segunda-feira, 4 de novembro de 2024

As Bandeiras Ibéricas. Navarra . Capítulo 9

 

Por Katuro Barbosa

As representações mais antigas do pendão do Reino de Navarra datam de 1194, em tempos de Sancho VII e apresentam uma águia que substituía uma figura equestre apresentada no reinado de Sancho VI sem mais emblemas heráldicos. Posteriormente, a figura equestre aparece com um escudo em que porta a águia.

A origem da águia é discutida por alguns heraldistas bascos que asseguram que é um emblema dos Ximenos, família de origem vascão e também conhecida como a Dinastia Abarka. Patxi Zabaleta diz que a arrano beltza (1) é o emblema dos reis de Navarra desde Eneko Aritza (Iñigo Arista para a historiografia espanhola tradicional) até Sancho VII (Antzo VII.a Azkarra, para a historiografia basca) e portanto, foi o pendão real do Estado basco medieval com o nome de Reino de Navarra ou Nafarroako Erresuma.

O heraldista espanhol Faustino Menéndez-Pidal, sobrinho de Ramón Menéndez-Pidal, afirma que o emblema procede da simbologia da família da avó paterna de Sancho VII, Marguerite de l’Aigle, de origem normando e esposa do rei Garcia Ramirez. O facto de ser o apelido familiar Aigle águia em francês, explica a razão pela qual é uma águia o símbolo dinástico como símbolo parlante. O próprio Sancho VII, no final da sua vida utilizava um pendão que incluía a arrano beltza sobre um suposto fundo amarelo ao que, com o tempo, se lhe acrescentou um leão, símbolo heráldico do seu avô, o Imperador Afonso VII, pai da sua mãe Sancha. A Casa Real navarra, existente na atualidade, confirma esta teoria.

Esta simbologia foi resgatada durante o século XX pelo político nacionalista Telesforo Monzón, cuja interpretação pessoal fez recriar esta bandeira com a Arrano Beltza sobre fundo amarelo. Esta cor amarela do corpo da bandeira, parece aleatória segundo alguns historiadores, que como Erlantz Urtasun Anzano, afirmam que pode ter a ver com o tecido de linho que se torna amarelo devido ao envelhecimento causado pela passagem do tempo, o fumo das candeias e do papel de linho onde apareceu a silhueta da águia donde Monzón tirou o modelo. De qualquer maneira, se essa cor proceder da família De l’Aigle, comprovamos que o símbolo heráldico desta casa nobiliária sobre fundo amarelo é a certa, pelo que estaria aqui a explicação, por outra parte, confirmada pela Casa Real navarra atual, chefiada pelo candidato ao trono de Navarra, Pedro II de Bourbon Duas Sicílias (2)

Muitos heraldistas afirmam que o fundo da arrano beltza não deveria ser amarelo, mas vermelho, cor tradicional da Casa de Navarra. Portanto, atuais vexilólogos e não poucos nacionalistas mantêm a estética da águia preta sobre fundo vermelho que aparece em ocasiões em manifestações navarristas ou basquistas.

Mas o pendão das cadeias surge de forma lendária em 1212, com motivo da Batalha das Navas de Tolosa, quando Sancho VII participa no ataque às tropas muçulmanas de Maomé Ánacer(3), o Amir al-Mu'minin junto com Afonso I de Castela (4) e Pedro II de Aragão.

A lenda narra como as tropas do rei navarro, aproveitando a rutura dos flancos almóadas pelas tropas castelhanas e aragonesas, consegue penetrar na peanha onde estavam situados o Califa e os nobres muçulmanos que o acompanhavam, defendidos pelos Imesebelen, a Guarda Negra, que estava formada por um grupo de agressivos e corpulentos escravos-guerreiros senegaleses atados por cadeias das que não podiam livrar, vestidos só com uma simples tanga e armados com uma lança muito cumprida. Sancho VII consegue quebrar as cadeias do cercado da peanha, sustentadas por grandes varas e vencer os gigantescos guardiões africanos. Como lembrança da gesta, a lenda diz que o rei navarro decidiu incorporar as cadeias ao pano vermelho que lhe servia de pendão. Na realidade, esta mudança foi feita posteriormente pelo sucessor de Sancho VII, o seu sobrinho Teobaldo I, e a realidade diz que não são cadeias as que figuram no escudo histórico de Navarra, mas os reforços metálicos de cor dourada situadas no escudo aos que se acrescente uma esmeralda verde, igualmente lendária, que tinha no turbante o Califa almóada, a quem lhe foi tirada como botim. 


O tempo consolidou esta imagem, a qual foi utilizada pelo rei navarro João de Albret quando quis reconquistar a Navarra ocupada pelas tropas castelhanas em 1512. Da mesma maneira, foi usado pelas tropas navarras em épocas posteriores, quando a Casa Real navarra acabou fundindo-se com a Dinastia Capetiana, titular do trono francês. Posteriormente, quando os pendões reais acabam sendo bandeiras, quer dizer, representações de nações ou de Estados e não símbolos heráldicos familiares, a partir do século XVIII, a bandeira de Navarra de cor vermelha com as cadeias em dourado e a esmeralda verde no meio consegue conservar-se, embora não oficialmente, como representação histórica do Reino de Navarra. Só a partir de 1910 em que a Deputação Foral recupera esta simbologia é quando recupera a oficialidade, mas é durante a II República que a própria Deputação Foral quem substitui a coroa real do escudo por uma coroa mural republicana.


Mas outra mudança vai acontecer nos anos 30’s, pois por Decreto do Chefe do Estado em 1937, durante a Guerra do 36, recuperou-se o escudo monárquico ao que se lhe acrescenta a Cruz de São Fernando. 

Assim vai permanecer essa simbologia como bandeira provincial até a Reinstauração Bourbónica em que será modificada novamente para adequá-la à nova legislação da Espanha de João Carlos I de Bourbon em que as autonomias entram na legalidade constitucional e Navarra acaba convertendo-se em mais uma Comunidade Autónoma com a categoria de Comunidade Foral. Em 1981 perde a Cruz Laureada de São Fernando e acrescenta a coroa boubónica. Esta é a bandeira oficial atual de Navarra.

