Por José Manuel Barbosa
Dedico este artigo à boa gentinha de Pitões das Júnias e à gente do Barroso
Dedico este artigo à boa gentinha de Pitões das Júnias e à gente do Barroso
Parece ser que
o território galaico-lusitano anterior à conquista romana estava ocupado por
diferentes povos de raiz indo-europeia e de fala provavelmente proto-celta.
Se repararmos
na configuração étnica desses territórios teríamos de norte para sul os
seguintes: os povos ártabros (Martins, Higino 2008) ou posteriormente chamados
pelos romanos de galaicos lucences que ocupariam a atual Galiza norte
(províncias da Corunha, Lugo e norte de Ponte Vedra); os povos gróvios
(Martins, Higino 2008) ou galaicos bracarenses (atuais províncias galegas de
Ourense e sul de Ponte Vedra junto com todo o norte de Portugal até o Douro); e
os povos asturos (atuais Astúrias, Leão, a Zamora do norte do Douro e a parte
oriental de Trás-os-Montes).
Ao sul do
Douro habitariam os lusitanos até o Tejo incluindo no seu espaço territorial a
Estremadura espanhola atual ao norte desse rio. Para sul um conjunto de povos
de nome genérico célticos por todo o
Alentejo e ficando para o extremo Sul os cônios ou cinetes no Algarve de
estirpe celta segundo os autores clássicos.
Segundo os
estudos recentes baseados nos achados litográficos de Lamas de Moledo (Évora),
Cabeço das Fráguas (A Guarda) e Arroyo del Puerco (Cáceres), a língua falada
pelos lusitanos mas também pelos galaicos incluindo neles os asturos e
provavelmente também os cântabros, tendo como fronteira oriental com os vascons
o rio Asón, era uma língua com capacidade para poder ser compreendida e reconstruída
a partir das línguas célticas modernas por linguistas e arqueólogos.
O espaço que
poderia ocupar haveria que reconstruí-lo a partir, não só pela localização
destas inscrições conhecidas, mas também pela onomástica, a toponímia e a
teonímia. Corresponder-se-ia com os velhos conventos romanos da
Scallabientense, Asturicense, a Bracarense, a Lucense e parte da Emeritense,
bem como parte da atual Cantábria.
Essa parte
norte-ocidental da península falaria o que os cientístas denominaram com o nome
de lusitano ou como diz Ulrich Schmoll (Schmoll 1959) galaico-lusitano
por serem a Gallaecia romana e a Lusitânia originária (entendida como o berço
do povo lusitano, não da província romana) a sua zona.
As provas que falam
da existência deste galaico-lusitano estão nesses achados litográficos de época
imperial romana, cuja época ajustamos e deduzimos por estarem escritos com a
ortografia latina.
São os
exemplos dos textos litográficos os seguintes:
- Texto de Lamas de Moledo
rufinus et
tiro scripserunt: veaminicori doenti angom lamatigom crougeai magareaigoi
petranioi radom porgom ioveat caeliobrigo
Este texto
datado já em época romana (no século I d.C.) com introdução em latim viria
significar o seguinte segundo a tradução de André Pena Granha, arqueólogo e historiador galego:
Rufino e Tiro escreveram: Os
Veaminicori (cojunto de jovens solteiros em idade militar) dão um anho lamático
(de Lamas de Moledo) para o altar de Petranio (o oficiante), um grosso porco
para o Júpiter do Castro de Caelio.
Segundo
Higino Martins (2008:87) Veamini Cori ou
Wegamenoi korioi significaria “os que
viajam em carros”, quer dizer, “os chefes”, ou “senhores”.
- Texto da Pedra de Cabeço das
Fráguas:
oilam
trebopala indi porcom laebo commaiam iccona loiminna oilam usseam trebarune
indi taurom ifadem(...) reve tre(barune)
Texto também
de finais do Império com latinismos como porcom
(com p- inicial aparentemente não
céltico) e redigido na pedra para um ritual de tipo suovetaurília com o fim de
proteger a Treba (território político sob a influência do povo que oferece o
ritual). A tradução que o professor André Pena Granha fez a finais do século passado apoiando-se noutras línguas célticas vem sendo a
seguinte.
