domingo, 2 de fevereiro de 2025

Sobre a etimologia dos sustantivos Gelado, Sorvete e "xeado"

 


 Por Katuro Barbosa

 Passei por um loja que publicitava “Xeado” de chocolate e parei a pensar nas razões que podem fazer pensar que “Xeado” é a forma correta para chamar ao que em Brasil denominam “Sorvete” e em Portugal “Gelado”, mas primeiro teremos que conhecer as diferenças entre um cultismo ou palavra erudita e uma palavra patrimonial ou popular. Veremos:

Palavras patrimoniais ou populares: São palavras procedentes do latim falado, submetidas às leis regulares da evolução linguística e que sofreram todas as transformações fonéticas no seu significante e semânticas no seu significado, produzidas pela passagem do tempo e o seu uso consequente. Apresentam a evolução completa de palavras que sempre estiveram presentes entre os falantes, resultado das modificações paulatinas e lentas do falar popular desde os inícios, localizados com a entrada do latim na nossa Terra ou, mesmo, desde antes, se a palavra em questão é resultado do substrato pré-latino.

Palavras de origem erudito ou cultismos: São palavras procedentes do latim culto, derivadas estritamente na sua origem etimológica do latim ou do grego, introduzidas por via literária, que entraram na língua romance já bem constituída e bem padronizada em épocas distintas através das ciências, das artes e da literatura com a finalidade de designar conceitos novos, não existentes anteriormente e devido à necessidade da língua de nomear novas realidades conceptuais. O facto de ter sido introduzidas tardiamente no corpus linguístico, faz com que não se tenham visto modificadas pela evolução gerada pela aplicação das leis fonéticas às que se submeteram as palavras de origem popular, mas simplesmente adaptadas à língua comum, à sua ortografia e fonologia, para não parecerem um latinismo, um helenismo ou simplesmente estranhas à estrutura da língua padronizada, por isso a sua parcial modificação. Os cultismos são empregados habitualmente na terminologia técnica ou especializada por não terem existido nas línguas vulgares.


Portanto, se procuramos a razão de ser de “xeado” diremos o seguinte:

1- Usa-se uma ortografia não galego-portuguesa, adaptando a do castelhano à fonética galega. O “X” é usado porque qualquer galego não poderia ler corretamente “Geado” na sua língua, pois foi alfabetizado em castelhano e reproduz o G com a mesma fonética da que foi informado quando aprendeu as suas primeiras letras, isto é, em castelhano. A implementação do X na escrita galega com o som /ʃ/ só se explica como uma forma de fugir da pronúncia castelhana do G (ou do J) como [x], mas resulta uma falsa independência “adolescente” dos galeguistas clássicos, rebeldes com o castelhano imposto por lei, mas que recorre a uma solução dentro do próprio corpus ortográfico que conhece, a partir do castelhano. Alguns dirão que não têm constância de que na língua castelhana esse X se pronuncie como /ʃ/ mas lembremos que essa pronúncia é histórica no castelhano, só modificada durante a Idade Moderna (séculos XVI, XVII e XVIII) e reformada graficamente durante o século XVIII, portanto, alguns dos galeguistas do século XIX e os do XX herdeiros dos anteriores, adotaram o X como recurso para fugir do G e do J. Rosália de Castro, por exemplo, usou Ẍ, um X com trema, dous pontos acima, para distinguir do X, sem trema, com som KS. Algo parecido, embora não igual, aconteceu com o NH de “unha”, “algunha” ou “ningunha”, esquecendo os históricos e desconhecidos, na altura, ũa algũa ou nenhũa. Portanto, dada a dependência, o uso do X, parece uma forma de castelhanizaçao, embora parecer o contrário, a primeira vista.

2- O verbo Gear segundo o dicionário Estraviz diz o seguinte: gear: v. i.:(1) Formar-se geada. ≃ congelar, gelar. (2) Cair o orvalho da noite. (3) Fazer muito frio. ≃ arrefecer v. tr. Congelar. Reduzir a gelo. ≃ congelar, gelar. geia a céu aberto, geia às presas, geia como fora: geia intensamente. [lat. gelare]. Confirmamos, portanto a procedência etimológica de gear derivada do latim GELARE, e vemos o L intervocálico presente em latim, como não vemos esse L na palavra patrimonial ou popular (gear).

A respeito da sobremesa congelada, feita geralmente de água, leite ou nata, sumo de frutas ou outros ingredientes naturais, açúcar ou adoçantes e aromas diversos, denominada “gelado” em Portugal e “sorvete” no Brasil diremos que chegou com Marco Polo, no século XIII, que à Itália procedente da China e se estendeu pelas Cortes europeias. Diz a lenda, que foi na França do século XVI, quando Catarina de Médici no seu casamento com Henrique II, quando levou consigo o seu cozinheiro, o qual portava com ele muitas receitas de gelados evoluídos na Itália a partir das receitas chinesas trazidas pelo aventureiro veneziano. Na Península Ibérica, talvez foi introduzido pelos andaluzis, que por sua vez deveram tomar do resto do mundo muçulmano através dos persas, que já tinham receitas com gelado. O persas denominavam شربت, (sherbet), palavra que por sua vez procedia do árabe em que significava bebida, a um suco gelado e preparado com frutas e pétalas de flores que se comia com colher, O costume passou aos árabes que lhe chamaramﺎﺕشرﺑ (sharbet), daí “sorvete” que passou a designar uma bebida não alcoólica, enquanto sharāb شراب passou a significar aquela bebida que tinha álcool. Daí “xarope.

Há quem diga que o gelado chegou ao ocidente da Península em época filipina, quando a Monarquia Católica tinha relacionamentos de poder com todas as Cortes europeias e Portugal fazia parte dela. Talvez foi nessa altura quando se introduziu o cultismo “gelado”, aplicado ao que por via andaluzi se denominava Sorvete, procedente da palavra árabe. Esta última palavra chegou ao Brasil e a primeira ficou na Europa.

Como é elemento trazido na modernidade histórica europeia e tendo que recorrer a um nome, recorreu-se a uma palavra erudita, um cultismo. A norma ILG-RAG não adoptaram qualquer tipo de cultismo. Recorreram à palavra popular, patrimonial, de maneira que não há distinçao, se não e pelo contexto entre “Xeado”: aquilo que está à temperatura do gelo, convertido ou cuberto de gelo, de “Xeado”: doce elaborado com agua, creme, sucos de fruta e outros ingredientes mesclados e congelados.

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