Por David Outeiro
José Luís Lozano Rua é um homem humilde, mas conhecedor e sabedor do valor do nosso património. Há algo mais dum ano ele fez um achado importante. Trabalhando uma das suas leiras junto com o seu irmão deu com uma pedra enterrada que resultou ser uma "estela" com petróglifos e mais alguns outros elementos dignos de ser tidos em conta por uma administração que não só não atende aquilo que os galegos herdamos do passado mas que mesmo destrói o nosso legado ancestral. O fim da administração? Talvez seja muito arriscado dizer que não quer que exista o nosso passado porque não quer que existamos no futuro?....
Vamos ver que opina o nosso Homem da Pedra:
Quando e onde é que apareceu o
jazigo? Como é que fizeste o achado? foi casual?
O de jazigo é uma nova palavra
para mim, suponho que é mais correcta do que achado, mas vou usar esta.
Tentarei de responder por ordem e não repetir as cousas. Eu faço isto desde um telemóvel, com o qual não tenho capacidade de ler em conjunto todo o que escrevo, para além dum pequeno parágrafo. Uma vez isto fica dito, lá vamos. Começo respondendo às duas primeiras de vez.
A leira onde apareceu a estela,
está enquadrada no termo chamado da Pedralta. Não se sabe a sua antiguidade,
mas sim a sua origem, a própria estela. No ano 2009, meu irmão, o proprietário
desta leira, mandou-a lavrar a um vizinho de Vilamaior, uma aldeia próxima. O
trator que usou é mais potente do que o nosso e aprofundou mais no terreno do
que já tinha feito em outras vezes anteriores. Com isto quero dizer que o
achado foi totalmente casual e o vizinho não lhe deu mais importância do
devido, excetuando o dano causado no apeiro. Este labor foi feito em primavera
e não foi até o outono -acho que foi novembro-, quando fui dar um passeio até o
rio da Veiga, nome que lhe damos ao Tâmega. Desde a estrada de terra por onde
ia eu, chamou-me a atenção aquele penedo, numa margem da leira. Uma pedra de
granito, um perpianho distante uns cem metros de mim. Nesta margem do rio não
há granito, só xisto (lousa), por isso o raro do assunto. Quando me aproximei
para vê-lo melhor, o sol-pôr estava próximo, como muito a uma hora de luz. Essa
luz que lhe dava à pedra, quase esguelhada, permitiu-me ver uns gravados desde
longe, talvez uns quinze metros. O coração deu-me um pulo no peito. Aquilo era
um petróglifo ali, saindo da terra! Isto pode parecer exagerado, inclusivamente
poético, mas foi como sucedeu. O significado desses gravados não os soube até
muito tempo depois.
Há máis jazigos arqueológicos
nessa zona? há alguma lenda?
As estradas e pistas que hoje percorrem esta terra, não se correspondem com as anteriores à concentração parcelar dos anos 60/70. O mais provável é que a estela fosse quebrada e sepultada nessa época. Nas proximidades da Pedralta há outros termos, como o Castro, onde houve uma vila romana ou São Martinho, onde houve uma capela do mesmo nome e uma necrópole romano-sueva segundo os restos achados, vários sartegos e uma ara com o nome do primeiro homem empadroado nestas terras: Júlio Caro Tamagano. Neste ponto quero dizer, que a estela do Guerreiro também deixa constância doutro homem, mil anos anterior a este. Somente que a escritura é diferente. Pode-se dizer que hieroglífica no que diz respeita dos símbolos gravados. A estrada desde onde vi a pedra-estela leva o nome de Corredoira. Transcorre em direção Norte-Sul, quase paralela ao rio. Quinhentos metros ao norte, por arriba de São Martinho, está o castro da Cabanca, prospetado por Tavoada Chivite nos anos 50/60. No que diz respeito das lendas, estão as típicas de castros e mouros que falam de túneis até o rio e cousas assim.
Qual foi a reaçao do pessoal de Castrelo quando soube da
estela e qual a dos responsáveis do património, dos arqueólogos e
profissionais?