Dentro do movimento independentista de esquerda, assume-se a bandeira sem a coroa, como símbolo de uma das Zazpiak Bat (5)

Mas também há uma outra representação vexilológica não oficial, mas existente nos movimentos políticos navarros, que é a bandeira que reúne toda a simbologia histórica: o fundo vermelho, as cadeias douradas e a águia preta, embora também uma coroa real navarra. É este o movimento legitimista navarro que reclama a recuperação do Reino de Navarra na figura do seu rei legítimo Pedro II


1 Arrano Beltza significa literalmente em basco aguia preta

2 Pedro Juan Maria Alejo Saturnino y Todos los Santos de Borbón Dos Sicilias, Orleans, Borbón Parma, y Orleans-Braganza.

3-O Miramolim (Amir al-Mu’minin أمير المؤمنين), Príncipe dos crentes, figura de referência política e religiosa dos almóadas andaluzis.

4 O oitavo, segundo o cômputo tradicional da historiografia castelhana, mas o primeiro segundo cômputo real. Afonso VIII de Castela é na realidade o Afonso I de Castela. Antes não houve Afonsos de Castela, se não incluímos Afonso VI e Afonso VII o Imperador, não desejados pelos castelhanos, ou se não acrescentamos Afonso I, o Batalhador, rei de Aragão, que governou Castela sendo aceite pelos castelhanos, mas nunca coroado como tal perante a legitimidade da Urraca I.

5 Zazpiak bat, significa em basco, literalmente, sete em uma, lema pelo qual se reclama a unidade dos sete territórios bascos, sendo um deles o espaço histórico navarro com a sua simbologia.




 



 



 

sábado, 2 de novembro de 2024

O Magusto (e não "Samaín"): a autêntica tradição celto-galaica

 

A tradição Celta apresenta quatro festas que coincidem com o ponto central de cada estação, cujos nomes são: Samhain, Imbolc, Beltaine e Lughnasadh, mas esses nomes são gaelicos e não têm qualquer tradição galega, nem sequer são nomes de tradição britónica (galesa, córnica ou bretã) cujos nomes são outros e não por isso são menos celtas. O que têm tradição são as festas por si próprias cujos nomes galegos são:

Magusto (11 de novembro),

Entrudo ou Entroido (festa de fevereiro)

Maios ou Maias (festa de Maio)

Seitura ou Centeada (esta última corresponde com a festa do verão do 15 de agosto que se celebra em todas as paróquias galegas, portuguesas, asturianas e leonesas).

Nas diferentes tradições célticas britónicas os nomes são os seguintes:

(Festa de novembro) Calan Gaeaf (C), Kalan Gwav (Ker) y Kalan Goañv (B).

(Festa de fevereiro) Gŵyl Fair y Canhwyllau (C), Gong Puja (Ker), Emwalc'h (B).

(Festa de maio) Calan Haf/Cyntefin (C), Kallan-Mae/Obby Oss (Ker), Kala-Mae (B).

(Festa de agosto) Gŵyl Awst (C), Golowan (Ker), Gouel Eost (B).


(C=Cymru, Walles, Gales; Ker=Kernow, Cornwall, Cornualha e B=Breizh, Bretagne/Brittany, Bretanha)

A roda do ano céltico em britónico galês

A evidência da correspondência nos dias só há que comprová-lo observando um calendário de outubro de 1582, quando se fez a mudança do Calendário Juliano, para o Gregoriano. Assim do 4 de outubro, passou-se ao 15 de outubro. Com um pequeno exercício contável observaremos que o 1 de novembro juliano corresponde ao 11 de novembro gregoriano atual, com o qual relacionamos imediatamente a data tradicional da festa em questão, que na tradição galaica e portanto galego-portuguesa, recebe o nome de Magusto e variantes, na gaélica Samhain e variantes e na britónica Calan Gaeaf e variantes

Se pomos um nome irlandês (nem sequer gaélico escocês ou manx) é porque Irlanda é um país independente e tem um relato próprio, referência do mundo celta internacional. Se nós tivéssemos relato chamaríamos a estas festas com o nosso nome, não "Samaín", que é uma péssima cópia do original "Samhain"... (aliás a pronúncia é "xouim", não samaín). E, infelizmente , isto vai às escolas para criar galegos que nem vão saber no futuro que era o Magusto (vão pensar que os seus avós celebravam uma festa gastronómica com produtos de temporada), nem vão saber que o português era o nosso galego quando este desaparecer da Galiza. 

 




Um galego, autor do Amadis de Gaula?

Por Katuro Barbosa

Sem dúvida, todos conhecemos a famosa obra literária medieval cujo título era o Amadis de Gaula. Obra de referência dos romances de cavalaria, na moda durante os finais da Idade Média e inícios da Idade Moderna, os quais serviram para fazer enlouquecer ao Alonso Quijano, quem tinha o Amadis como principal livro de cabeceira. A versão mais antiga conservada é dum autor castelhano de Medina del Campo (Valhadolid... ou Veladolide, como escreve Afonso IX, o Sábio?), Garci Nuñez de Montalvo, que adaptou a obra ao castelhano a partir do galego-português original a finais do século XV, aproximadamente, durante o reinado de Sancho II de Galiza e III de Castela, mas numerado como Sancho IV pela historiografia castelhanista, Rei que herdou o trono do seu pai Afonso IX. Aos três livros originais, foi-lhe acrescentado um quarto livro com uma importante mudança do final e ainda um quinto livro posterior, como sequela dos livros anteriores. Estes acréscimos narram as aventuras do filho do Amadis, que chega a uma ilha da Índia, denominada Ilha de Califórnia, nome originado nos conquistadores castelhanos do século XVI que tinham a ideia de que esta terra americana era uma ilha. Isto favoreceu uma expedição, chefiada por Francisco de Ulhoa, de muito provável origem galega, que serviu para negar a insularidade da Califórnia e reafirmar a sua condição de península. O Amadis era muito conhecido na altura, pelo que foi objeto de estudo por parte de alguns intelectuais, entre eles o bibliotecário da Livraria Real portuguesa em tempos de Afonso V, Gomes Eanes de Azurara, que viveu umas décadas antes de Garci Nuñez de Montalvo, e que reafirmou a origem linguística galego-portuguesa da obra numa das suas Chronicas, assim como desvelou a identidade do seu autor. Segundo Eanes de Azurara, a obra foi escrita por um tal Vasco de Lobeira, ideia que prevaleceu até o século XIX em que o descobrimento das cantigas do Cancioneiro de Colocci-Brancuti, hoje denominadas como Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, descobriram um poema incluído no texto e conhecido como “Leonoreta” da autoria de João Pires de Lobeira. O poema em questão aparece, nem só nas Cantigas guardadas durante séculos em Ancona, mas também na versão castelhana do Amadis, pelo que se deduziu que o tal João Pires de Lobeira, poderia ser o autêntico autor da obra.

