência se não fosse que a indefinição é um elemento identificativo de galegos mas também de portugueses; a ambiguidade, a diplomacia, a forma de dizer as cousas indiretas, as meias verdades, a “retranca”, esse humor no que nunca se diz o que se quer destacar mas que sempre fica evidente para as mentes inteligentes nada abundantes no centro peninsular…
É aquela história na que uma pessoa lhe faz uma pergunta comprometida ao galego e este responde:

Por uma parte, tu já vês, por outra….que queres que che diga mas o certo é que… quem sabe?”

Falamos igualmente do acordo e do trasacordo, essas variações de rumo que aplicamos quando a necessidade o requer perante uma decisão que temos de tomar mas que não temos toda a segurança. É o um “se por acaso...”, “Se calhar...”, “Nunca se sabe...”. Os nossos refrões fazem-nos visualizar essa caraterística psicológica:

Deus é bom e o demo não é mau”
Porque a Deus apreces, o demo não desprezes”

Mas sobre todos os elementos do nosso caráter comum está a saudade, cantada por poetas e descrita por filósofos. É uma forma de perceber a vida galega e portuguesa por excelência mas que inclui uma visão da vida romântica, lírica, poética e profundamente artística. Por isso é que a poesia lírica medieval faz parte da nossa identidade mais profunda.

  • As crenças, as tradições, usos culturais e costumes
Com certeza que se falo da submissão ao sobrenatural, à religiosidade profunda manifestada num conceito do transcendente que ultrapassa os sentidos e a razão, estou a falar da forma de ser dos portugueses. Mas também falo dos galegos que na sua festa da sua virgem, da sua santa ou santo, da sua romaria ao seu santuário, da festa da sua aldeia na que celebramos que esta divindade pré-cristão transformada em tal ou qual virgem nos faz comer a todos em família ou em comunidade. É a comida na que há que comer basicamente porco ou vitela como forma de manifestar a alegria comum.

Em Castela e em Andaluzia têm por costume beber vinho e bailar mas não não bebemos nem bailamos enquanto não tenhamos a barriga cheia. Só isso, prémio ao nosso trabalho do dia-a-dia, é o que nos põe contentes perante os demais: comer, e comer comida forte, hipo-calórica, poderosa, que mantém corpos que devem ser fortes porque historicamente é a terra a quem lhe devemos o esforço para que ela nos dê frutos. Para além disso, as filhós, as rabanadas ou torradas, os roscões ou pães de ló, as sopas de cavalo cansado, os cozidos, o polvo, o caldo, todo tipo de enchidos, presuntos, broas, pães de centeio, papas, etc…são as formas dos nossos alimentos que reconhecemos em ambas as beiras da raia…

