Por José Manuel Barbosa
Ao quebrar-se
a unidade política galego-portuguesa de época medieval, fazem que as políticas linguísticas em ambos os países sejam diferentes. Em Portugal o centro de
gravidade político desloca-se do Norte para o Centro-Sul, enquanto na Galiza se
desloca para Castela. Em Portugal a nossa língua faz-se língua nacional enquanto na Galiza fica como fala popular despretigiada por um poder castelhano ao que não lhe interessam as necessidades da Galiza. Os nossos dous países vão apanhar caminhos
diferentes afastados por uma fronteira política artificial, incómoda e
indesejável; assim as falas portuguesas sob a
influência substrática moçarábiga enriquecem-se com o contacto com outras
línguas e o cultivo literário, mas as falas galegas ficam sem cultivo, empobrecidas e deturpadas
pela pressão do castelhano que o vulgariza, desprestigia e desrespeita fechando-lhe a
possibilidade de se governar a si próprio e de criar uma literatura que lhe dê
flor.
A variante lusitana, enriquece-se com as profundas renovações do Renascimento e do
Humanismo que a fornecem dum vocabulário culto e adequado a novos campos
léxicos surgidos das necessidades e inventos do momento histórico, do mesmo jeito
do que as outras línguas romances; a variante galega fica ruralizada e reduzida
a fala coloquial e familiar na que a única literatura existente que há é de
tipo popular e oral. O mundo do agro, dos marinheiros e das profissões tradicionais conserva a sua riqueza
mas a modernidade não é capaz de chegar ali onde o castelhano começa a ganhar a
posição.
O castelhano
passa-se a ser agora a língua de cultura dos galegos, assim como da
administração, agindo de superestrato sobre a fala do país e gerando uma
situação de diglossia -neste caso exo-diglossia- que leva a uma série de
mudanças na língua dos galegos que ao lado das variações expontâneas da própria
fala vai criar uma consciência de dependência e de subordinariedade a respeito do castelhano.
Ao faltar-lhe
o modelo escrito, já que o modelo português fica afastado por razões políticas,
a fala dialectaliza-se e castelhaniza-se ao ser utilizado o castelhano como
modelo formal.
Diz-nos Manuel Portas
que no léxico só se vai conservar em bom uso o pertencente ao âmbito rústico,
rural e marinheiro, mas todo o léxico da administração e do mundo espiritual
e/ou intelectual não fica desenvolvido suficientemente, desaparece o existente
ou é substituído pelo castelhano (1991:57-63).
Na Fonética
vão-se produzir algumas deturpações; umas como consequência da própria
evolução da língua sem modelo de correção e outras condicionadas pelo espanhol. Todas elas vão
determinar a feição da língua dessa época histórica e de épocas posteriores que
hão de vir daí em adiante, mas também na grafia acabam por esquecer-se as
formas medievais exceto algumas honrosas exceções., Quando se escreve em
galego, faz-se com a ortografia do espanhol que mesmo é decalcada das mudanças
que a língua de Castela leva a cabo no século XVIII: Formas
gráficas como o uso do B e do V, também do Ç e do Z ao jeito galego-portuguesa
histórico que até a altura coincidiam com os usos em espanhol deixam de ser
usadas quando a RAE (Real Academia Espanhola da Língua) decide mudar os seus
usos no castelhano para a forma atual no ano 1726 ao publicar o “Diccionario de
Autoridades”. Grafias como o “Que” “Qui” em palavras como “frequente”
“aquífero” são deixadas pelo uso do “cue” “cui” (frecuente, acuifero) quando a
própria RAE modifica a ortografia do castelhano em 1815.
Mesmo os usos
do acento são decalques das formas que a RAE preceitua para o espanhol
esquecendo os que adatam para a língua da Galiza a diferente abertura das
vogais na língua do país e afastando os usos escritos do resto da lusofonia/galeguia
internacional.
Da mesma forma
do que a maioria das línguas da Europa ficam fixadas por gramáticas, na Galiza
os estudiosos, linguistas e escritores que puderam ter preocupações
relacionadas com o cultivo e correção da língua não vão passar à história pelas
suas inquietações corretoras e de fixar normas, nem sequer em muitos casos por
usar a língua do país. A imprensa,
recém descoberta, não vai trabalhar para a língua dos galegos e só contamos com
um pobre Vocabulário do Bacharel Olea no 1536 para além de contributos dos
professores da Universidade de Salamanca Fernán Nuñez e Gonzalo Correas cujo
fim não é cultivar a língua, mas estudá-la como quem estuda um raro exemplar de
ofídio tropical ou os costumes tribais duma tribo da Nova Guiné.
A maior parte
dos textos redigidos na Galiza são editados em latim ou castelhano enquanto a fala
do país, praticamente aliterária e acultural fica ágrafa e dialetalizada, pretensamente
inútil para a ciência, a arte, a cultura e a religião. Tudo em favor do
castelhano.