Mas procurando na origem da família dos Lobeira, que tanto eram o Vasco de Lobeira como o João Pires de Lobeira, procurei no Armorial Lusitano de Genealogia e Heráldica publicado em 1991 pela Editorial Enciclopédia de Lisboa a origem do nome de família e disse-me:

Família de origem galega que tem seu solar na quinta da Lobeira, comarca de Ponte Vedra, procedente de Rodrigo Sanches de Lobeira, primeiro bispo de Compostela. Passaram a Portugal no tempo dos primeiros Reis. Pedro Soares de Alvim, que primeiro se chamou da Pousada, por viver na quinta deste nome, na freguesia de São Miguel de Carvalho, concelho de Celorico de Basto, foi contemporâneo de D.Afonso III, casado e com geração legítima. Teve um filho natural por nome João Pires de Lobeira, que a instâncias suas e do bispo de Lisboa, D. Aires Vasques, foi legitimado pelo mesmo Rei a 6 de Maio de 1231. Não se conhecem Lobeiras na ascendência de Pedro Soares de Alvim, pelo que é natural ter aquele apelido vindo ao filho pela parte materna, que se desconhece qual haja sido. O bispo D. Aires Vasques devia ser parente de João Pires de Lobeira, pois não somente se interessou pela sua legitimação, mas o deixou herdeiro dos bens que possuía. Supõe-se que os Lobeiras portugueses provenham deste João Pires de Lobeira.

Conclusão: Para além do erro de nomear primeiro bispo de Compostela ao tal Rodrigo Sanches de Lobeira, só comentar cinco cousas:

1- Os Lobeiras eram de origem galega.

2- A Quinta da Lobeira de Ponte Vedra, é de Ponte Vedra a dia de hoje, pois podemos relacionar com o Castro da Lobeira em Vila Nova de Arousa, no Salnês, mas de dependência histórica compostelana. A posse por parte dos Marinho de Lobeira desse local é histórica.

3- Ainda existe a possibilidade de que essa Quinta da Lobeira seja a localidade de Quintas no Concelho de Lobeira, na Baixa Límia, confundida com a ponte-vedresa como se confunde um suposto bispo de Compostela que não figura na lista de prelados compostelanos.

4- O João parece ser filho do cura, privilegiado pelo seu santo pai com heranças e reconhecimentos, herdando o nome familiar da sua mãe, talvez pessoa ocupada em assuntos caseiros do bispo Aires Vasques, que com toda honestidade, não se desentende do seu filho.

5- O Vasco de Lobeira, poderia ser descendente do João e igualmente ser o autor do Amadis, incluindo o poema do seu ancestral.

5- De qualquer maneira, parece ser que o Amadis está escrito por um galego.

Incluo o poema de Joao Pires de Lobeira "Leonoreta":

Das que vejo

nom desejo

outra senhor se vós nom,

e desejo

tam sobejo,

mataria um leom,

senhor do meu coraçom:

fim roseta,

bela sobre toda fror,

fim roseta,

nom me meta

em tal coita voss'amor!

João de Lobeira (c. 1270–1330).


quinta-feira, 29 de agosto de 2024

O servo-croata: um mal exemplo para os galegos



 Jose Manuel "Katuro" Barbosa

Um velho amigo meu viajou este verão à formosa Dubrovnik ou Dubrovnique, em português. do ilírio Dubrava, que significa carvalheira na língua do país, ao que se acrescenta a palavra turca Venedik, que significa a boa Venécia: a carvalheira da boa Venêcia. A cidade foi conhecida na Idade Média como Ragusa, nome procedente do antigo albanês rāguša, língua derivada do antigo ilírio, que significa bago de uva. Está localizada na Dalmácia, onde se falou até o século XIX uma língua latina já extinta: o dálmata, desaparecido oficialmente em 1898, quando o seu último falante, quer dizer, a última pessoa que era capaz de falar nessa língua, Tuone Udaina Burbur, morreu num acidente ao pisar uma mina1. Esta língua de base latina, existiu até essa época em pleno domínio austro-húngaro, extinta por pressão do croata pelo Leste, pelo veneziano pelo Norte e pelo albanês pelo Sul. Hoje a cidade de Dubrovnique é uma maravilha pertencente à Croácia, cujo apelativo turístico conhecido é a Pérola do Adriático, onde hoje se fala uma das variantes do conhecido, até ontem, como língua servo-croata, nome histórico da variante linguística eslava do Sul, que ocupa a Sérvia, a Croácia, a Bósnia-Herzegovina e o Montenegro, antigas repúblicas jugoslavas2, mas que atualmente fica convertido num nome que pode causar reações diversas, segundo quem escutar o glotónimo, que vão da indiferença ao total desacordo, mesmo carregado de ira. Inclusivamente, poderíamos achar, como achou meu amigo, quem denominar a esse conjunto de falas balcânicas com o feio acrónimo com fins eufemísticos de BCMS, siglas de bósnio, croata, montenegrino e sérvio… Assim andam as cousas por ali, ainda hoje, a poucos anos de distância do final das denominadas Guerras Jugoslavas que acabaram com a antiga Jugoslávia.

O caso é que este, meu amigo, trouxe consigo um maço de cigarros comprado na Pérola do Adriático, onde aparece escrito um conhecido anúncio antitabaco em quatro supostos idiomas. Esses quatro idiomas, nomeadamente, bósnio, croata, montenegrino e sérvio, ficam reduzidos a três pequenos textos de duas palavras cada um, que o montenegrino se sente representado por todos eles por estar escrito em grafia latina ou em cirílico, indistintamente. Diz literalmente “fumar mata”.  

