Por José Manuel Barbosa
-O Português pré-clássico em Portugal. Etapa galego-castelhana na Galiza
A língua na
Galiza a meados do século XIV entra em decadência desfavorecida pela união do
nosso reino galaico-leonês com o castelhano. Castela juntamente com o
território toledano inicia um periodo de hegemonia que tem como correlato o esmorecimento
da Galiza tanto dum ponto de vista político e económico como cultural e
linguístico.
As guerras de
sucessão na Galiza, a peleja pela hegemonia da Coroa com Castela, os fracassos
das tentativas de ruptura com Castela e de união com Portugal das mãos do Duque
de Lancaster e Fernando I de Portugal e ainda a derrota do Pedro o Cru a
quem a nobreza galega tinha apoiado, fazem com que se leve a cabo por parte do
vencedores liderados pelo Henrique de Trastâmara uma reconfiguração social e
política do País que vê como as suas camadas dirigentes são substituídas por
outras em alguns casos provenientes de fora e em outros substituídas por famílias
propriamente galegas mas com vinculos de dependência com o exterior.
No primeiro
caso entram nobres castelhanos por nobres galegos que são deslocados para
outros lugares da península. No segundo, são famílias da pequena nobreza que se
vem privilegiadas pelo poder mas sem a visão nacional da alta nobreza
tradicional. Isto, com a derrota irmandinha e posterior esmagamento da nobreza
galega –toda ela- por parte dos Reis Católicos no século seguinte, fazem
definitivo que a Galiza Compostelana perca a sua identidade
político-institucional e portanto a sua força cultural à vez que o castelhano
se veja penetrar no nosso país com traças e com o intuito de hegemonizar a nossa
sociedade e ainda a toda península.
Enquanto, o
território asturo-leonês começa um processo de deturpação e dialectalização
linguística castelhanizadora tão grave e brutal -mesmo também de
castelhanização política-, que em pouco tempo a consciência do povo quebra e
esquece o vínculo histórico com o projeto nacional galaico desidentificando-se
de tal forma com a Galiza que mesmo poderíamos considerar o processo como de quase
irreversível e desidentificador.
Em Portugal
este período é chamado de pré-clássico e vê-se finalizado aproximadamente por volta do
1540. É a época de florescimento político e económico dos descobrimentos e as
navegações nas que tanto Lisboa como o Algarve jogam um papel muito importante
e nas que a língua viaja com os navegantes por todos os continentes do planeta;
é época da prosa didática e histórica, da “Chronica Geral de 1344, dos “Livros
de Linhagens”, do “Livro de Montaria” do rei João I, do “Leal Conselheiros” de
Dão Duarte, da “Demanda do Santo Graal e as “Chronicas” de Fernão Lopes.
Na Galiza a
“Chronica Troiana” e a tradução da “Chronica General”, a “General Estória” ou a
“Chronica de Santa Maria de Iria” são obras importantes desta época. Outros textos
ainda dentro da Galiza como “O Tratado de Alveitaria”, o “Livro de Cambeadores”,
a tradução do “Flos Sanctorum” ou a “Legenda Aurea” de Jacobo della Voragine.
As diferenças
gráficas levadas pela influência do poder político e linguístico castelhano começam
a ver-se em textos como na “Crónica General” de 1404.
O castelhano
já presente na Galiza desde as substituições nobiliares provoca a decadência do
cultivo da lírica galego-portuguesa para abrir o caminho à escola
galego-castelhana que copia o virtuosismo da época anterior sem resultados
floridos castrapizando a língua.
Salientamos
autores como Afonso Álvarez de Villasandino, Garci Fernández de Gerena, o
Arcediago de Toro e Macias o Namorado.
Podemos
apontar o seguinte âmbito cronológico seguindo os autores que nomeamos no
capítulo anterior Dobarro, Freixeiro, M. Pereiro e Salinas (1987:144-145)
· Escola galego-castelhana (1350-1465) que está
representada essencialmente pelos poetas do Cancioneiro de Baena (1445) e
outros cancioneiros castelhanos dos séculos XIV e XV (Estuñiga, Hernández del
Castillo...). É uma poesia composta nas cortes dos Reis Henrique II de Castela
e I da Galiza, Juan I de Castela e II da Galiza, Henrique III de Castela e II
da Galiza e Juan II de Castela e III da Galiza. Esta etapa abrange
aproximadamente desde 1369 até 1459. O prestígio da língua galego-portuguesa é
o que leva aos poetas a utilizarem-na.
