segunda-feira, 4 de novembro de 2024

As Bandeiras Ibéricas. Navarra . Capítulo 9

 

Por Katuro Barbosa

As representações mais antigas do pendão do Reino de Navarra datam de 1194, em tempos de Sancho VII e apresentam uma águia que substituía uma figura equestre apresentada no reinado de Sancho VI sem mais emblemas heráldicos. Posteriormente, a figura equestre aparece com um escudo em que porta a águia.

A origem da águia é discutida por alguns heraldistas bascos que asseguram que é um emblema dos Ximenos, família de origem vascão e também conhecida como a Dinastia Abarka. Patxi Zabaleta diz que a arrano beltza (1) é o emblema dos reis de Navarra desde Eneko Aritza (Iñigo Arista para a historiografia espanhola tradicional) até Sancho VII (Antzo VII.a Azkarra, para a historiografia basca) e portanto, foi o pendão real do Estado basco medieval com o nome de Reino de Navarra ou Nafarroako Erresuma.

O heraldista espanhol Faustino Menéndez-Pidal, sobrinho de Ramón Menéndez-Pidal, afirma que o emblema procede da simbologia da família da avó paterna de Sancho VII, Marguerite de l’Aigle, de origem normando e esposa do rei Garcia Ramirez. O facto de ser o apelido familiar Aigle águia em francês, explica a razão pela qual é uma águia o símbolo dinástico como símbolo parlante. O próprio Sancho VII, no final da sua vida utilizava um pendão que incluía a arrano beltza sobre um suposto fundo amarelo ao que, com o tempo, se lhe acrescentou um leão, símbolo heráldico do seu avô, o Imperador Afonso VII, pai da sua mãe Sancha. A Casa Real navarra, existente na atualidade, confirma esta teoria.

Esta simbologia foi resgatada durante o século XX pelo político nacionalista Telesforo Monzón, cuja interpretação pessoal fez recriar esta bandeira com a Arrano Beltza sobre fundo amarelo. Esta cor amarela do corpo da bandeira, parece aleatória segundo alguns historiadores, que como Erlantz Urtasun Anzano, afirmam que pode ter a ver com o tecido de linho que se torna amarelo devido ao envelhecimento causado pela passagem do tempo, o fumo das candeias e do papel de linho onde apareceu a silhueta da águia donde Monzón tirou o modelo. De qualquer maneira, se essa cor proceder da família De l’Aigle, comprovamos que o símbolo heráldico desta casa nobiliária sobre fundo amarelo é a certa, pelo que estaria aqui a explicação, por outra parte, confirmada pela Casa Real navarra atual, chefiada pelo candidato ao trono de Navarra, Pedro II de Bourbon Duas Sicílias (2)

Muitos heraldistas afirmam que o fundo da arrano beltza não deveria ser amarelo, mas vermelho, cor tradicional da Casa de Navarra. Portanto, atuais vexilólogos e não poucos nacionalistas mantêm a estética da águia preta sobre fundo vermelho que aparece em ocasiões em manifestações navarristas ou basquistas.

Mas o pendão das cadeias surge de forma lendária em 1212, com motivo da Batalha das Navas de Tolosa, quando Sancho VII participa no ataque às tropas muçulmanas de Maomé Ánacer(3), o Amir al-Mu'minin junto com Afonso I de Castela (4) e Pedro II de Aragão.