Por outra parte, a cultura histórica também vincula com as crenças de galegos e portugueses de hoje. Somos a terra do granito que suportou antas, mamoas, pedras escritas, montes sagrados onde habitam ainda hoje as divindades esquecidas que um dia estavam nas nossas vidas e hoje dormem até que decidam acordar. Mouros, princesas com pés de cabra, cobras que acabam sendo princesas, seres feéricos de todo tipo e tamanho, seres mitológicos que vivem nos contos infantis mas também nas nossas vidas quotidianas, o não varrer para fora, o arco-íris que é o arco-da-velha porque a velha é a Terra que nos deu vida e é a matriz de todo, as nossas festas que cobrem todo o panorama festivo céltico: Magusto/Samhain, festa dos mortos onde estes vêm comer à nossas mesas, Ciclo de Natal/Solstício de inverno, quando celebramos o nascimento da luz; Carnaval e Candelária/Imbolc quando casam os passarinhos mas também crítica ao poder; Máias ou Máios/Beltaine quando com lume queimamos o boneco verde e chega o verão; São João/Solstício de verão quando celebramos o triunfo da luz por meio do fogo purificador…..
As bruxas e meigas, o Além, a morte, os que veem o futuro, Todo isso e muito mais somos os galegos e os portugueses e não nos reconhecemos como unidade porque desde há bem poucos anos o direito ao ensino faz que sejam os Estados-Nação os que transmitam a cultura e a educação mas essa não é natural mas artificial qual comida de lata ou hambúrguer de McDonals. Esse direito não é o mau, que é um direito, mas é o Estado que desrespeita os povos e as suas raízes o que não é o adequado para nos transmitir os conhecimentos do passado. Aos galegos dizem-nos que somos espanhóis que traduzido à linguagem madrilena é como dizer que somos castelhanos e portanto temos uma visão distorcida de nós próprios; aos portugueses diz-se que os galegos são mais uns espanhóis que falam castelhano e portanto uns maus irmãos não escolhidos mas não uns amigos que podemos escolher…. A distorção acrescenta-se aos olhos dos outros nós-próprios. E por isso chegamos à conclusão de que já não somos o mesmo povo, mas dous povos de costas viradas cujos problemas não devemos nem queremos partilhar.
  • Um território comum
Sobre o espaço comum que partilhamos sabemos que a nossa cultura nasceu no País do granito, nas terras rochosas do noroeste, terras verdes de prados e florestas onde o chamado Maciço Galaico-Duriense se apresenta como uma continuação do Cordal Cantábrico. É na Serra do Aire onde estas terras célticas deixas lugar às terras do sul estremenho, alentejano e algarvio que por tradição humana está mais vinculada ao mundo sulista do que ao mundo galaico nortenho mas que a história quis que se cristianizassem e se galaiquizassem. É o Portugal sulista que embora conservar um ar e uma tradição meridional e andaluzi o seu espírito é plenamente português. Mas isto é uma visão que temos de hoje porque em épocas anteriores ao Islão peninsular essas terras eram as que viram nascer o Vaso Campaniforme, o que viu nascer o megalitismo que tanta identidade nos dá aos galegos. Foram aliás, as terras da expansão sueva cujo Reino foi conhecido e reconhecido como o primeiro “Gallaeciense Regnum”. Todo isto conforma essa faixa marítima ocidental que vai dar a esse mar imenso e promissor chamado Atlântico, o Mar da Atlântida, o qual lhe deu viabilidade a Portugal como Nação e ajudou na expansão da nossa língua e da nossa cultura. Castelão, o nosso grande Daniel Castelão, disse uma vez no seu Sempre em Galiza, que Portugal encheu o mundo de nomes galegos… e assim foi, com certeza, ou pelo menos assim o vemos muitos galegos. E é esse mar o que dá tamanho de País grande a Portugal cujo espaço terrestre é um, mas o seu espaço marítimo sempre foi muito mais.

À Galiza esse mar também lhe deu expansão mas não territorial embora sim económica. É o mar das nossas riquezas e das nossas belezas, de ondas selvagens e de profundezas misteriosas que converteu à Galiza quando aqui se podia pescar, na terceira grande potência pesqueira do mundo. É o mar da Galiza marinheira, tão importante para a nossa realidade identitária como pode ser para Portugal.
  • Uma História comum
Neste tema já há pouca discrepância. Desde que os galaicos entram na História, os portugueses entram como galaicos num princípio, embora os lusitanos existam como uma prolongação dos primeiros ou vice-versa. Se considerarmos que o Portugal de hoje é um Estado galaico, e não lusitano por ter sido do norte galaico donde partiu a origem do país, a língua, a estrutura e organização territorial, a legalidade e todo o demais, teremos que partilhamos historicamente tudo: a Kalláikia céltica, a Gallaecia pré-romana, o Reino da Galiza medieval mal identificado e mal chamado de Reino de Astúrias, a continuação do Reino da Galiza também mal identificado e mal chamado de Reino de Leão… tudo, até que nasceu o conceito de Nação que se diz defendeu o nacionalismo francês e também Giuseppe Mazzini mas que já no século XII Afonso Henriques se viu na obriga de exercer para defender o seu direito a governar o seu novo Reino, assim reconhecido pelo Papa. Nasceu Portugal dum retalho da Galiza e nasceu como um ato de vontade política mas não como uma diferenciação étnica. Tal é assim que Agostinho da Silva, ideólogo da Lusofonia disse que “os portugueses são uns galegos aperfeiçoados”. Se é assim é que os galegos somos uns portugueses distorcidos por Castela mas não deixamos de ser mais uns portugueses descarrilados que precisamos nos encontrarmos com o resto da nossa gente para nos vermos onde devemos estar: juntos.