É a
consequência das leis das Cortes de Toledo de 1480 que ordenavam o conhecimento
obrigatório do castelhano para obter o título de escrivão. Isto vai fazer quase
desaparecer a língua dos galegos dos documentos oficiais que junto com outros
condicionantes políticos e económicos faz com que o galego-português da Galiza
esmoreça pouco a pouco do ponto de vista da escrita, mas não no oral já que o
povo mantém a língua como instrumento de uso normal e habitual. Só uma minoria
próxima ao poder político usa e mantém o castelhano como a sua língua embora
não possa substrair-se à língua do país na que estão inseridos por razões
óbvias.
É em 1768
quando a Real Cédula de Aranjuez obriga a que no ensino se use o castelhano em
toda a Monarquia Católica ou Monarquia Hispânica (1). Esta normativa atinge também à Galiza
por ser um reino incluído dentro desta Monarquia mas com muitos obstáculos para se
impor porque a maioria da população galega está longe do ensino pela sua
condição económica camponesa, marinheira e em qualquer caso popular.
Pelo
contrário, os nobres já castelhanizados
de antes podem aceder à instrução e portanto à castelhanização maciça embora a
sua inclusão no mundo popular galaico não permita que a língua do país lhes
seja totalmente alheia. (Portas:1991:54-63)
O
galego-português desta época é maioritariamente falado embora existam textos escritos, sobretudo no período Barroco, breves poesias ou obras de teatro
como o “Entremez famoso sobre a pesca do rio Minho” de Gabriel Feijó de
Araújo, ou os cantos natalícios, cantigas de cego, de berço, contos, cantos de
trabalho, entrudos, regueifas, etc.
A
castelhanização lexical, ortográfica, morfológico-sintáctica e de estilo começa
a fazer a sua aparição mas é durante o século XVIII quando a ilustração começa
também a fazer o seu trabalho de crítica e reivindicação. São os Padres
Ilustrados que contestam a situação
sócio-económica, política, cultural e linguística do país, a situação de
marginalização da língua reivindicando uma autoestima necessária.
O Padre Feijó,
o Padre Sobreira, o Cura de Friume e o Padre Sarmento são os que empregam os
seus esforços em reconhecerem a inalterável unidade linguística galego-portuguesa para além
de levar a cabo um trabalho de recolha lexical, de criação poética e
reivindicação do ensino na língua do país inestimável. Não se pense com isto que a igreja
trabalhava em prol da cultura e da língua do país mas pelo contrário. É esta
instituição a que contribuiu com mais força para o uso e introdução do
castelhano entre o povo e na documentação, mesmo até ao incumprimento do
Concílio de Trento de 1562 no que se tivera acordado a utilização das chamadas
línguas vernáculas no seu labor pastoral com o objectivo de que no povo se
pudesse perceer melhor a mensagem cristã que até essa altura se vinha fazendo
em latim.
Comentam-nos
os professores Carlos Garrido e Carles Riera (2000:17-39) que a igreja galega
desatende isso até o ponto de introduzir graves castelhanismos na fala popular
como “iglésia”, “pueblo”, “Dios”, etc..
Texto
Respice finem
Morte
cruel, esa tredora mañá
de
roubar de non cato a humana vida
con
que ollos a podeche ver comprida
na
santa Reina que hoxe perde España?
Se
aquel rancor que te carcome e laña
che
tiña a mao, para matar, erguida,
non
deras noutra parte esa ferida
donde
non fora a lástima tamaña?
Non
se torçera aquel fatal costume
i
a lei que iguala do morrer na sorte
os
altos Reis cos baixos labradores?
Terrible,
en fin, é teu poder, oh, Morte!,
pois
diante de ti Reis e señores
son
néboa, sobra, póo, son vento e fume.
Pedro
Vázquez de Neira. Relación de las
Exequias de la Reina Doña
Margarita
de Austria. 1611.
Texto
Canto Natalício
Ay
se nosso Deus galego se faze
Vamos
a cantar à choucinha em que nasce
Ay se sua May é de Compostela
Vamos
a cantar formosa galega.
Todo
Galeguinho toque churumbela
Que
o meninho belo é da nossa terra.
Façamos-lhe
todos a dança galega
Que
está desnudinho, e chora, e trema.
Pois
nasce em Galiza à falda da serra,
Galego
se faze, é da nossa terra!
Vilancico
do ano 1637editado por Carolina Michaelis de Vasconcelos
-Unificação da língua em Portugal
No Portugal do
século XVIII o florescimento da língua é real e frutífero; a Academia Real das
Ciências, fundada no 1779 pelo Duque de Lafões e o abade Correia da Serra
trabalha na afixação da língua com o vocabulário Português-Latino em 10 Volumes
e o Dicionário de Morais da Silva.
O estudo da
língua leva-se a cabo por personagens como Duarte Nunes de Leão embora a
divagação retórica faz com que os resultados práticos venham com o aparecimento
do Vocabulário Português feito por Bluteau, precursor do dicionário de Morais
da Silva.