·
Escola castelhano-portuguesa. Representada por muitos
dos poetas e dos textos recolhidos no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende
(1516), onde já se começa a ver o Renascimento.
Texto
Texto de Macias o Namorado
Cativo da minha tristura
Já todos prendem espanto
E preguntam que ventura
Foi que m’atormenta tanto
Que nom sei no mundo, amigo,
Quem mais do meu quebranto
Diga desto que vos digo.
Que bem see nunca devia
Al pensar, que faz folia.
Cuidei sobir em alteza
Por cobrar maior estado,
E caí em tal pobreza
Que moiro desamparado.
Com pesar e com desejo
Que vos direi, malfadado
O que ouço bem e vejo:
Quando o louco cree mais alto
Sobir, prende maior salto.
Pero que provei sandece
Porque me deva pesar,
Minha loucura assi cresce
Que moiro por ém torvar;
Pero mais nom haverei
Si nom ver e desejar
E por ém assi direi:
Quem em cárcer sol viver,
Em cárcer se vai morrer.
Minha ventura em demanda
Me posso atám dultada,
Que meu coraçom me manda
Que seja sempre negada,
Pero mais nom saberám
De minha coita lazdrada
E por ém assi dirám:
Cam raivoso é cousa brava
De su senhor sei que trava.
Com a chegada
ao poder na Galiza dos Reis Católicos inicia-se o ideal da uniformização
linguística na Monarquia Hispânica.
Os gramáticos
castelhanos desprestigiam as “línguas vulgares” face o já chamado “espanhol”
que tenciona ser a língua de todos os reinos hispânicos por vontade dos
monarcas de vocação castelhana. Embora isso seja assim, o galego-português
continua a ser a língua habitual dos galegos mas é nesta época quando começa a
ficar excluída da sua categoria de “nacional” para passar-se a ser o
castelhanismo a ideologia dominante.
Politicamente
a Galiza é castigada, mesmo economicamente, enquanto a nobreza deve lutar ao
serviço de Castela dentro e fora da península. As fomes, as pestes, as conscrições, os piratas e a falência económica vão ser os protagonistas dos
seguintes séculos. Mesmo Portugal vai
virar as costas à Galiza lançando-se ao oceano nas suas conquistas
ultramarinas. Isso enterrou definitivamente à Galiza e aos galegos nos chamados
Séculos Obscuros que tanto poderíamos denominá-los assim do ponto de vista
linguístico-literário como do ponto de vista político-institucional e mesmo cultural e económico.
Portugal que
já tinha percorrido o mundo com a nossa língua quando se abre este período por
volta do século XVI, entra num momento de esplendor político, económico e
cultural. A língua nesta altura está fixada como instrumento artístico ficando
como a primeira língua de maior difusão no mundo. Desde a costa do Brasil,
passando-se pelas costas africanas até aos confins da Ásia e a Oceânia, o
galego-português é uma língua franca e de cultura para os povos que entram em
contacto com os portugueses.
Com isto, as
línguas desses povos também exercem a sua influência na nossa. Expressões e
termos novos entram no galego-português do hindu, bangla, etiópico, banto,
malabar, malaio, tupi, e outros, embora também doutras línguas europeias com as
que mantém contactos políticos, económicos e culturais durante o Renascimento e
o Barroco: o castelhano, francês, inglês, italiano, penetram no já conhecido nesta altura e internacionalmente como
português, enriquecendo-o e acrescentando o seu léxico.
São alguns
exemplos destas influências:
·
Europeias
Castelhano:
Zarzuela, Tonadilha, Bobo, Moreno, Palito, Matasanos, Lhaneza, Hediondo,
Trecho, Neblina, Granizo, Camarilha, Pronunciamento, Cavalheiro, Pundonor,
Hombridade, Castanhola, Tomilho, Naipe, Carabina, Rebelde, Tasca...
Catalão: Escorcioneira, Torrão, Barretina, Tarifa, Orate, Nau...
Inglês:
Norte, Sul, Leste, Oeste, Lanche (por “merenda” ainda viva na fala), Bife,
Júri, Pudim, Queque, Iate, Iarda...