Ver links na Bibliografia das pronúncias BCMS
Ver Bibliografia para comprovar como as pronúncias das quatro variantes são iguais: Bósnio, Croata, Sérvio e Montenegrino (este último representados por todas as demais)

Se entraram no link, poderão comprovar que as três legendas dizem o mesmo e da mesma maneira e, portanto, partindo da ideia de que essas falas de estranho glotónimo, o tal BCMS, ou no nome tabu, dito servo-croata, como lhe chamavam as velhas da época de Tito, é uma única língua, parece muito absurdo reduplicar em quatro normativas o que todos dizem da mesma maneira. Alguns podem acreditar que poderia acontecer que essa frase básica fosse igual, embora o resto dos corpus linguísticos de cada uma delas tivessem grandes diferenças morfológicas, sintáticas, léxicas, semânticas, fonéticas ou fonológicas, metafónicas, de conjugações verbais, etc, que nos fizessem pensar em línguas diferentes, embora com maior ou menor distância entre elas. Mas o caso não é esse. O caso é que essas variantes sudeslavas são todas provenientes dum mesmo dialeto servo-croata, o estoikavo ou stoikaviano. Ora, para que vejamos a proximidade dessas quatro versões do BCMS, preciso explicar antes o seguinte:

O servo-croata tem três grandes dialetos: o kaikavo ou kaikaviano, falado na antiga região da Croácia Central ou região de Zagrebe até Rijeka ou, Rieca em português; o Chácavo ou Chacaviano, falado na Ístria, na Dalmácia e nas ilhas adriáticas; e, finalmente, o estoikavo ou stokaviano falado em toda a Sérvia, em toda a Bósnia-Herzegovina em todo Montenegro e nas região croatas da Eslavónia fronteiriças com Hungria e Sérvia, para além de em todo o sul da Dalmácia. Há um possível quarto dialeto, que alguns classificam como servo-croata e outros como búlgaro-macedónio e é o torlakiano, mas resultante das falas de transição entre sérvio e búlgaro. Etnicamente alguns falantes de torlakiano são macedónio-búlgaros e outros são sérvios, mas linguisticamente identificados pelo mesmo dialeto.

A consciência de unidade linguística sul-eslava era uma realidade tradicional, pelo que apesar dos domínios políticos austro-húngaro e otomano, por um lado e, das diferenças de religião, nomeadamente, a católica, a muçulmana e a ortodoxa, pelo outro, considerou-se desde os inícios que a padronização unitária da língua comum era uma necessidade. Daí que um grupo de escritores e linguistas croatas, sérvios e um esloveno, vinculados ao Movimento Ilírio e aos Paneslavistas, decidiram reunir-se e tomarem decisões positivas sobre a estandardização, lá pelo mês de março de 1850 na cidade de Viena. Foi o Acordo de Viena. Entre esses intelectuais estavam figuras como o esloveno Franc Miklošič, os sérvios Vuk Stefanović Karadžić e Đuro Daničić, junto com os croatas Ivan Kukuljevič Sakcinski, Dimitriej Demeter, Ivan Mažuranič, Vinko Pacel e Stjepan Pejakovič. Os acordos iniciais decidiram evitar a criação dum dialeto novo, um “batua” ou um “normativo” de laboratório, como o que temos bascos e galegos, que substituísse os outros dialetos tradicionalmente falados e, portanto, optaram por uma das várias falas vivas sudeslavas, que coincidiu com a fala nativa de Vuk S. Karadžić: o estoicavo ou estokaviano, correspondente ao herzegovino oriental e dentro das possíveis ortofonias, nomeadamente a ikaviana, a ekaviana, a jekaviana e a ijekaviana, foi escolhida esta última, comum em toda a Bósnia-Herzegovina, toda Croácia, todo Montenegro e uma parte importante do Oeste de Sérvia. Esse modelo de priorizar um dos dialetos vivos, seguindo o modelo alemão ou italiano, parece uma forma bastante prática, que evita o invento de laboratório duma nova variante “neutra” que fosse artificial e portanto, inexistente a priori. Optou-se, também nesse produtivo século XIX pela elaboração do Dicionário Croata e Sérvio feito pela Academia Jugoslava das Ciências e das Artes de Zagrebe e nessas mesmas datas foi elaborada a Gramatika i Stilistika Hrvatskoga ili Srpskoga de Tomislav Maretič.

Foi pela primeira vez que se acordou que a língua seria denominada de servo-croata ou croata-sérvio, por iniciativa do esloveno Jernej Kopitar, após a publicação em Itália da Grammatica della Lingua Servo-Croata, que poderia ser representada, inicialmente, tanto em carateres latinos como cirílicos, sendo ambas as duas grafias equivalentes e legítimas, admitindo as diferenças naturais da língua em cada um dos diferentes territórios da antiga Ilíria. A grafia, cirílica ou latina, junto com outros elementos normativos, ocasionaram a dissensão entre os linguistas. Algumas das outras discrepâncias foram: o tratamento dos estrangeirismos ao que esteve submetida a língua perante as diferentes influências segundo a zona, do alemão, do turco, do grego, do veneziano, do húngaro, etc… nem sempre com o mesmo valor para todos pela diferente exposição histórica de cada um dos povos a cada um dos diferentes impérios; também foi objeto de desacordo, o modelo ortofónico, o modelo de planeamento linguístico e outros elementos não menos importantes.