Os contactos
com outras línguas e o tratamento culto do português fazem com que haja
um aumento dos latinismos e neologismos assim como um grande acréscimo dos
galicismos mercê à hegemonia política e cultural francesa nos séculos XVIII e
XIX. No entanto, a entrada de formas holandesas, italianas e das línguas
nativas dos povos em contacto com os portugueses também se faz sentir
fundamente.
O pedantismo da
época sustenta um marcado purismo e contribui para a recuperação de arcaísmos
quinhentistas até que o critério histórico-comparativo senta as bases da
literatura tradicional com o que vem nascer o romantismo.
Já no século
XIX, quando o romantismo é o estilo que marca a estética da época, a força de
expressão dos grandes vultos da literatura na nossa língua, como Alexandre
Herculano, Almeida Garret ou Camilo Castelo Branco abre passagem ao
sentimentalismo e à entrada do léxico francês à moda.
Posteriormente,
o realismo é o seguinte estilo com o
qual começa a literatura portuguesa a chegar aos nossos dias junto com o
conceito do português contemporâneo. Antero de Quental, Oliveira Martins e Eça
de Queiros –neto de galegos-, são os grandes
dos fins do XIX começando o século com grandes personagens da literatura, já
não só portuguesa, mas universal, como Teixeira de Pascoães, Sá Carneiro ou o
grandíssimo Fernando Pessoa –também neto de galegos-.
Reunem-se em
Coimbra no ano de 1927 em torno à revista “Presença” um grupo de literatos dos
que há que salientar um de entre todos, o trasmontano Miguel Torga. Torga é um
dos mais grandes literatos portugueses do século XX, vinculado afetivamente às
terras da Galiza portuguesa do interior e com os olhos e o coração postos nas
terras do Norte. Grandes nomes de autores do XX são Ferreira de Castro, Fernando Namora, Gomes Ferreira, Manuel
Ferreira, Vergílio Ferreira e Agustina Bessa e Luís. A literatura na nossa língua vai
entrando no tempo e fazendo parte da história da literatura universal segundo
vai entrando o século das grandes guerras. Grandes literatos, grandes figuras e
lento acordar das letras e das consciências na civilização do mar e do granito.
Texto
Liberdade,
onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o
teu influxo em nós não caia?
Porque (triste
de mim!) porque não raia
Já na esfera
da Lísia a tua aurora?
Da santa
redenção é vinda a hora
A esta parte
do mundo, que desmaia.
Oh! Venha...
Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo
feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao
mortal que, frio e mudo,
Oculta o
pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir,
por temor, empenha estudo.
Movam nossos
grilhões tua piedade;
Nosso númen tu
és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e
prazer, ó Liberdade!
Rimas. Manuel Maria Hedois Barbosa du Bocage. S. XVIII
Texto
Este inferno
de amar –como eu amo!
Quem mo pôs
aqui n’alma...Quem foi?
Esta chama que
alenta e consome,
Que é a vida
–e que a vida destrói-
Como é que se
veio a atear,
Quando –ai
quando se há-de ela apagar?
Eu não sei,
não me lembra; o passado,
A outra vida
que dantes vivi
Era um sonho
talvez... –foi um sonho-
Em que paz tão
serena a dormi!
Oh! que doce
era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! Despertar?
Só me lembra
que um dia formoso
Eu
passei...dava o sol tanta luz!
E os meus
olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos
ardentes os pus.
Que fez ela?
Eu que fiz? –Não no sei;
Mas nessa hora
a viver comecei...
Folhas caidas.
João Baptista da Silva Leitão de
Almeida Garret. (1853)
Texto
Terra da minha
infância,
Tecto de meus
maiores,
Meu breve
jardinzinho,
Minhas
pendidas flores,
Harmonioso e
santo
Sino do
presbitério,
Cruzeiro
venerando
Do humilde
cemitério,
Onde os avós
dormiram,
E dormirão os
pais:
Onde eu talvez
não durma,
Nem reze,
talvez, mais,
Eu vos saúdo!
E o longo
Suspiro
amargurado
Vos mando. É
quanto pode
Mandar pobre
soldado.
Sobre as
cavadas ondas
Dos mares
procelosos,
Por vós já fiz
soar
Meus cantos
dolorosos.
Porque em meu
sangue ardia
A febre da
saudade,
Febre que só
minora
Sopro de
tempestade;
Mas que se
irrita, e dura
Quando é
tranquilo o mar;
Quando da
pátria o céu
Céu puro vem
lembrar;
Quando, no
extremo ocaso,
A nuvem vaporosa,
À frouxa luz
da tarde,
Na cor imita a
rosa;
O soldado.
Alexandre Herculano. (1832)
Texto
Mar Português
Ó mar salgado,
quanto do teu sal
São lágrimas
de Portugal!
Por te
cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos
em vão rezaram!
Quantas noivas
ficaram por casar
Para que
fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não
é pequena.
Quem quer
passar além do Bojador
Tem que passar
além da dor.
Deus ao mar o
perigo e o abismo deu,
Mas nele é que
espelhou o céu.
Mensagem.
Fernando Pessoa
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