Agora passamos às pessoas. No povo não se faz muito caso deste achado, não porque não tenha importância, mas porque não se sabe avaliar essa mesma como património local e como possível fonte de recursos. A vida rural não deixa muito tempo para interessar-se noutras cousas. Desde o concelho de Castrelo, desde o primeiro momento passou o mesmo e quando vieram técnicos e arqueólogos datar, estudar e catalogar o achado já foi tarde. Isto não é uma opinião pessoal, é uma realidade comum a muitos temas, sobre tudo culturais. A cultura não dá de comer, portanto não é importante.
Resumo um pouco as voltas que me tocou dar desde o ano 2009. Nomear neste ponto a Bruno Rua, um amigo que tem um pequeno guia arqueológico da comarca e que foi o primeiro a quem lhe falei da pedra-estela naquele mesmo mês de novembro. Ele não soube ver as caraterísticas do achado, penso que condicionado pelas suas leituras, onde as estelas não existem no mundo castrejo, as influências celtas são posteriores, e a cultura atlântica não é tal.
Todo isto que falo também não o
conhecia eu, no entanto a feição da pedra sempre significou algo para mim,
desde o primeiro momento. Um homem jazendo, uma tumba, nunca um guerreiro de
pé, talvez uma figura ou lembrete de algo...
Continuemos. Quando finalmente,
por meio de Bruno, vieram dous arqueólogos que andavam a fazer um estudo em
Verim -Alberte Reboreda e Breogam Nieto- a ambos lhes surpreendeu a pedra. No
entanto não falaram da sua importância nem de que era única em Galiza. Uns dias
depois voltaram com um experto e o que eu pensei um técnico de património que
se manteve em segundo plano. Geraldo (ou António, não lembro agora) Seara,
diretor de património na província de Ourense. O experto é António de la Peña
Santos, penso que diretor do museu de Ponte-Vedra e grande 'conhecedor' dos
petróglifos galegos. Aqui começa o desencontro, digamo-lo así, entre aldeãos e
património. Em primeiro lugar, depois de acordarmos avisar ao Concelho e interessados
da sua chegada, não o fizeram. Após aguardar uma chamada, ao vereador de
cultura, José Luís Santiago e mais eu, decidimos nos achegarmos a Pedralta... e
surpresa!, quatro pessoas estavam a fotografar a estela in situ, e pareceu que
a nossa chegada lhes produzia incomodo. Depois de alguns comentários fora de
lugar e com muita pressa, acedeu-se ao traslado da estela ao pequeno museu
etnográfico de Castrelo do Vale. As pressas nunca foram boas, disse o sapo
quando caiu do valado e assim foi. No dia seguinte deu-se a noticia na imprensa
e na televisão, sem nos dar tempo ao concelho e demais de tentar fazer as
cousas doutro modo, algo que nos prejudicou ao longo desse ano e deste que
remata. O tira e afrouxa continua.
Na túa opinião, onde deveria
de estar a estela?
Não sei como fiar uma cousa sen
outra. A ideia seria conservar o que se possa, os moinhos e represas, os
lagares e caminhos, o próprio castro da Cabanca, ou a necrópole. Quando isto
começou, há já dous anos, que parecem dez, falamos entre Bruno e eu de fazer
uma área de interpretação no lugar da Pedralta. Um projeto a longo prazo,
talvez trinta anos... Eu continuo com a ideia. Depois com o Miguel, passeando
pelo castro, falamos de roteiros incluídos no projecto. Com Neves Amado a
possível escavação da necrópole, restos suevos e romanos e provavelmente mais
antigos e a estela como base da ideia. Sem ela não há nada.
Opino que a estela deve ficar na
vila de Castrelo, no museu ou na sua ubiquação original. Não é minha intenção
deixar de cumprir uma lei, que diz que esta e outras peças devem estar num
museu. O feito de que se vaia embora a estela para Ourense é quase um roubo.