Francês:
Jardim, Arranjar, Loja, Frota, Chalupa...
Alemão:
Cobalto, Feldspato, Gneisse, Quartzo...
Neerlandês:
Quermesse, Amarrar, Arenque, Bombordo, Colza, Dique, Estibordo, Grampo, Frete,
Iate, Içar, Matalote, Urca...
Dano-norueguês:
Níquel, Géiseres...
Russo:
Czar, Mamute...
Italiano:
Piloto, Amainar, Escolho, Bússola, Escopeta, Sentinela, Esquadrão, Escaramuça,
Infantaria, Piano, Soprano, Tenor, Contralto, Cantata, Adágio, Violoncelo,
Diletante, Harpejo, Soneto, Terceto,
Madrigal, Bandido, Grotesco, Estrambótico, Charlatão, Cicerone, Arlequim,
Polichinela...
·
Americanas
Azteca: Chocolate...
Quíchua:
Lhama, Condor, Alpaca, Vicunha, Pampa...
Tupi-Guarani:
Amendoim, Caboclo, Mandioca, Tapioca...
Nahuatleca:
Cacau, Tomate, Abacate, Xícara...
Caraiba:
Canoa, Furacão, Cacique, Colibri, Canibal...
·
Asiáticas
Chinês:
Chá, Chávena,
Japonês:
Leque, Quimono, Haraquiri
Persa:
Dervixe,
Indostânico:
Caqui
Malaio:
Pagode, Canja, Bengala, Pires, Bule, Catre..
·
Línguas
africanas:
Banana, Zebra,
Girafa, Macaco, Cacimba, Cachimbo, Batuque,
Na literatura é o Gil Vicente
quem marca o momento de esplendor inicial junto com o Sá de Miranda, este
último de influência italianizante enquanto o primeiro de base popular beirã.
Outro de muita importância por não ter escrito nunca em espanhol ainda durante
o domínio filipino foi António Ferreira autor da tragédia sobre a limiã e
Rainha de Portugal Inês de Castro. Mas são sem qualquer dúvida os mais
importantes Diogo Bernardes, Frai Agostinho da Cruz e sobretudo o autor de
origem galega Luís Vaz de Camões com os seus “Lusíadas” armado com o seu
português inovador e colorido.
João de
Barros, Damião de Gois, Mendes Pinto e outros participam desta etapa da
história da língua que supõe um momento de grande esplendor.
Também é nesta
altura quando a língua começa a afirmar a sua gramática com Fernão de Oliveira,
João de Barros e Nunes de Leão e a sua ortografia com Franco Barreto, Caetano
de Lima, etc.
O período
Clássico chega até ao século XVIII momento em que começa um novo período mas é no XVII quando
começa do ponto de vista linguístico o da etapa de unificação oral e escrita da
língua em Portugal
Texto
Poema a Pero Pardo de Cela
A min chaman Todamira,
señora do
grand tesouro
por estrela
crarecida
jago neste
Valadouro.
Mais treedor foi que un mour
o vilão que me
vendeo,
que de Lugo a
Ribadeo
todos me
tinhan temour.
De min a
triste Frouseira,
que por
treiçon foi vendida,
derribada na
ribeira,
ca jamais se
veo vencida.
Por treiçon tamen vendido
Jesus noso
Redentor,
e por aquestes
tredores
Pedro Pardo,
meu señor.
Vinte e dous
foron chamados
os que vendido lo han,
non por fame de sustén,
de carne, viño nen pan.
Nen por outro minister
que falezcan de bondá,
senón por sua vilaicia
e mais por máa
intençan.
Eles quedan
por tredores
e seu amo por
leal,
pois os Reis á
sua filla
suas terras
mandan dar.
A Deus darán
conta delo,
que lles
queira perdoar,
co que acabou
a Frouseira
e a vida do
Mariscal.
Anónimo. (S.