...uma ovelha para trebopala
(protetora da Treba) e um porco para Laebo (divindade feminina), uma égua para
a luminosa Iccona (deusa dos cavalos), uma ovelha dum ano para trebarune (a
deusa protetora do País) e um touro dum ano para Reva, senhora da Treba.
A dia de hoje o professor Pena Granha defende que este texto é uma forma de latim baixo-imperial. Uma forma de castrapo celtico-latino.
A dia de hoje o professor Pena Granha defende que este texto é uma forma de latim baixo-imperial. Uma forma de castrapo celtico-latino.
- Texto de Arroyo del Puerco ou Arroyo de la Luz (Cáceres)
ambatus scripsi carlae praisom secias erba muitie as
arimo praeso ndo singeieto ini ava indi veam indi vedagarom teucaecom indi nurim indi udevecom
rurseaico ampilva indi loemina indi enu petanim indi arimom sintamom indi
teucom sintamo...
isaiccid rueti puppid
carlae enetom indi na(.) (...)ce iom.m
Interpretação
de Witczak-Wozniak:
“(Eu), Ambatus escrevo: Em Carla, o
pacto de amizade ou de reciprocidade por um (parente) que deve ser enviado
(ali), que seja contraído (jurado) sem participação de avó e mulheres de irmãos
e noivas de filhos e dona da casa (quer dizer, esposa do chefe da família) e
sem (participação de) Rursenco Ampilua e servidão, e sem (participação de)
Petanim, e (sem) o maior dignatário, e (sem) o filho maior...”
Possíveis
interpretações de Blanca María Prosper da linha final que é conhecida como
Texto de Arroyo de la Luz III:
“Deste jeito fica dito o que em Carla (está) estabelecido e
não (??)...”
“Por aqui fica o que corresponde ao término de Carla...”
“Aqui limita/começa o que está incluído em Carla...”
....................
Ao sul do Tejo
dos diferentes povos de filiação céltica segundo os clássicos mas com
importante influência tartéssica e fenícia pouco sabemos, mas quiçá não nos
sejam de muito interesse por não serem a base, nem as suas línguas, o substrato
da futura língua galego-portuguesa.
A língua
galaico-lusitana poderia ser identificada como uma língua celta ou proto-celta
como nos comenta Armada Pita (1999:260-263) mais ainda nos fornece a ideia de
ser a partir do conhecimento das línguas celtas que pode ser possível a tradução
dos textos conservados. A compreensão dos mesmos reafirma o parentesco entre
esta língua da que estamos a falar com o celta antigo.
A
identificação como língua celta é discutida, no entanto, por alguns autores
argumentando que algumas palavras possuem um /p/ inicial inexistente neste
grupo de línguas, tanto nas atuais como nas antigas.
Mas é o
professor valenciano Xaverio Ballester (1998:65-82) da Universidade de Valência
quem nos diz:
"O problema na realidade não é a presença linguisticamente incorreta do /p/,
mas, dir-se-ia, a posição geograficamente incorreta do lusitano. Se essa
mesma documentação que possuímos para o lusitano aparecesse, por exemplo
nalguma zona próxima aos Alpes, previsivelmente a linguística indo-europeia
tradicional consideraria tal documentação uma testemunha da primeira pola
separada da árvore céltica, dessa fase ainda com /p/ que por ser língua
indo-europeia, reconstruímos como célticas."
O parentesco
com o celta comum parece maior do que se aguardava, portanto.