Passados os anos e as circunstâncias históricas, os diferentes povos sudeslavos conformaram-se como um Estado unificado denominado Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos em 1918. Posteriormente, recebeu o nome de Reino de Jugoslávia em 1929 e mais tarde, depois da II Guerra Mundial, recebeu o nome de República Federativa Socialista de Jugoslávia, que durante o governo do Marechal Josip Broz Tito manteve os acordos linguísticos e o consenso da unidade linguística sobre os dois padrões conseguida a partir do Acordo de Novi Sad de 1954. Isso não impediu que a partir da década de 60’s surgissem novas discrepâncias originando as primeiras tentativas para considerarem que cada variedade é um língua diferente e que cada povo teria o direito soberano sobre a sua variante, assim como o direito para determinar o seu nome. Até essa altura, o servo-croata era considerado uma única língua com duas variedades: um oriental, ou sérvio, e outra ocidental, ou croata. A Bósnia seria um lugar de confluência, mescla e coexistência das duas variedades, enquanto o montenegrino era considerado uma sub-variedade do sérvio. Mas os tempos mudam e em 1989 caiu o muro de Berlim, em 1991 caiu a URSS e o mundo passa para uma nova etapa abrindo as portas à dissolução da Jugoslávia. Eslovénia Croácia e Macedónia conseguem a sua independência esse ano de 1991. O ano seguinte, em 2002, consegue a sua independência a Bósnia-Herzegovina. Isto ocasiona a forte oposição de Sérvia que provoca as Guerras Jugoslavas e grandes sofrimentos para os povos sudeslavos que veem alterada a sua convivência pacífica. Neste contexto e posteriormente, também acedem à independência o Montenegro em 2006 e o Kosovo em 2008. Estas separações e os graves danos que a guerra causou em todos os povos ex-jugoslavos favoreceram os rancores e uma visão secessionista das variantes da língua, que deixa de ser considerada una, para ser considerada quatro, uma por Estado. Assim é reconhecido nas diferentes Constituições da cada uma das Repúblicas: na Sérvia passa a denominar-se sérvio usado em cirílico3; na Croácia, croata usando o alfabeto latino4; em Bósnia-Herzegovina passa a chamar-se bosniaco ou bósnio5, segundo a denominação seja dos bosniacos de religião muçulmana ou das minorias sérvias e/ou croatas, identificadas segundo as suas grafias e segundo as suas respetivas religiões: ortodoxa e católica, respetivamente; e finalmente em Montenegro, também se opta por denominar a língua de montenegrino, que aceita, tanto a grafia latina como a cirílica6. Esta situação é a escusa perfeita para afirmar a diferença étnica de maneira agressiva e favorecer a rutura da que até agora era considerada um língua única. Todos e cada um destes Estados decide levar a cabo uma política linguística de separação das próprias variedades, fomentando o léxico diferente, os sotaques diferentes, incluso aquilo que no galego ILG-RAG identificaríamos como neologismos insolidários, segundo a denominação do Professor da UdV, Carlos Garrido (2000: págs 26) quer dizer, aquelas formas lexicais inventadas, fruto da proveta e do laboratório experimental7, insolidárias com a estrutura da língua e incorporadas às NOMIGAs8 com o fim de diferenciar das variantes lusitana e brasileira e estabelecer argumentos para dizer que o galego da CAG (Comunidade Autónoma Galega) é uma língua “de seu” independente do resto do diassistema galego-português. Portanto, entra em vigor uma etapa de ré-padronização em função dos interesses políticos de cada comunidade, deixando no politicamente incorreto o nome de servo-croata. Chegou-se à conclusão de que a língua única evoluiu, acabou desintegrando-se e agora o conjunto das falas que antes faziam o servo-croata são denominadas agora com o acrónimo BCMS (de Bósnio, Croata, Montenegrino e Sérvio), mas que só é usado pelos estudantes e professores estrangeiros que querem ensinar ou apreender esta língua sudeslava, ali onde se fazem estudos de sérvio e croata (não servo-croata), nos que se inclui o bósnio9. A separação consolida-se dum ponto de vista político, embora a filologia e a linguística internacional não considera aceitável essa divisão, justamente por tratar-se duma razão política e não linguística.

Mas a aplicação destas políticas linguísticas supõem na prática um ruidoso atentado contra os direitos humanos e os direitos linguísticos dos sudeslavos, que por questões ideológicas e ódios étnicos mantidos a partir dos conflitos bélicos que os sacudiram, provocam ensinos discriminatórios, onde os alunos são separados por etnias, onde não coincidem nas mesmas turmas croatas, bósnios ou sérvios para evitarem o contacto linguístico entre eles e favorecerem a reafirmação da separação linguística e étnica, onde existem currícula diferentes para cada uma das etnias e onde os sistemas educativos estão entre os menos eficazes da Europa. A segregação continua na administração, nos média, na burocracia, no dia-a-dia e na prática quotidiana da vida das pessoas… E neste contexto surge a ideia de vários intelectuais croatas, sérvios, bósnios e montenegrinos, que declararam em 2017 que os quatro países possuem uma língua standard comum de tipo policêntrico com variedades reconhecíveis como nos casos espanhol, português, francês, árabe, neerlandês, alemão, confirmado pelo estocaviano como base dialetal comum que conforma o padrão de todas as variantes e cuja intercompreensão é real, eficaz, fluida e natural entre todas elas. Afirmaram que o uso de quatro nomes diferentes, não implica a existência de quatro línguas, mas de uma; as diferenças são escassas, mas promovidas pelas políticas linguísticas que provocam numerosos fenómenos sociais, culturais e políticos negativos como a segregação, as traduções desnecessárias, invenção de diferenças onde não existem, coerção, censura e autocensura onde a norma está como forma de diferenciação étnica e de lealdades políticas. Os promotores criticam que as políticas linguísticas às que estão submetidos favorecem as diferenças e portanto as barreiras internas em vez de promoverem a comunicação e que a filiação nacional não tem porque obstaculizar a identidade linguística comum. É a Declaração da Língua Comum de Sarajevo de 2017, que pede a abolição das diferentes formas de segregação e discriminação linguísticas. A proposta foi um sucesso entre os intelectuais dos quatro países, entre linguistas, escritores, cientistas, ativistas e outras figuras credíveis do público e da vida cultural da Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Croácia e Sérvia. A proposta foi escutada fora dos Balcãs, tomando uma transcendência internacional com os apoios de figuras e importantíssimos linguistas de prestigio internacional como Noah Chomsky e outros.

Portanto, se o caminho é o da unidade, a viabilidade interna do antigamente denominado servo-croata irá em aumento e tornará essa língua em mais uma língua europeia de prestígio, nem só por ser falada por um total de quase 18 milhões de pessoas, mas por ser uma das línguas de referência da Europa e nomeadamente, por ser uma das mais representativas entre as línguas eslavas .

Comparação com o caso galego

O denominado Elaboracionismo com o que se identificam os linguistas galegos que promovem as NOMIGAs do ILG-RAG e cuja referência é o croata Žarko Muljiačić, sustenta-se na ideia da separação pondo como base as razões políticas. Este linguista foi um dos promotores da filosofia linguística aplicada e seguida pelo ILG e a RAG durante os últimos quarenta anos e que nos levou até a situação atual. Muljiačić morto em 2009, foi membro correspondente da Academia Jugoslava de Ciências e Artes, que mais tarde se tornou a Academia Croata de Ciências e Artes após a dissolução da República Federal Socialista e a independência do país. Foi um dos teóricos da consolidação da divisão existente nas quatro repúblicas ex-jugoslavas e dele beberam aqueles que sustentaram a separação entre o galego e o português.