Poderíamos continuar narrando e debulhando esta nossa realidade comum, mas veja o leitor que se fizermos pormenorizadamente este trabalho de identificação galaico-portuguesa não chegaria um simples artigo para falarmos do tema. Um livro completo falando de cada um dos pormenores aqui narrados seria muito interessante e muito laborioso mas completamente útil para o nosso reconhecimento e a boa fé que totalmente certeiro na nossa auto-identificação não como dous povos mas como um só.
Como pode comprovar o leitor, a nossa vontade não é tanto narrar esta realidade assumida e conhecida por toda mente bem pensante quanto comunicar a necessidade de nos implicarmos no ser comum. Não pode haver português que ignore a Galiza, a sua realidade e a sua problemática como também não pode haver galego que ignore a de Portugal.
Bibliografia:
Fraga Iribarne, M: A Galiza e Portugal no Marco Europeu. Ed. Xunta de Galiza. 1991. Pag. 7 Tirado da Comunicação de Manuel Fraga Iribarne à Academia da História de Portugal com motivo da sua receção como Académico de Mérito. Lisboa 25 de Janeiro de 1991
Fraga Iribarne, M: Jornal do Arco Atlântico. 23 de Outubro de 1992. nº 1 Página 3


Linkografia:

quarta-feira, 1 de março de 2017

O acosso: a violência "democrática"





Por José Manuel Barbosa



De todos é conhecida a circunstância da existência de ambientes laborais ou sociais difíceis por falta de harmonia ou por que há alguém que difunde ideias contrárias à verdade contra certas pessoas pelo simples feito de ser diferente dos demais, sendo esta diferença por razões múltiplas. São estes os rumores que nunca são saudáveis para as pessoas que o sofrem, nem para o ambiente laboral ou social, nem finalmente para quem leva a cabo esta prática nociva a qual acaba voltando-se contra quem a pratica se o ofendido for o suficientemente inteligente e forte como para reagir em consequência e adequadamente.

Na maior parte dos casos, os rumores nunca são contrastados e nunca são objetivos. Sempre atendem aos baixos sentimentos e baixos instintos de inveja, medo, neurose, angústia, frustração, inseguranças e altas doses de violência reprimida originadas nas misérias humanas que na maior parte dos casos fazem ou fizeram parte da vida dos agressores. Todo isto é transmitido com malícia contra pessoas de valor, fazendo destas pessoas indivíduos feridos e em muitos casos solitários com uma vulnerabilidade importante.
O objetivo que um terapeuta pode perceber na pessoa que pratica o rumor é tirar fora do corpo a sua frustração reprimida, às vezes dando-se a si próprio uma imagem de pessoa perfeita como forma de defesa e para evitar a crítica dos outros. Mas de cara a fora o ofensor tem como fim intimidar, submeter, acovardar e impedir que a sua vítima possa exprimir os seus valores e as suas capacidades as quais sempre são uma ameaça muito grande para a auto-estima do primeiro. O poder esconso do agressor favorece a sua tomada de poder perante o agredido, que justamente por causa de essa falta de manifestação clara do assaltante, não sabe ou não pode defender-se adequadamente, perdendo credibilidade aos olhos do público.
Este tipo de agressores são difíceis de evitar, embora se precisarem altas doses de paciência, no melhor dos casos. Muito comummente a indisciplina e a rebeldia contra o atacante são inviáveis ou simplesmente inúteis, especialmente se este é uma pessoa com poder laboral, social ou político, com certa credibilidade no ambiente que o rodeia, o qual torna em contraproducente qualquer tipo de resistência ao mal. Se o agredido tomar como estratégia a mesma forma de comportamento crítico contra o seu ofensor, independentemente se esta é real ou não, a pessoa atacada vai favorecer a credibilidade do malvado que pode ver-se acrescentada entre o público observador, pois normalmente a sua imagem é pulcra nas formas protegendo a sua imagem real de sujidade moral. Deste jeito o bom acaba aparecendo como mau e o mau acaba sendo bem considerado por todos como se realmente fosse ele o agredido. O mundo ao revés e a transparência do assunto sofrendo graças à habilidade do perverso bem-vestido.