Diz-nos ainda a
professora Fdez-Albalat (1996:39):
"Segundo a
minha opinião, estamos perante uma rama celta possivelmente anterior à divisão
entre goidels e britons ou bem uma terceira rama de tipo arcaico"
Atendendo para
o trabalho de Robert Omnès (1998:247-268) professor da Universidade de Brest, o
galego-português tem uns importantes elementos substráticos celtas que
determinariam a nossa língua como um “patois”
celto-latino. Alguns (e só alguns) desses elementos seriam os seguintes:
1- Léxico (ver o
apêndice n.º 1 da Gramática elemental del gallego común de Carvalho
Calero)
2- Semântica:
- Preferência pelo verbo ser em vez de ter em frases possessivas do tipo:
O jardim é meu (galego-português)
Y mae gardd gennuf i (galês)
- Uso da forma levantar (sevel em bretão) com o sentido de “construir”
Levantei uma casa (galego-português)
Sevel eun ti (bretão)
Por
exemplo em francês seria construir une maison ou no espanhol construir
una casa
3- Fonética e
Fonologia
- O /k/ implosivo devém num iode ante /t/ explosivo como em irlandês
noctem>noite; octo>oito
- Em galego-português os ditongos descendentes são os mais numerosos, o que se explica pelo modelo silábico céltico
- Evolução dos grupos cl-, pl-, fl- iniciais: clamare>chamar; plorare>chorar; flagrare>cheirar
- A metafonia que Rafael Lapesa (1991:44) identifica como celta:
tenebat>tinha Mestr (sg.)/Mistri (pl.): “mestre”
em bretão
molinum>moinho Bran/Brini: “corvo” em bretão
4- Morfossintaxe
- A repartição dos géneros: os nomes das árvores som femininas em galego-português e em bretão
- O cal, o labor, o nariz, o sal, o mel, o leite, o sangue, o cume... como em bretão (por exemplo em outras línguas latinas como o espanhol são palavras femininas)
- A mesma forma pode ser utilizada pelo adjectivo qualificativo e o advérbio tanto em bretão como em galego-português
Henned a labour mad (bretão). Traduc: Ele
trabalha bem
Tem bem anos (galego-português)
- O durativo no infinitivo:
Estou a trabalhar (galego-português)
Rydw i’n gweithio (galês)
Emaonn o labourad (bretão)
Taim a(g) dul Traduc: Estou a ir
(irlandês)
O
galego-português é a única língua romance que partilha esta característica com
as línguas célticas
- Perguntas e respostas: em galego-português as respostas não são “sim” ou “não”. Exemplo em gaélico escocês:
- Rapaz, tens fome? - Ydy’r bwyd yn barod?
Traduc: Está o jantar pronto?
- Tenho! -
Ydy! (Está!)
- etc
Conectando,
portanto com a Teoria da Continuidade Paleolítica formulada pelos professores
M. Alinei e F. Benozzo, o galaico-lusitano viria ser a língua da qual
derivariam as outras línguas célticas e o ocidente da Península Ibérica o seu
berço.
Para o
professor Higino Martins Estêvez, em entrevista concedida ao Portal Galego da
Língua em 13 de Dezembro de 2008 com motivo da apresentação do seu livro As
Tribos Calaicas. Proto-História da Galiza à Luz dos Dados Linguísticos, a velha língua céltica da
Galiza pôde ter ressistido viva até aproximadamente o ano 1000 momento no que
começou o seu declínio real. Também no-lo diz neste seu livro (2008:151) quando
falando de Ogrobe onde nos comenta:
OKOBRIXS
“Castro da Ponta” pode nascer antes ou trás a conquista (romana), pois a
língua céltica subsistiu, sem registos fora da toponímia, em todo o primeiro
milénio cristão.
Ainda o
nosso professor diz no seu livro quando fala da etimologia do antropónimo Urraca (2008:529):
b) os montanheses
iletrados da cornija cantábrica ainda falavam céltico. Somente ficarom rastos
toponímicos (só se escrevia latim); o que não era latim era invisível, mesmos
os romances. Da Orracas de reis surge a língua estar viva nos sécs. IX e X
c) O Reino de Leão (sequela da Gallaecia para os cristãos e muçulmanos)
era âmbito rude e iletrado. Os montanheses que só falavam céltico –arcaico e
próximo do gaélico- nessa língua residual chamavam Esposa por excelência à do
rei. Até o século XII só era dado a rainhas por casamento. Então aparecem desse
nome duas rainhas per se. Petronila-Orraca é dúbia: ementam a mudança de nome e
a seguir o matrimónio com o conde de Barcelona. A castelhana, rainha de 1109 a
1126, a meu ver já demonstraria a opacidade: em céltico chamariam *RIGANI, não
*WRAKKA”
d) não se vê
diferença entre cântabro e calaico: a voz é compartilhada pela cornija
cantábrica (369)
e diz a pé
de página:
369 Nem entre calaico e
lusitano, cf. Promontorium Artabrum (Plinio IV 113), Cabo da Roca. Norte
da foz do Tejo
e continua
na página 543:
Os anos 944 e
1097 notam justo o ponto final do sistema linguístico céltico na cornija
cantábrica.