A lenda narra como as tropas do rei navarro, aproveitando a rutura dos flancos almóadas pelas tropas castelhanas e aragonesas, consegue penetrar na peanha onde estavam situados o Califa e os nobres muçulmanos que o acompanhavam, defendidos pelos Imesebelen, a Guarda Negra, que estava formada por um grupo de agressivos e corpulentos escravos-guerreiros senegaleses atados por cadeias das que não podiam livrar, vestidos só com uma simples tanga e armados com uma lança muito cumprida. Sancho VII consegue quebrar as cadeias do cercado da peanha, sustentadas por grandes varas e vencer os gigantescos guardiões africanos. Como lembrança da gesta, a lenda diz que o rei navarro decidiu incorporar as cadeias ao pano vermelho que lhe servia de pendão. Na realidade, esta mudança foi feita posteriormente pelo sucessor de Sancho VII, o seu sobrinho Teobaldo I, e a realidade diz que não são cadeias as que figuram no escudo histórico de Navarra, mas os reforços metálicos de cor dourada situadas no escudo aos que se acrescente uma esmeralda verde, igualmente lendária, que tinha no turbante o Califa almóada, a quem lhe foi tirada como botim. 


O tempo consolidou esta imagem, a qual foi utilizada pelo rei navarro João de Albret quando quis reconquistar a Navarra ocupada pelas tropas castelhanas em 1512. Da mesma maneira, foi usado pelas tropas navarras em épocas posteriores, quando a Casa Real navarra acabou fundindo-se com a Dinastia Capetiana, titular do trono francês. Posteriormente, quando os pendões reais acabam sendo bandeiras, quer dizer, representações de nações ou de Estados e não símbolos heráldicos familiares, a partir do século XVIII, a bandeira de Navarra de cor vermelha com as cadeias em dourado e a esmeralda verde no meio consegue conservar-se, embora não oficialmente, como representação histórica do Reino de Navarra. Só a partir de 1910 em que a Deputação Foral recupera esta simbologia é quando recupera a oficialidade, mas é durante a II República que a própria Deputação Foral quem substitui a coroa real do escudo por uma coroa mural republicana.


Mas outra mudança vai acontecer nos anos 30’s, pois por Decreto do Chefe do Estado em 1937, durante a Guerra do 36, recuperou-se o escudo monárquico ao que se lhe acrescenta a Cruz de São Fernando. 

Assim vai permanecer essa simbologia como bandeira provincial até a Reinstauração Bourbónica em que será modificada novamente para adequá-la à nova legislação da Espanha de João Carlos I de Bourbon em que as autonomias entram na legalidade constitucional e Navarra acaba convertendo-se em mais uma Comunidade Autónoma com a categoria de Comunidade Foral. Em 1981 perde a Cruz Laureada de São Fernando e acrescenta a coroa boubónica. Esta é a bandeira oficial atual de Navarra.

Dentro do movimento independentista de esquerda, assume-se a bandeira sem a coroa, como símbolo de uma das Zazpiak Bat (5)

Mas também há uma outra representação vexilológica não oficial, mas existente nos movimentos políticos navarros, que é a bandeira que reúne toda a simbologia histórica: o fundo vermelho, as cadeias douradas e a águia preta, embora também uma coroa real navarra. É este o movimento legitimista navarro que reclama a recuperação do Reino de Navarra na figura do seu rei legítimo Pedro II


1 Arrano Beltza significa literalmente em basco aguia preta

2 Pedro Juan Maria Alejo Saturnino y Todos los Santos de Borbón Dos Sicilias, Orleans, Borbón Parma, y Orleans-Braganza.

3-O Miramolim (Amir al-Mu’minin أمير المؤمنين), Príncipe dos crentes, figura de referência política e religiosa dos almóadas andaluzis.

4 O oitavo, segundo o cômputo tradicional da historiografia castelhana, mas o primeiro segundo cômputo real. Afonso VIII de Castela é na realidade o Afonso I de Castela. Antes não houve Afonsos de Castela, se não incluímos Afonso VI e Afonso VII o Imperador, não desejados pelos castelhanos, ou se não acrescentamos Afonso I, o Batalhador, rei de Aragão, que governou Castela sendo aceite pelos castelhanos, mas nunca coroado como tal perante a legitimidade da Urraca I.

5 Zazpiak bat, significa em basco, literalmente, sete em uma, lema pelo qual se reclama a unidade dos sete territórios bascos, sendo um deles o espaço histórico navarro com a sua simbologia.




 



 



 

Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...