Uma outra solução é falar com alguém que esteja laboral ou social por cima do agressor ou mesmo com parte do público que poderia compreender a injustiça. Neste tipo de casos as pessoas recorridas para a ajuda vão ter dificuldade para discernir quem é realmente o malfeitor e quem o injuriado. Se a pessoa ou pessoas consultadas tiverem em boa consideração o acossador, cousa provável pela habilidade do psicopata, o pedido de ajuda pode-se converter em uma arma de duplo gume para quem realmente precisar a ajuda, por isso a desesperação não é de muita utilidade. Este comportamento de defesa pode ser um argumento para que o maldoso, tranquilo ele no seu posto de poder, argua que a sua vítima está doente ou algo é que lhe acontece ao pobre incauto. Talvez com um bom conselho paternal de acudir a um bom médico dos nervos, psicologista ou psiquiatra acrescentaria a sua boa imagem... e todos veriam como uma muito boa pessoa que responde com paternalismo a uma feia atitude de alguém que parece estar desequilibrado... e na realidade só se quer defender.
Com certeza, o facto de poder desvendar o problema é uma necessidade imperiosa para o agredido. Talvez evidenciando o problema com humor e ironia, tirando-lhe importância. Ora, se o agressor se sente descoberto ou o problema transcende fora do controlo do insano assaltante, o assunto poderia mesmo acabar muito mal para quem pratica a ironia, a qual nem sempre senta bem a quem a ouve porque toca onde dói; como também pode acabar mal para ambas as partes... Mas a necessidade é que não acabe mal para o que sofre o acosso que é realmente quem não merece esta situação. Talvez se der a circunstância de chegar-se a um ponto de tamanho dano e afronta que a pessoa isolada acabar realmente precisando ajuda médica, caindo na paranóia, na insânia e no desatino. Se isso for assim é que a finalidade do instigador cumpre os seus objetivos últimos.
Mas há ainda uma terceira via. Esta seria se o agredido se fizer muito rígido na sua vida diária, no trabalho e na vida pessoal, com o fim de esquivar as mentiras que sobre ele se dizem. Um deverá renunciar a muitas cousas que a pessoa do comum tem como normais e constitutivas da sua liberdade. Deverá ser uma vida de virtude que contraste com a ideia lançada pelo malvado ofensor e que este fique em evidência para a gente que rodeia a ambos, mas isto supõe uma importante deterioração pelo excesso de coerência, pelas renúncias por um rígido uso da paciência que pode levar mesmo à doença e à falta de liberdade. Se nos remetermos à história, veremos que são os grandes homens e grandes mulheres cuja vida é um modelo para a sociedade os que levaram este tipo de vida paradigmática, muitas vezes sem eles quererem, acossados por uma situação política, social, religiosa, bélica e de perseguição. Todos temos exemplos na nossa cabeça: presos políticos e de consciência, lutadores pela justiça e a liberdade, heterodoxos que acabam sendo eliminados, santificados ou quase divinizados, perseguidos de todo tipo....A sua força e a sua vontade de não se renderem perante a injustiça, a maldade ou simplesmente contra a mentira que suja a sua imagem, não deixa lugar para outra saída diferente de aquela que vai acabar fazendo dele um pessoa destacada e virtuosa, prodigiosa e perfeita, às vezes contra a sua própria vontade. A maior acosso histórico maior ressalto histórico e a necessidade de apagamento do seu pensamento por parte dos inquisidores converte-se finalmente em uma situação de destaque nunca pensada por quem quis reprimir o seu pensamento.


No mundo no que vivemos, em luta constante entre os poderosos e os que não têm mais poder do que a sua força pessoal e individual, a perseguição faz-se fundamentalmente por motivos ideológicos. O elemento ideológico é que precisam manter interiormente à vez que necessitam ocultar interiormente sem este ser evidente de cara ao exterior. As razões desta discrição são, para os agredidos, evitar as ameaças e os ataques pessoais, evitar a perda do seu trabalho, do prestígio pessoal ou evitar o vilipêndio político público como tem sido em alguns casos. Este tem sido historicamente e ainda é em alguns caos o de muitos reintegracionistas que exercem o seu labor docente e devem ensinar “galego”.... tentando equilibrar coerência e liberdade de cátedra com "profissionalismo". Em alguns casos às vezes em nada ilegais, a administração nunca se implica com o acosso nem com o acossado mas sim implica outros agentes sociais como as associações de pais ou as filiações políticas de alguns deles. Nestes casos aproveita-se a falta de conhecimento sobre o assunto e em muitos casos a falta de formação de muitos deles, encirrando-os para o desordem e às vezes para exercerem a violência não necessariamente física, embora sim psicológica. A administração neste casos não tem vontade de aplicar medidas pacificadoras nem conciliadoras voltando-se repentinamente muito "liberal" no seu "laissez faire..." e reivindicando a liberdade, mas dos agressores. A evidência do pensamento sócio-cultural ou político de algumas pessoas podem dar pé a ataques importantes que se em alguns casos são facilmente desmontáveis, em outros, mais difíceis, acabam por gerar ações pré-democráticas ou mesmo condutas que poderíamos reconhecer na Alemanha dos anos 30, chegando ao ponto de comportamentos delituosos por parte das administrações. A habilidade exercida desde os escritórios faz desviar os ataques para além do que publicamente não se pode atacar, mas destina as energias a outros aspectos mais sensíveis e vulneráveis, já não laborais ou profissionais mas pessoais.
Tradicionalmente a melhor defesa tem sido a agrupação de interessados para defender direitos pessoais, deveres legais e dignidades, mas na Galiza de finais do XX e começos do XXI não há associação sindical, social ou política que aceite facilmente este tipo de pugnas democráticas sob pena de cair na marginalização política. O objetivo por parte da administração sempre é evitar a posta em evidência do problema na sociedade, que também historicamente acaba implicando ao público e desvendando a terrível injustiça da realidade galega, sem forças políticas reais que defendam uma prática comum em todo o mundo civilizado. Esta administração prefere sacrificar o bem-estar e a prosperidade dos galegos antes do que ceder perante problemas que na realidade não são problemas, mas oportunidades de progresso e de crescimento social e individual.