Isto, provavelmente quer dizer, que se as quatro variantes sudeslavas procuraram a separação de cada uma delas por causa dos conflitos históricos mal resolvidos, os linguistas galegos, que não têm onde botar mão a respeito de qualquer sentimento negativo entre galegos e portugueses, que não existem, procuram as suas razões em pretextos de índole nacionalitária, que também não são linguísticos, mas políticos. Estes pretextos não nos seria muito difíceis de achar por nós, se conhecermos como é o histórico projeto de construção da Nação espanhola sob a supremacia do castelhano, aplicado pelos distintos governos galegos existentes na CAG desde os inícios da autonomia até o dia de hoje, dentro do que vai implícita a gestão da língua. Sabido é que o mais grande deterioro da língua e a perda de falantes mais acusada de toda a história está entre 1980 e o dia de hoje, depois de quarenta anos de autonomia10 em que a padronização, a “normalização” e o ensino na língua do país esteve a cargo de Fernández Albor, González Laxe, Fraga Iribarne, Perez Touriño, Nuñez Feijóo e Rueda Valenzuela. Supomos que em cumprimento e aplicação dos seus ideários políticos, mas não sabemos exatamente se essa perda maciça de falantes, a maior da história, e o deterioro e castelhanização da língua se deve à sua falta de habilidade à hora de implementar políticas linguísticas em favor da língua dos galegos ou se, pela contra, é um grande sucesso da causa nacionalitária, pessoal e/ou partidária, que os move.

A respeito dos paralelos com os países sudeslavos, unem-nos as divergências padronizadoras. Na Ex-Jugoslávia entre os quatro países em questão, cada um com a sua “língua”, mas na Galiza o problema padronizador é interno, quer dizer, a via elaboracionista, tirada do modelo balcânico e a via reintegracionista. Ora, todos sabemos como o reintegracionismo era visto, ignorado e inclusivamente vilipendiado pelos média, no ensino e na administração, como os reintegracionistas tinham grandes obstáculos nas suas vidas laborais, como havia censura editorial, muitas vezes, também, autocensura, traduções desnecessárias11 e mesmo como sofreram fisicamente com discriminações etc, apesar de ser a unidade da língua galego-portuguesa uma realidade objetiva e apesar de haver uma absoluta intercompreensão entre as variantes faladas. Todos temos vivido nos anos 80’s e 90’s os processos de invenção de léxico chamado “normativo”, de repressão via administrativa e curricular nos centro de ensino de fórmulas de expressão puramente galegas por serem próximas ao português, aplicando atitudes de duvidosa ética democrática impostas entre os funcionários de distintas administrações e nomeadamente no ensino, nos média, na industria editorial, na burocracia, etc. Muitos ouvimos o apelativo de “portugueses” por usarmos uma determinada norma, tentando relacionar o gentílico com uma maneira de não nos reconhecerem galegos, apesar de que a nossa língua também é uma língua policêntrica, com variedades internas que não determinam a nacionalidade do utente. Presenciamos a separação institucional da língua, forçada e justificada a partir das diferenças individuais, locais e nacionais, assim pelo facto da sua padronização, sob base do castelhano, no caso galego; negou-se aos galegos a riqueza da língua comum fruto do prestígio histórico e da internacionalidade da mesma e incutiu-se nos nossas crianças a ideia de que a nossa língua só é para falar na intimidade familiar e que não serve para andar pelo mundo, pois para isso, já está o castelhano. A riqueza lexical, também foi negada, reduzindo o nosso capital terminológico e apagando sinonímia, polissemia, etc… Tudo era “atopar”, “rematar” e não havia “achar”, “descobrir”, “reencontrar”… nem “concluir”, “findar”, “finalizar”, “culminar”… encerrando e limitando as definições das palavras de maneira rígida para evitar parecer-nos ao português; presenciamos a censura a respeito de obras em português original, traduzidas de maneira desnecessária e supérflua e exercendo uma subtil coerção para que o criador escrevesse em “normativo” para poder ser lido e vendidas as suas obras, negando tradutores em juízos ou cingindo a expressão das pessoas ao “normativo”; censurou-se a liberdade criativa dos autores, escritores e literatos, cientistas e educadores evitando a diversidade linguística e sobre tudo, como também diz a Declaração da Língua Comum de Sarajevo de 2017, impedindo a liberdade de “mistura”, a abertura mútua e a interpenetração das diferentes formas e expressões da língua comum, em benefício de todos os seus falantes e tudo para inventarem um neogalego que fosse ao menos português possível.

A passagem do tempo e todo este tipo de cousas fez com que a sociedade tomasse mais consciência da realidade linguística da Galiza e graças à Internet e a proliferação das redes sociais, a ideia de unidade da língua acabou estendendo-se. Mesmo chegou a ser compreendida pelos gestores que viram a bondade de mudar de rumos para um novo caminho que viabilizasse a língua de todos os galegos. Com isso e por isso acabou nascendo uma Academia Galega da Língua Portuguesa e com ela criaram-se as condições de entrada na CPLP, de promover o português na Galiza, como foi a Lei Paz Andrade… mas se tomamos medida destas cousas, nem está ainda aplicada, nem desenvolvida, nem parece haver muita vontade por parte do governo galego, nem há movimento para pôr a nossa língua no lugar onde deve, apesar de ser uma realidade gritante, apesar de vermos exemplos de oficialidade real nas instituições europeias. Esta circunstância parece não ser muito evidente para alguns que ainda falam de oficializar uma língua já oficial, como é a nossa, na Europa, só por dividi-la, só por não reconhecer a realidade da unidade da língua, mesmo presenciando absurdos de ver deputadas galegas pedir a oficialização da sua língua no Parlamento europeu, falando aquela língua que, supostamente, querem oficializar. Não se dão conta de que catalães e bascos precisam pedir a oficialização das suas línguas nas instituições europeias falando em inglês ou em francês, porque as suas línguas não são oficiais? Esse absurdo de pedir a oficialização da nossa língua, falando na nossa língua, parece muito balcânico. Ou será que o que realmente pedem é a oficialização duma determinada forma de padrão cuja filosofia de fundo é um exemplo balcânico que reduz e destroça a viabilidade duma língua convertendo-a numa manta de retalhos?