Acrescenta na
sua entrevista que mesmo em algumas regiões do nosso país, nomeadamente os
Ancares pudo ter durado mais quatro ou cinco séculos. A sua conclusão vem dada
pola etimologia dum nome de família exclusivo dos Ancares, como é Deiros o qual só pode ser interpretado
apartir dum nome céltico testemunhado na Irlanda.
Roma entra na Kalláikia:
No século II
antes de Cristo o imperialismo romano no seu afã de alargar o domínio sobre a
península toma contacto com os lusitanos. São momentos de sofrimentos e guerras
nos que os povos do norte do Douro participam como se com eles fosse, razão que
nos faz pensar na unidade étnica galaico-lusitana que Roma quebrou por razões
políticas para o seu projeto imperial.
Decimus Junius
Brutus, entre o 139 e o 137 a.C. passa-se para a ribeira direita do Douro após
uma feroz batalha, como nos conta Casimiro Torres, na que morrem segundo fontes
romanas mais de 60.000 soldados galaicos, fazendo que o rio se tinja de
vermelho.
São os
habitantes da foz do Douro, os Kaláikoi, os que lutam contra os romanos e os que
a partir de agora vam dar o nome a todo o país ao norte do rio que eles chamam
“Dwórios” ou “das Portas” ou “das Portelas” segundo nos traduz o linguista e
celtista galego-argentino Higino Martins Esteves (2008:17).
Brutus chega
até o Minho (rio “do Tesouro” ou “da Riqueza”), segundo Martins Esteves
(2008:337) levando a guerra aos povos marinheiros do atual norte de Portugal,
mas é sobre a sexta década do século I a.C. quando Caesar, Julius Caesar, chega
por mar desde a Gália à costa galaica até Brigântia tentando submeter de forma
definitiva os Kalláikoi.
Isto não vai
ser fácil nem possível até que o seu sucessor Augusto desenvolva as guerras
cântabras e acabe, embora não definitivamente, com o problema que lhe
ocasionavam os povos do norte da península.
É no 22 d.C.
segundo o professor Pedro López Barja, num trabalho feito num livro coordenado
por Sanchez Palencia e Julio Mangas (2000:36) quando no monte Medúlio os
galegos após intenso assédio morrem envenenados pela sua própria acção de
ingerirem seiva do teixo antes de se deixarem capturar pola escravatura que
Roma lhes tinha reservada.
No
desenvolvimento dessas guerras chamadas Cântabras as últimas batalhas pela
conquista do território do Noroeste têm lugar nas montanhas mais afastadas e
mais inacessíveis. Ao tempo que se produz o desastre do Medúlio, e quase
paralelamente, os astures são também vencidos pelo Império no Mons Víndius
situado no cordal Cantâbrico fazendo com que finalmente a totalidade da
península se passe ao domínio romano constituindo uma nova província dirigida
diretamente pelo imperador Augusto com o nome de “Transduriana”, como nos diz o
autor acima citado, Pedro López Barja. Esta província integrava os novos
territórios conquistados e habitados por cântabros, astures, lucenses e
bracarenses. Segundo ele, essa província duraria desde o 22 a.C.
aproximadamente até o 13 a.C. momento no que desapareceria integrada
provavelmente dentro da Lusitânia (2000:31-45).
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NOTA: A FIGURA DO GUERREIRO GALAICO QUE APARECE NESTE ARTIGO É DA AUTORIA DE CARLOS ALFONSO FEITA COM MOTIVO DA ASSESSORIA QUE O PROFESSOR ANDRÉ PENA GRANHA FEZ NA GRAVAÇÃO DO FILME "GALLAICUS".
NOTA: A FIGURA DO GUERREIRO GALAICO QUE APARECE NESTE ARTIGO É DA AUTORIA DE CARLOS ALFONSO FEITA COM MOTIVO DA ASSESSORIA QUE O PROFESSOR ANDRÉ PENA GRANHA FEZ NA GRAVAÇÃO DO FILME "GALLAICUS".
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