Quando este tipo de acossos é tão grande e tão invisível que não pode ser possível descobrir o malvado rosto do agressor, individual, coletivo ou administrativo, o melhor é mudar para uma atividade laboral que não implique qualquer tipo de compromisso mas na Galiza temos um grave obstáculo, também criado pela própria administração, não sabemos se por inépcia ou pelo interesse de construir uma sociedade à imagem e semelhança dos falsos "democratas" que exercem o poder. Este dirigismo desmontaria a falácia da suposta sociedade plural e ideologicamente livre na que vivemos e aliás a falsidade do suposto pensamento partidário liberal que é como se auto-definem os nossos eternos governantes. A este grave problema de modelo social, acrescenta-se a grande rigidez laboral e a da dificuldade para mudar de emprego ou para auto-empregar-se. Portanto, são a imigração e/ou desemprego armas que a administração usa contra os dissidentes. Sair adiante é muito difícil em uma estrutura administrativa tão rígida e tão excludente como é a do Reino da Espanha, onde a Galiza está imersa e submersa, daí a ampla hostilidade que tem esta armação estadual tão artificial e incómoda em contextos como o basco ou o catalão onde a oposição a esta situação e a este construto é muito grande. 

Na Galiza existe também esta oposição, mas é desfavorecida por várias razões: A primeira é o abuso de poder, que leva à manipulação informativa e à corrução, derivando no voto do medo, no voto manipulado e no pagamento de favores; a segunda razão é a falta de adequação e de inteligência das organizações que se dizem alternativas ou opositoras que nunca tiveram vocação de governo nem estratégia para chegar a ele. 
O impossível caminho da prosperidade está obstaculizado pelos partidos governantes. De entre eles estão os que têm a responsabilidade de gerir a administração. Estes gerem para guiar e moldar a sociedade seguindo parâmetros quase soviéticos, corporativistas, rígidos e sem qualquer dúvida estatistas, longe dos preceitos “liberais” que dizem seguir. Outros, os que se dizem alternativos ou opositores, regidos por preceitos dogmáticos e declaradamente defensores, igualmente, de uma rigidez ideológica grande que chega ao absolutismo administrativo em alguns casos e à exclusão das disidências. Nesse contexto a dificuldade dos heterodoxos para achar trabalho, a facilidade para emigrar e as situações de acosso estão relacionadas entre si diretamente. Esta situação de abuso de poder favorece os acossos contra os que legitimamente pensam diferente da estreita ortodoxia que impõe um poder político e nacionalitário que se diz democrático mas que só se pode definir assim nas aparências e que em pouco se parece aos modelos políticos do resto dos Estados civilizados europeus onde após se livrarem do autoritarismo durante o S. XX, ficaram na gaveta da História.
O rumor é fácil contra os dissidentes. Todos eles são maus por definição e estes não têm muita viabilidade de que a sua contestação chegue aonde tem de chegar. O rumor têm um fácil caminho de rosas que fere a boa imagem das pessoas que sofrem no silêncio social os estigmas do menosprezo e a falta de liberdade. As suas imagens são cozinhadas convenientemente nos escritórios da nova inquisição espanhola que nunca deixou de existir e que de nova tem pouco ou nada.


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