O caso galego tem as suas grandes similitudes com o caso do servo-croata e é o caso servo-croata que é o pior exemplo de solução para o caso galego. Um mal exemplo, mas um exemplo, também, exemplar desculpe-se-me a redundância para os que gerem a nossa realidade linguística e que nos levaram a este abismo, onde a língua dos galegos, na própria Galiza, vive o momento em que o número de falantes é o menor da sua milenar história e a sua qualidade é a pior, também, da sua história.

Notas:

Declaração da Língua Comum de Sarajevo. 2017

Tradução para português

Confrontados com as consequências sociais, culturais e económicas negativas das manipulações políticas da língua nas atuais políticas linguísticas na Bósnia e Herzegovina, Croácia, Montenegro e Sérvia, nós, abaixo assinados, emitimos a seguinte DECLARAÇÃO SOBRE A LÍNGUA COMUM.

A resposta à questão de saber se é utilizada uma língua comum na Bósnia e Herzegovina, na Croácia, no Montenegro e na Sérvia é afirmativa. Esta é uma língua padrão comum do tipo policêntrico, falada por várias nações em vários estados, com variantes reconhecíveis, como o alemão, o inglês, o árabe, o francês, o espanhol, o português e muitas outras. Este facto é corroborado pelo estokaviano como a base dialetal comum da língua padrão, a proporção entre o mesmo e o diferente na língua e a consequente compreensibilidade mútua. A utilização de quatro nomes para as variantes padrão –bósnio, croata, montenegrino e sérvio– não implica que se trate de quatro línguas diferentes. Insistir no pequeno número de diferenças existentes e na separação forçada das quatro variantes padrão provoca numerosos fenómenos sociais, culturais e políticos negativos. Estas incluem a utilização da linguagem como argumento que justifica a segregação das crianças em idade escolar em alguns ambientes multiétnicos, a "tradução" desnecessária na administração ou nos meios de comunicação, a invenção de diferenças onde elas não existem, a coerção burocrática, bem como a censura (e necessariamente também a autocensura), onde a expressão linguística é imposta como critério de filiação etnonacional e meio de afirmação de lealdade política.

Nós, os abaixo-assinados, sustentamos que:

  • O facto de existir uma língua policêntrica comum não põe em causa o direito individual de exprimir a pertença a diferentes nações, regiões ou estados;

  • Cada estado, nação, comunidade etnonacional ou regional pode codificar livre e independentemente a sua própria variante da língua comum;

  • Todas as quatro variantes padrão atualmente existentes gozam de um estatuto igual, na medida em que nenhuma delas pode ser considerada uma língua, sendo as restantes variantes dessa língua;

  • A padronização policêntrica é a forma democrática de padronização que mais se aproxima do uso real da linguagem;

  • O facto de se tratar de uma linguagem padrão policêntrica comum permite aos seus utilizadores nomeá-la como desejarem;

  • As variantes padrão da língua policêntrica apresentam diferenças nas tradições e práticas linguísticas e culturais, no uso de alfabetos, no stock lexical e noutros níveis linguísticos;

  • Isto pode ser demonstrado, entre outras coisas, pelas diferentes variantes padrão da língua comum em que esta Declaração será publicada e utilizada;

  • As diferenças padrão, dialetais e individuais não justificam a separação institucional forçada;

  • Pelo contrário, contribuem para a grande riqueza da língua comum.

    Por isso, nós, abaixo assinados, apelamos

  • A abolir todas as formas de segregação e discriminação linguística nas instituições educativas e públicas;

  • Descontinuar as práticas repressivas e desnecessárias de separação linguística que são prejudiciais para os falantes;

  • Encerrar a definição rígida das variantes padrão;

  • Evitar as “traduções” supérfluas, insensatas e dispendiosas nos processos judiciais, na administração e nos meios de informação pública;

  • A liberdade de escolha individual e o respeito pela diversidade linguística;

  • A liberdade linguística na literatura, nas artes e nos meios de comunicação social;

  • A liberdade de utilização dialetal e regional;

  • E, finalmente, a liberdade de “mistura”, a abertura mútua e a interpenetração das diferentes formas e expressões da língua comum, em benefício de todos os seus falantes.

    Em Zagreb, Podgorica, Belgrado e Sarajevo, 30 de março de 2017

Texto original da Declaração de Sarajevo de 2017:

Tekstdeklaracije

Suočeni s negativnim društvenim, kulturnim i ekonomskim posljedicama političkih manipulacija jezikom i aktualnih jezičnih politika u Bosni i Hercegovini, Crnoj Gori, Hrvatskoj i Srbiji, mi, doljepotpisani, donosimo

DEKLARACIJU O ZAJEDNIČKOM JEZIKU

Na pitanje da li se u Bosni i Hercegovini, Crnoj Gori, Hrvatskoj i Srbiji upotrebljava zajednički jezik – odgovor je potvrdan.

Riječ je o zajedničkom standardnom jeziku policentričnog tipa – odnosno o jeziku kojim govori više naroda u više država s prepoznatljivim varijantama – kakvi su njemački, engleski, arapski, francuski, španjolski, portugalski i mnogi drugi. Tu činjenicu potvrđuju štokavica kao zajednička dijalekatska osnovica standardnog jezika, omjer istoga spram različitoga u jeziku i posljedična međusobna razumljivost.

Korištenje četiri naziva za standardne varijante – bosanski, crnogorski, hrvatski i srpski – ne znači da su to i četiri različita jezika.

Inzistiranje na malom broju postojećih razlika te nasilnom razdvajanju četiri standardne varijante dovodi do niza negativnih društvenih, kulturnih i političkih pojava, poput korištenja jezika kao argumenta za segregaciju djece u nekim višenacionalnim sredinama, nepotrebnih ”prevođenja” u administrativnoj upotrebi ili medijima, izmišljanja razlika gdje one ne postoje, birokratskih prisila, kao i cenzure (te nužno auto-cenzure), u kojima se jezično izražavanje nameće kao kriterij etno-nacionalne pripadnosti i sredstvo dokazivanja političke lojalnosti.

