Por Marcos Celeiro
O problema linguístico que na Galiza produz a pressão do
castelhano é o processo de substituição (avô;
abuelo). Um processo nefasto. Ora bem, não só existe essa
substituição direta, há outra indireta mais perigosa por ser menos
visível, portanto menos reversível, o processo de
hibridação linguística:
1 - Processo espontâneo de hibridação no léxico:
Hibridação por adaptação do castelhano:
carretera ; carreteira (estrada)
rodaja ; rodaxa (rodela, fatia)
conllevar ; conlevar (implicar)
alejar ; alonxar (afastar)
Substituição de significado total:
largo (dimensão transversal) ; longo (dimensão longitudinal)
[o largo original agora é ancho]
roxo (roxado no fogo) ; vermelho (outra cor)
aportar (chegar a porto) ; aportar (contribuir, achegar)
contestar (opor-se) ; responder (uma pergunta)
Substituição de significado parcial (degrau da palavra
galega):
cheiro (odor) ; cheiro (fedor) ≠ olor
escada (escadaria) ; escada (escada de mão) ≠ escaleira
cobertor (colcha) ; cobertor (colcha velha) ≠ manta
vassoira (de varrer) ; vassoira (de giestas) ≠ escoba
2 - Processo programado (premeditado pela RAG-ILG) de
hibridação no léxico:
Neologismos adquiridos diretamente em castelhano:
té (cas.) ; té (gal.), e não chá
pavo (cas.) ; pavo (gal.) e não peru
disco duro (cas.) ; disco duro (gal.) e não disco rígido
ordenador (cas.) ; ordenador (gal.) e não computador
Neologismos galeguizados desde o castelhano:
grapa ; grampa, e não agrafo
bujía ; buxía, e não vela de ignição
comillas ; comiñas, e não aspas
jabalina ; xavalina, e não dardo
Neologismos incorporando um significado castelhano
desnecessário:
cumbre ; cúmio (cimeira)
huelga ; folga (greve)
cuenca hidrográfica ; cunca hidrográfica (bacia hidrográfica)
bodega do navio ; bodega/adega do navio (porão)
[Atualmente há pessoas no isolacionismo cientes deste
problema e que defendem com fervor os antes «perigosos lusismos»,
mas depois de 30 anos consolidando esse léxico castelhanizado...]
3 - Processo de hibridação fonética:
Perda da prosódia.
A prosódia é o ritmo e musicalidade com a que articulamos a
fala. A característica de abrirmos ou fecharmos de forma exagerada
as vogais da sílaba tónica e fecharmos o resto está a mudar para
uma prosódia castelhana onde a sílaba tónica só é mais forte e
não há variações de abertura.
«O pequeno e a pequena tinham medo», cada vez se diz menos «u
piKÊnu i a piKÊna TInhâ~ MÊdu (ou MÉdu)» e se diz com o ritmo
castelhano, e sem fechar as sílabas átonas.
Perda da nasalidade.
Além das particularidades dialetais do galego oriental (ditongos
nasais e vogais nasais finais), em todas as variantes da Galiza os M
e N a final de sílaba são um N nasal, e essa nasalidade «tingue»
a vogal que a precede se for fechada. Por exemplo, o A de «ambiente»
é diferente em galego e em castelhano. A incorreta abertura da vogal
ou a pronuncia desses N nasais como M ou N, «mata» este tipo de
nasalidade.
É um excelente exemplo a diferença fonética em galego de «Em
Ares» / «Henares» que em castelhano não existe.
Perda da abertura das vogais, ou confusão da mesma.
Cada vez é mais neutra a distinção ô/ó, ê/é, chegando a
desaparecer completamente já em muitas pessoas a do â/á. Se
pedimos aos galegos de digam «Europa», só uma minoria dirá
«Európa» ou «Eurôpa», ficando a maioria com a pronúncia que
constantemente ouvem em castelhano ou em na fala da tvg. Constante
interferência destas pronúncias alheias com vocais neutras, e na
tvg até incorretas, também produz que quando se querem pronunciar
«à galega» as palavras, muitas vezes o falante já não sabe se
abrir ou fechar.
Outro exemplo é que se está a perder a alternância da abertura
na flexão verbal (cômo, cómes, cóme,..) e cada ve é mais
frequente ouvir «Éu cómo móito».