Não só duma parte da historia de Castrelo e da comarca do alto Tâmega, também
duma oportunidade única de melhorar a situação precária deste Concelho, das
suas gentes. Uma pequena peça no mundo da arqueologia, mas uma peça fundamental
no mundo rural.
Bem, verei se a imprimo ou a repasso. Se queres fazer alguma outra pergunta, aqui estou. Seguro que me queda algo no tinteiro, hei de buscar um par de nomes e apelidos para acrescentar.
Sobre as lendas, há uma referida
à necrópole. Um vizinho diz que havia três povos, o castro, a vila romana, e o
povo atual. Conta que vinham enterrar-se de trinta léguas à redonda ao São
Martinho. Quase nada.
Sobre os crânios, há quem lembra o facto e falaram-me duma cabeça de raposo que veio do castro.
Fala-nos dos problemas que
tiveche com a “Xunta de Galicia”?
Quando chegou a Castrelo do Vale o director do museu arqueologico de Ourense, vinha com a ideia de levar já a estela. Cousa que não pôde fazer por vários motivos. Entre eles o feito de que a estela se achava na casa familiar dos meus pais, onde eu lhe ia preparar uma base para expô-la no museu etnográfico. Dá-se a circunstância de ser eu filho de carpinteiro. Fazedor de carros e cubas o meu pai e de exercer o ofício de ferreiro, com o qual me ofereci voluntário para esse cometido. Esta situação não foi do agrado do diretor, de quem não lembro o nome, e decidiu apresentar uma denúncia que levou a abrir um expediente administrativo, onde se me acusou de 'sequestro' de bem patrimonial, com uma possível multa da que se fizeram eco os jornais, sempre sedentos de titulares. Depois de recolher assinaturas na comarca, de apresentar-se diversos escritos atenuantes desde o concelho e de senhas cartas enviadas ao Valedor do Povo e ao Defensor del Pueblo (um dado curioso foi que desde Santiago e desde Madrid, com a mesma lei, um aceitou a petição e o outro não). Bem, depois desse, digamos, movimento de peças, veio um homem desde Santiago, Roberto Pena (não sei justo qual é o seu cargo, desculpe-se o meu desconhecimento), com a ideia de conciliar posturas.
Salto de novo a pergunta. A ver se acarão do fumeiro me saem as respostas.
Vou pela oito, para falar de prós e contras.
Quem te apoiou?.
Desde o princípio houve muitas
pessoas que se interessaram pelo achado dum ponto de vista pessoal e académico.
Em primeiro lugar, o meu amigo Bruno Rua, que se plantou com argumentos
irrefutáveis sobre a permanência da estela em Castrelo do Vale. Em especial
Miguel Losada, pessoa envolvida em qualquer projeto cultural, que fale de
conservar tradição ou mostras da nossa historia. Neste ponto falar de Manuel
Gago, quem desde a notícia dada na imprensa, apoiou o seu estudo e estadia no
povo onde foi feita e posta em pé; a arqueóloga Neves Amado, que respondeu com
firmeza todas as minhas perguntas. Mais pessoas se foram conhecendo a partir
destes quatro nexos, com maior ou menor interesse na particularidade do achado.
Nas últimas datas, começando por ti, David Outeiro, José Manuel Barbosa e a
partir dele André Pena Granha.
Quando estive a recolher assinaturas pela comarca, as primeiras foram no escritório de Correios, onde a resposta foi positiva e me animou a continuar. Depois em locais comerciais e de hostelaria, quase todos conhecidos meus. Nomear ao Miguel e ao Suso, que se envolveram e recolheram um bom monte de assinaturas entre os dous. Falar duma moça, que pus em risco o seu posto de empregada, por uma causa que ela considerava justa. Visitei também várias escolas, onde firmaram a maior parte de mestres e mestras, ainda que logo não quiseram fazer mais nada, como uma visita ao Gaias que eu lhes propus...