Mi, potpisnici ove Deklaracije, smatramo da

  • činjenica postojanja zajedničkog policentričnog jezika ne dovodi u pitanje individualno pravo na iskazivanje pripadnosti različitim narodima, regijama ili državama;

  • svaka država, nacija, etno-nacionalna ili regionalna zajednica može slobodno i samostalno kodificirati svoju varijantu zajedničkog jezika;

  • sve četiri trenutno postojeće standardne varijante ravnopravne su i ne može se jedna od njih smatrati jezikom, a druge varijantama tog jezika;

  • policentrična standardizacija je demokratski oblik standardizacije najbliži stvarnoj upotrebi jezika;

  • činjenica da se radi o zajedničkom policentričnom standardnom jeziku ostavlja mogućnost svakom korisniku da ga imenuje kako želi;

  • između standardnih varijanti policentričnog jezika postoje razlike u jezičnim i kulturnim tradicijama i praksama, upotrebi pisma, rječničkom blagu kao i na ostalim jezičnim razinama, što mogu pokazati i različite standardne varijante zajedničkog jezika na kojima će ova Deklaracija biti objavljena i korištena;

  • standardne, dijalekatske i individualne razlike ne opravdavaju nasilno institucionalno razdvajanje, već naprotiv, doprinose ogromnom bogatstvu zajedničkog jezika.

Stoga, mi, potpisnici ove Deklaracije, pozivamo na

  • ukidanje svih oblika jezične segregacije i jezične diskriminacije u obrazovnim i javnim ustanovama;

  • zaustavljanje represivnih, nepotrebnih i po govornike štetnih praksi razdvajanja jezika;

  • prestanak rigidnog definiranja standardnih varijanti;

  • izbjegavanje nepotrebnih, besmislenih i skupih ”prevođenja” u sudskoj i administrativnoj praksi kao i sredstvima javnog informiranja;

  • slobodu individualnog izbora i uvažavanje jezičnih raznovrsnosti;

  • jezičnu slobodu u književnosti, umjetnosti i medijima;

  • slobodu dijalekatske i regionalne upotrebe;

  • i, konačno, slobodu miješanja, uzajamnu otvorenost te prožimanje različitih oblika i izričaja zajedničkog jezika na sveopću korist svih njegovih govornika.


Bibliografia e linkografia (Clicar nos links para aceder aos textos)

1 Os investigadores, dizem-nos, que a informação dada por Tuone Udaina (ou Antonio Udine, como era o seu nome legalmente reconhecido em italiano) a respeito do dálmata, não era absolutamente fiável, pois na época em que se fez informante, tinham passado mais de vinte anos sem conversar nessa língua com ninguém e a pronuncia que o Tuone apresentava era defeituosa porque era uma pessoa idosa, não tinha dentes, estava surdo pelo que a sua diçao não era a desejável e aliás, o dálmata não era a sua língua materna, mas o veneziano. Por outra parte, os interlocutores com os que ele poderia ter trocado conversas em dálmata, já tinham morto ou não eram por ele conhecidos, portanto, a investigação ficou abortada quando morreu ao pisar uma bomba que os operários que trabalhavam na construção de uma estrada na ilha croata de Krk (ou Veglia, em italiano), puseram no lugar das obras para fazerem o seu trabalho.

2 Na antiga Jugoslávia ainda se falavam mais duas línguas eslavas: o esloveno, na Eslovénia e nas regiões austríacas e italianas de Estíria (A), Caríntia (A), Gorizia (It) e Trieste (It), onde é oficial, para além da região de Vas (Hungria); a outra língua é o macedónio, variante histórica do búlgaro que sofreu um processo de servianização e falado na atual Macedónia do Norte, assim como em regiões limítrofes de Albânia, Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Roménia e na Macedónia grega.

3 Vd artigo 10 da Constituição de Sérvia de 2016 (Vd Bibliografia).

4 Vd artigo 12 da Constituição de Croácia usando o alfabeto latino, embora o cirílico também seja legal (Ver Bibliografia).

5 A Constituição bósnia não reconhece línguas oficiais, mas de facto a partir dos Acordos de Dayton de 1995, escritos em bósnio, croata e sérvio, reconhecem implicitamente a oficialidade das três variantes. Por outra parte, as duas entidades administrativas bósnias, nomeadamente a República Servia de Bósnia e a Federação de Bósnia e Herzegobina formada por bosniacos, e croatas, até 2000 só aceitavam o sérvio na primeira e o croata junto com o bósnio na segunda, mas o Tribunal Constitucional da Repúblico em aplicação do Estatuto de Igualdade, determinou em 2000 que as três variedades deveriam ser oficiais em todo o território da República de Bósnia e Herzegovina, por quanto são totalmente inteligíveis entre si. De facto, o conjunto das variantes é identificado, nesta República, com o nome de servo-croata, apesar de não ser um termo reconhecido oficialmente no país (Vd Bibliografia).

6 Vd artigo 13 da Constituição de Montenegro (Vd Bibliografia)

7 Tipo “beirarrua”, em vez de “passeio da rua”, cobra da India” por “cobra-capelo” ou “naja”, “floco de millo” por “pipoca” (Vd Garrido, Carlos: Manual de Galego Científico: AGAL.Corunha. 2000. Pág 28).

8 NOMIGA: Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego, elaboradas e aprovadas pelo Instituto da Língua Galega e a Real Academia Galega em julho de 1982 e adotadas para o seu uso nas instituições dependentes de Junta da Galiza em novembro de 1982 pelo chamado Decreto Filgueira.

9 Lembremos aquela mudança histórica da Universidade da Crunha nos anos 90 que decidiu mudar o nome da Filologia galego-portuguesa, pela de Filologia galega e portuguesa.

10 Exceto uns escassos seis anos em que a CAG esteve gerida por duas coligações entre socialistas e nacionalistas: a primeira entre 1987 e 1989 protagonizada pelo PSdG-PSOE junto com CG e PNG, e a segunda pelo o PsdG-PSOE e o BNG entre 2005 e 2009.

11 Lembramos a entrevista feita a Mário Soares pela TVG em que uma voz em off, supostamente para traduzir as suas palavras, apagava a expressão natural do Presidente português em 1992, impedindo vivenciar a proximidade linguística entre a variante portuguesa e a galega.

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