XV)
Texto
Segundo capitolo
A antiga
nobreza e saber da nossa gente e terra da Espanha: cuja sempre milhor parte foi
Portugal: ainda q agora nam e mayor depoys do diluuio geral q e o mais antigo
tempo de q se os homes lembrão. Naceo de noe e de Tubal/diz Beroso estoreador
de Babilonia e noe edificou e esta terra noela e noegla çidades e da primeira
destas faz Plinio mençã aos vinte capitolos do quarto liuro da sua estoria
natural: poys nam menos de tubal seu neto afirma põponeo mela que fudou
gibaltar. E estes ja então ordenarão boas leys e ensinarão letras nesta terra
cõ muitas outras nobrezas e bos costumes que nela deixarão: despoys destes
Hercoles lybio filho de osiris rey do egipto veo morrer em esta terra desejãdo
de viuer sua velhice descãsada em ella por a virtude q della conheçia: e os
soçessores deste edificarão em memoria e honrra do nome de sue capitão.
Libisona. Libisosa. Libunca. Libuna, e Libisoca/cidades desta derradeira
chamada Libisoca/ apõta som~ete Plinio no terçeiro liuro aos tres capitolos: e
Ptolemeu na tavoa da espanha põe Libisoca e Libura: e esta derradeira libura
põe junto do rio tejo abaixo de toledo da parte
do sul/quasi mostrando ser Euora q agora chamamos. E se tambe quiseremos mais
antiguar a edificação da nossa Lixboa podemos dizer q e aquella das çinco
çidades já ditas a que elles chamarão Libisona. Luso que tambe ennobreceo esta
terra não foy Grego: mas de portugal nacido e criado filho de Liçeleu: e este
recebeo em seu reyno a el Rey Dionisio ou Dinis: com festas de sacrifiçios e
deuações porq já desdentão os portugueses sabem conhecer e seruir e louuvar a
d’s. E deste Rey Luso se chamou a terra em q viuemos Lusitania a ql despoys
chamarã Turdugal: e agora mudãdo alghuas letras Portugal/nã do porto de gaya
como quer Duarte galuão na estorio del rey dõ Afonso anrriquez: mas dos
Turdolos e Galos/duas nações dhomes q vierã morar em esta terra: segundo conta
Estrabão no terceyro liuro da sua geografia. E assi desta feyção já tambe este
nome d’Portugal e antigo e agora com a virtude da gente muyto enobrecido e cõ
muitos bos tratos e cõversações assi em armas como em letras engrandeçido.
Gramatica da
linguagem portuguesa. Fernão de Oliveira (1536)
Texto
Depois de caracterizar, de maneira jocosa, os signos de Zodíaco,
Mercúrio apresenta-se:
E pois vos
disse atèqui
o que se pode
alcançar,
quero-vos
dizer de mi,
e o que venho
buscar.
Eu sam Mercúrio, senhor
de muitas
sabedorias,
e das moedas
feitor,
e deos das
mercadorias:
nestas tenho
meu vigor.
Todos tratos e
contratos,
valias,
preços, avenças,
carestias e
baratos,
ministro suas
pertenças
até as compras
dos çapatos.
E porquanto
nunca vi
na corte de
Portugal
feira em dia
de Natal,
odeno ua feira
aqui
pra todos em
geral.
Faço
mercador-mor
ao Tempo, que
aqui vem;
e assi o hei
por bem.
E não falte
comprador,
porque o Tempo
tudo tem.
Auto da Feira. Gil Vicente.
Texto
42
E destas brandas
mostras comovido,
Que moveram de
um tigre o peito duro,
C’o vulto
alegre, qual, do Céu subido,
Torna sereno e
claro o ar escuro,
As lágrimas
lhe alimpa e, acendido,
Na face a
beija e abraça o colo puro.
De modo que
dali, se só se achara,
Outro novo Cupido
se gerara.
43
E, c’o seu
apertado o rosto amado,
Que os saluços
e lágrimas aumenta,
Como mínimo da
ama castigado,
Que quem no
afaga o choro lhe acrecenta,
Por lhe pôr em
sossego o peito irado,
Muitos casos
futuros lhe apresenta.
Dos Fados as
entranhas revolvendo,
Desta maneira,
em fim, lhe está dizendo:
44
-Fermosa filha
minha, não temais
Perigo algum
nos vossos Lusitanos,
Nem que ninguém comigo possa mais
Que esses
chorosos olhos soberanos;
Que eu vos
prometo, filha, que vejais
Esquecerem-se
Gregos e Romanos,
Pelos ilustres
feitos que esta gente
Há-de fazer
nas partes de Oriente.
Os Lusiadas. Luiz Vaz de Camões. 1572
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