Quando estive a recolher assinaturas pela comarca, as primeiras foram no escritório de Correios, onde a resposta foi positiva e me animou a continuar. Depois em locais comerciais e de hostelaria, quase todos conhecidos meus. Nomear ao Miguel e ao Suso, que se envolveram e recolheram um bom monte de assinaturas entre os dous. Falar duma moça, que pus em risco o seu posto de empregada, por uma causa que ela considerava justa. Visitei também várias escolas, onde firmaram a maior parte de mestres e mestras, ainda que logo não quiseram fazer mais nada, como uma visita ao Gaias que eu lhes propus...
Agora um apontamento do rechaço
ou desinteresse de certas pessoas, que na minha opinião deveriam, quando menos,
interessar-se. Num instituto de ESO, os papeis 'extraviaram-se' duas vezes,
depois soube que os professores de história decidiram não assinar em bloco.
Algumas pessoas que não assinaram argumentando diferentes razões, cada qual
mais curiosa. E por último, o caso que mais salientamos: Uma visita ao concelho
de Verim, uma conversa com a pessoa responsável de Cultura desse concelho. Isto
foi em Abril de 2012, quando a notícia se deu a conhecer um ano antes. A resposta
à minha petição de apoio, foi contestada com un contundente " não sei
nada'. Esta resposta, para além de me deixar frio demonstrou-me o interesse
certo das administrações na cultura.
Onde é que está atualmente a estela? Sabes qual é o que
pretendem fazer com ela num futuro?
Teve lugar uma reunião na Câmara Municipal (tentações tenho de pôr “inquisitorial”), entre as partes interessadas. Decidiu-se um convénio, só verbal, de ceder durante un ano a custódia da estela ao Concelho, prorrogável mais tempo se assim se decidia. Também envia-la à exposição “Gallaecia Pétrea”, durante o tempo que esta dura-se. Nesse intervalo de tempo, o Concelho levaria a cabo a habilitação duma sala no pequeno museu etnográfico da localidade, cousa que está sem fazer, depois de seis longos meses, porque pode que esse convénio verbal não seja válido. Como se diz: não é vinculante de qualquer jeito. Se quiserem desde património cumpre-se e se não, não há nada que fazer.
Tens algum projecto atualmente
ou de futuro?
A recolhida de assinaturas foi o começo do caminho. Posto que não há resposta por parte de concelhos e equipas docentes. Nem da gente do comum, longe de assinar, decidi procurar apoio em associações culturais doutras partes de Galiza, ou da Gallaecia, pois fui a Chaves e à Póvoa da Seabra. Vendo o que se faz em Lugo com Trebas Galaicas, em Santiago com O Sorriso de Daniel ou a Gentalha do Pichel, ou a associação de Amigos dos Castros, Penas Mouras, o Galo..., por nomear algumas. Seguindo esse exemplo, quis formar uma associação cultural na Vila de Castrelo do Vale, algo que por enquanto não tem sido possível por varias causas. Curiosamente, eu sempre fui amante da natureza, graças ao grande Félix Rodríguez de la Fuente e durante este ultimo ano dei-me conta que a conservação do património pode e deve ir unida a conservação do espaço que criou esse património, tanto natural como imaterial... às tradições e costumes, ao jeito de aproveitar os recursos naturais, à forma dos próprios rios e montes... Todo isto conforma uma cultura, um modo de vida e à gente.
Não quero voltar ao século dezanove, nem há três mil anos, no entanto pode-se cuidar o contorno em lugar de usá-lo e com ele cuidar essa nossa cultura e história. Algo tão simples como limpar os caminhos antigos ,cheios de silvas e tojos, às margens dos rios, com o mesmo problema, os montes, invadidos de espécies forâneas que literalmente esgotam e envenenam a terra, ou manter em pé moinhos, lagares, pressas, que foram construídas pelos nossos antergos. Ruínas que falam, não de quem fomos, mas de quem somos hoje e não permitirmos que a nossa história e cultura esmoreçam a prol dum progresso nocivo e destrutor do espírito humano.
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