Perda de alternâncias fonéticas ainda vivas na Galiza, mas
não existentes em castelhano.
Como o B/V, S/Z, X/J, etc. que longe de ser recuperadas,
prestigiadas, ou incorporadas na ortopeia, são negadas e
«corrixidas». São fenómenos perigosos para os «argumentos
filolóxicos», portanto em processo de extinção.
O caso mais espetacular é o extermínio do sesseio, maioritário
quanto a dimensão territorial e quanto a dimensão demográfica.
Constante degradação fonética cara uma harmonização cara
o castelhano.
A influência da fonética castelhana introduz modificações
fonéticas que logo se tornam morfológicas, e longe de serem
evitadas, são «legalizadas»
As amplamente conhecidas -çom ; -ciom, -som ; -siom , -tom ;
-tiom, -xom ; -xiom, nunca foram vistas como castelhanismos polo
isolacionismo. Sim viram e corrigiram os -ais ; -ales, e nos
últimos tempos até introduziram alguma «excepzón» e timidamente
agiram com os -ble, -icia, -encia, -ancia,... O caso dos «animales»
recuperados para «animais» indica que estes processos SIM SÃO
RECUPERÁVEIS quando há vontade desde a «filoloxia». Mas essa hoje
permite e contribui para essa degradação.
Depois, evidentemente há degradações fonéticas espontâneas:
igualdade ; igualdá, falado ; falao, parede ; paré,...
influenciadas pelo castelhano. Nada tem a ver o correcto ; correto
com o correcto > correzto.
Castelhanização fonética na sílaba tónica
limite ; límite
magia ; mágia
regime ; réxime
E já total nos neologismos ou cultismos recuperados pelas
instituições linguísticas autonómicas: policía (polícia),
democrácia (democracia), neón (néon), cerébro (cérebro), ...
[Os paleofalantes consolidados apenas perdem estas
características, mas há que ter em conta que os meninos com a nossa
língua como L1 materna, são escolarizados, e isso produz graves
interferências, e não estou a falar do contacto com companheiros
castelhanofalantes, senão do «bem que ensinam galego» essa imensa
quantidade de inúteis que dizem ser professores.]
4 - Processo de hibridação morfo-sintática:
Na construção dos sintagmas:
«Vou comentar» ; «Vou a comentar»
«Comento isto ao Filipe» ; «Comento-lhe isto ao Filipe»
«Daqui não te escuto» ; «Desde aqui não te escuto»
«Escrevo para te convencer» ; «Escrevo para convencer-te»
Nos usos verbais:
«Se a Galiza fosse independente,...» ; «Se a Galiza fora
independente,..»
«Nós para sermos normais,...» ; «Nós para ser normais,...»
«No caso de serem responsáveis,...» ; «Em caso de que sejam
responsáveis,...»
«Bebeu todas as cervejas» ; «Bebeu-se todas as cervejas»
No significado das construções:
Por cierto ; Por certo («Aliás» ou «por verdadeiro»?)
Sin embargo ; Sem embargo («porém» ou «não
embargado»?)
Más bien ; Mais bem («antes» ou «mais bondade»?)
Na estrutura das construções:
«És o Filipe? Sim, sou» ; «És o Filipe? Sim.»
«Dos meus irmãos sou o mais velho» ; «Dos meus irmãos sou
o maior»
«Aos sábados vou de farra» ; «Os sábados vou de farra»
[Para mim isto é hibridação: léxico galego + estrutura
castelhana. Não substituição linguística. Uma hibridação já tão
enraizada nos falantes L1 (galego espontâneo) como o mítico
«bueno».]
Muitas destas hibridações que anteriormente comentadas, no atual
discurso dominante dos linguistas (linguicidas!) da oficialidade são
consideradas «evolución natural». Existiria essa "evolução"
sem a interferência do castelhano?
Se por arte de magia amanhã desaparecer o castelhano na Galiza e
qualquer interferência dele, realmente está arranjada a questão
linguística? Ficaria no galego «não substituido» uma língua sem
nenhum problema? Um galego puro «não crioulizado»?
Isto é muito mais destrutivo que o uso que dizer abuelo,
dios, bueno, pueblo, etc, que se tem demonstrado como é possível
recuperar as formas corretas avô, deus, bom, povo, etc.
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